Kebapcheta, kyufteta e almôndegas

Anthony Georgieff – do site vagabond.bg

Estou sentado no pátio da casa de pasto sem nome na aldeia de Leshten, nas faldas ocidentais dos Rodopes1. A visão diante de mim é magnífica – o sol está a pôr-se sobre o Pirin2, e seus últimos raios pintam de vermelho escuro as casas de barro e madeira próximas. A rakyia3 caseira que provei é provavelmente a melhor no sudoeste da Bulgária, a shopska4 foi feita com tomates rosa escolhidos a dedo, e o queijo branco é simplesmente fabuloso.

Um homem de uns oitenta anos sobe devagar o caminho para o restaurante.

Olá! – diz ele.

Metade da aldeia – conta-me Yuri, o proprietário do restaurante – está agora a passar. A outra metade é a esposa desse homem.

– Olá! – diz o homem novamente, aproximando-se. – Você sabe o que Ivan Vazov disse a algumas pessoas na sua cidade natal? Vão trabalhar, vocês não prestam para nada! Então, foi para debaixo de uma árvore beber uma cerveja.

O grande ancião da literatura búlgara era de facto conhecido pela sua propensão para boa comida e bebida. O autor de Sob o Jugo, o clássico búlgaro do século XIX, tem algumas descrições insuperáveis ​​da nossa maneira de comer e beber. Pode-se ver nas suas obras que, em muitos casos, a devoção aos guisados otomanos ​​à base de beringela, amplamente polvilhados com salsa fresca e acompanhados de robustos tintos, mitigou o seu feroz nacionalismo antiturco. O que a “primeira metade da aldeia de Leshten” está a omitir, no entanto, é que antes de Ivan Vazov tomar uma cerveja debaixo de uma árvore, provavelmente tinha comido um par de kebapche (O singular é kebapche [ler kebápche] e o plural kebapcheta [ler kebápcheta]).

kyifte

Kyufteta grelhados; também podem ser parzheno (fritos) mas assim só se servem ao almoço. Aqui, guarnecidos com salada de couves; ao lado, lyutenitsa.
Fonte: Bulgarian Spices

Pouco se sabe sobre como ou quando este prato essencialmente oriental foi importado para as terras búlgaras. Provavelmente chegou com os otomanos nos séculos XIV e XV, mas o que é certo é que, embora a maioria dos búlgaros considere o kebapche como um dos alimentos básicos da sua culinária, ele penetrou não só na Bulgária, mas muito além – nos confins dos Balcãs e até mesmo na Itália e na Austro-Hungria.

No início do século XX, o kebapche era a mania culinária da Bulgária recém-independente. Os historiadores indicam que Sófia era célebre em todas as partes dos Balcãs pelos seus numerosos quiosques e bares de kebapche. Sair para comer uma dúzia de kebaptche e algumas cervejas geladas era absolutamente obrigatório e era praticado pelos jovens e pelos velhos, homens e mulheres. Todos descobriram da maneira mais fácil, tal como Ivan Vazov, que a bebida mais apropriada para complementar um kebaptche era uma cerveja gelada. Os melhores sítios de kebaptche eram geralmente associados a uma cervejaria – Primeira Shumenska, Segunda Shumenska5, etc.

Após a Segunda Guerra Mundial, todos estes sítios foram fechados, já que tudo deveria pertencer ao Estado. O kebaptche desafiou os comissários, no entanto. Rapidamente emergiu como um dos quatro pratos disponíveis nos restaurantes estatais búlgaros até 1989, sendo os outros três o irmão redondo, o kyufte, o bife de porco e o shishche, uma espetada com vários pequenos pedaços de carne. Uma combinação deles é chamada meshana skara (grelhada mista) e, como era mais cara, era considerada uma refeição festiva – várias gerações de búlgaros se casaram a comer meshana skara e lyutenitsa6.

A situação no início do século XXI é completamente diferente. Os visitantes atuais de Sófia e de outros lugares podem participar de menus às vezes extremamente longos, mas note que todos eles terão kebaptche e kyufte nalgum momento.

kyufte

Kebapcheta e kyufteta (singular, kebaptche e kyufte; plural kebaptcheta e kyufteta)
Fonte: vagabond.bg

Muitos perguntarão, com inteira justificação, o que torna o kebaptche tão diferente do kyufte.

