B16 vem à cidade

Lembro-me bem de quando o Salazar fazia coisas destas. Mandava fechar os serviços, o pessoal das Casas do Povo que pusesse camionetas e comboios à disposição de todos, a União Nacional, a Mocidade Portuguesa, as dioceses, todos arrebanhavam gente para vir aqui. Enquadravam-nos, pintavam-lhes os cartazes, davam a muitos a possibilidade de ver pela primeira vez a capital. Enchia-se assim o Terreiro do Paço de povo reverente perante a improvável figura de pai conjurada pela ditadura para servir um homem cruel, seco e antipático.

As manifestações seriam impressionantes, se esquecêssemos que muitos mais, apesar das facilidades mais impostas que concedidas, apesar da ameaça de exclusão, ficavam em casa.

Hoje, num estado democrático, isto não devia estar a acontecer. Mas está. Mais uma vez, as pessoas são usadas, com todos os truques das ditaduras, que os estados democráticos deviam estar proibidos de usar, para dar uma moldura de credibilidade a uma pretensa figura paternal, cujo ar sinistro não convence ninguém.

Missa no Terreiro do Paço

Porque está uma fragata a servir de cenário da missa de Bento XVI? Sem falar no custo de deslocar o mais caro e precioso dos nossos navios sem justificação operacional, sem falar no atropelo à Constituição que é pôr um vaso de guerra a servir de adereço de uma manifestação religiosa, sem falar no insulto às nossas Forças Armadas que é usá-las e às suas armas para um fim frívolo, não percebo como é que os próprios católicos não se recusaram a ter aquele navio ali. Suponho que o papa veio dizer as patacoadas do costume sobre paz e amor, caridade, paz no Mundo, e tal e tal (contrariadas por apelos à intolerância e ao obscurantismo, é claro). Porquê dizer essa mensagem com um pano de fundo de cem homens e mulheres de armas dentro de um navio de guerra cheio de canhões, mísseis, cargas de profundidade, torpedos e metralhadoras? Ou será essa a verdadeira mensagem: o Estado não é laico, está ao serviço da Igreja? (Foto: Visão)

Joseph Ratzinger dirige de facto a Igreja Católica há dezenas de anos. O seu objectivo paciente e determinado é voltar aos tempos em que nenhuma concessão fora feita à modernidade, em que a sua organização apoiava calmamente as mais ferozes ditaduras.

Joseph Ratzinger tem a vantagem de ser inteligente. Até parece ter sido em tempos apoiante do Vaticano II, mas voltou para trás quando percebeu que tanta abertura iria desagregar a sua querida hierarquia. Cometeu um erro, possivelmente devido ao pecado da vaidade: ao fim destes anos todos a dirigir aquilo de facto, dispôs-se a ser papa.

Fátima, Procissão das Velas

Isto aqui é Meca, com os fiéis à volta da Kaaba? Ai de nós, é Fátima, no Portugal do século XXI. Estive lá um par de vezes, movido sobretudo pela curiosidade. Noutros lugares, emoldurado por boa arte e por realizadores de eventos com algum talento, o culto pode ter alguma dignidade; ali não. Ali a religião é irremediavelmente pimba. (Foto: Visão)

As eminências pardas deviam contentar-se com o seu acesso ao poder e não deixar-se tentar pelas honras, pois para eles as honras serão amargas. Como o vizir que queria ser califa em lugar do califa, podem conseguir lá chegar colectando todas as dívidas dos seus co-conspiradores, mas descobrem rapidamente que o povo não lhes tem amor nenhum.

A força da religião não está na racionalidade mas nas tempestades de paixão, em torno da culpa e do perdão. Nisso era bom João Paulo. Com toda a sua beatice parva, seria muito difícil alguém apontar-lhe os crimes de que a sua igreja andava acusada. Com a sua inteligência fria, Ratzinger torna aparente a todos uma outra face do catolicismo, uma face mais verdadeira mas que muitos de certeza preferiam não ver.

A bondade aparente de Karol Wojtyla não protege Joseph Ratzinger. Todos os crimes de que a Igreja Católica vem acusada tornam-se de repente muito mais plausíveis.

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