Enquanto a principal diferença entre o primeiro e o segundo é a forma (o kebaptche é cilíndrico, mas o kyufte é, bem, como uma almôndega), muitos búlgaros juram, a pés juntos, que nada pode estar mais longe da verdade. O kyufte pode incluir muito mais especiarias do que o kebapche. Significativamente, o kyufte pode ser frito ou grelhado, enquanto o kebaptche é sempre grelhado. Por último, mas não menos importante, quem ouviu falar de uma boa dona de casa búlgara fazer kebaptche em casa? Ela faria sempre kyufteta (O singular é kyufte [ler kyufté] e o plural kyufteta [ler kyuftéta]).

Embora tanto o kyufte quanto o kebaptche não tenham género, os psicólogos afirmam que o kebaptche é muito mais masculino do que o kyufte. Pesquisas indicam que a maioria dos homens búlgaros escolheria o kebapche, enquanto a maioria das mulheres prefere o kyufte – frito para o almoço, grelhado para o jantar.

O velho da aldeia de Leshten passou por mim – o tempo está a ficar frio de mais para uma cerveja debaixo de uma árvore. Agora estou a pensar em Ivan Vazov. Ele ficaria muito feliz, embora sentindo-se um pouco sentimental pelo bom kebaptche do passado que já não existe. No entanto, se estivesse vivo, o seu paladar experimentaria toda uma série de novas sensações incomuns.

KEBAPCHE PRONTO

VARIANTES

1. Kebapche
2. Kyufte, geralmente grelhado; também pode ser parzheno (frito), que só se serve ao almoço.
3. Nervozno kyufte, kyufte nervoso, ou picante, com pimenta malagueta.
4. Bolyarsko kyufte, kyufte do fidalgo, contém queijo kashkaval.
5. Kyufte s magdanoz, com salsa, também chamado magdanozliya.

Adições recentes à lista de kyufteta incluem pileshko kyufte ou almôndega de frango; tsarigradski kyuftentsa, ou almôndega da Cidade Real, pequenas almôndegas com puré de batata; ribeno kyufte, almôndega de peixe; e valcho kyufte, almôndega de lobos, que pode conter componentes estranhos, como bacon picado e até fígado.

Se quiser, pode comprar carne picada já em forma de kyufte ou kebapche. É vendida em todo o lado, desde grandes supermercados a lojas de esquina. Seja extremamente cuidadoso, pois não sabe o que contém o picado. Hoje em dia, os produtores são legalmente obrigados a declarar, em búlgaro, os ingredientes de qualquer género alimentício que produzam. Ficará surpreso com o número e a variedade de conservantes que o picado para kyufte ou kebaptche pode conter, incluindo (mas não limitados a) farinha de soja, E202, E316, E330, E331 e E262. Os conhecedores dirão imediatamente que, embora não sejam perigosos, vão inevitavelmente arruinar o sabor da coisa autêntica. Compre carne picada ou em pedacinhos apenas em talhos de confiança.

CRUZANDO FRONTEIRAS

Uma rápida olhadela à distribuição geográfica do kebaptche revela que é tão popular na Bulgária como na Roménia (mititei), Sérvia (cevap), Grécia, Turquia e Macedónia.

O kyufte, por sua vez, vence em termos de popularidade internacional. O que nos países árabes é conhecido como kofta, no Irã é kofteh, köfte na Turquia, keftes na Grécia, chiftea na Roménia e qofte na Albânia.

Além do Oriente e dos Balcãs, o kyufte tornou-se um sustentáculo instantaneamente reconhecível de muitas cozinhas. Os frikadeller dinamarqueses são conhecidos bem além dos limites dos reinos escandinavos. São feitos de carne picada muito fina e levam-se com bastante akvavit e lager da Tuborg. Na Finlândia, as almôndegas, ou lihapullat, são feitas com carne de vaca ou de porco e vaca, misturadas com pão ralado ensopado em leite e cebola picada. São temperadas com pimenta branca e sal. As almôndegas são tradicionalmente servidas com molho, batatas cozidas, geleia de mirtilo e, às vezes, pickles de pepino frescos.

No Afeganistão, as almôndegas são usadas como um prato tradicional com sopa caseira, e hoje em dia também são grelhadas em cima da pizza. Na Espanha e na América Latina, as almôndegas são chamadas albóndigas, derivadas do árabe al-bunduq (que significa “avelã” ou, por extensão, um pequeno objeto redondo). Acredita-se que as albóndigas tenham origem num prato bérbere ou árabe importado para a Ibéria durante o período do domínio muçulmano. As albóndigas espanholas podem ser servidas como aperitivo ou prato principal, muitas vezes em molho de tomate, enquanto as albóndigas mexicanas são comumente servidas numa sopa de caldo leve e legumes.

Nos Estados Unidos, as almôndegas são frequentemente servidas com esparguete como em “esparguete e almôndegas”, um prato fundamental na culinária italo-americana. Na prática norte-americana, são em geral muito maiores do que em Itália. Além disso, em Itália, as almôndegas são tradicionalmente servidas sozinhas em vez de com massa.

Alguns dos primeiros livros de culinária arábicos conhecidos geralmente identificam os kyufte como sendo de origem persa – cordeiro temperado enrolado em bolas do tamanho de laranjas, e glaceado com gema de ovo e às vezes açafrão. Existem muitas variações regionais, entre as quais se destaca o invulgarmente grande kufteh tabrizi iraniano, com um diâmetro médio de 20 cm.

O FAVORITO DA VOVÓ

Toda a espécie de chefs e, na verdade, muita gente na Bulgária produzirá instantaneamente diferentes teorias sobre a composição ideal de um kebapche ou kyufte. Alguns argumentarão que a proporção entre carne bovina e suína deve ser meio por meio, outros favorecerão a adição de um pouco de carne de carneiro; os partidários de picar vão opor-se aos que favorecem cortar aos pedacinhos; e a adição ou omissão de cebolas certamente criará disputas. Aqui está como minha avó costumava fazer as suas almôndegas:

De manhã, ela ia ao talho local e comprava um quilo de carne picada ou cortada em pedacinhos, com 60% de carne de porco e 40% de carne de vaca. Punha numa tigela, e acrescentava um par de ovos crus, uma cebola picada, salsa picada, pimenta preta, cominho moído, talvez um pouco de orégãos e de pimenta malagueta picada. Então usava a mão (só a mão – uma colher não dá) para misturar por 15 minutos. Uma vez que todos os ingredientes ficassem viscosos, deixava para o resto do dia, coberta com um pano, num lugar fresco mas não frio, “para amadurecer”. À noite, começava a fazer as bolas redondas uma a uma. Mantinha as mãos sempre molhadas porque a água impedia que a carne se lhes colasse. Se ia fritar, passava as almôndegas por farinha de trigo. Se ia grelhar, bastava pô-las na grelha e verificar se não se colavam à chapa. A minha avó costumava dizer que não havia nada pior do que uma almôndega deformada (e eu ouvi!).

1 – Rodopes, montanhas na zona sudoeste da Bulgária. Voltar ao texto. ↑

2 – Pirin, monte a ocidente dos Rodopes, junto à fronteira com a Grécia. Voltar ao texto. ↑

3 – Rakyia: aguardente de ameixas, pêssegos, uvas ou outros frutos. Voltar ao texto. ↑

4 – Salada shopska ou búlgara: feita com tomate, pepinos, cebolas, pimentos, queijo sirene e salsa. Voltar ao texto. ↑

5 – Na Bulgária, muitas cervejas têm o nome de cidades. Shumenska é uma cerveja oriunda de Shumen, Zagorka de Stara Zagora, Burgasko de Burgass, Stolichno, "da capital". Voltar ao texto. ↑

6 – Lyutenitsa: pasta picante com tomate e pimentos usada como condimento, ou mesmo para barrar o pão. Voltar ao texto. ↑

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