Sou europeísta!

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Aproximam-se as eleições europeias e sinto-me obrigado a tomar posição sobre a União Europeia.

Várias correntes de esquerda são eurocépticas ou declaradamente nacionalistas. Eu sou de esquerda, mas discordo frontalmente de tais ideias.

A União Europeia, a meu ver, foi um desenvolvimento muito positivo, ao ultrapassar de forma pacífica as questões nacionais na Europa, ao criar uma metanação com base em princípios democráticos de governo, ao subscrever liberdades individuais e regalias sociais das mais avançadas no mundo.

Muitas das potencialidades da União não foram ainda cumpridas, evidentemente. Outras encontram-se comprometidas ou ameaçadas pela ofensiva neoliberal. A própria sobrevivência da União Europeia está ameaçada, de um lado pela ofensiva nacionalista e neofascista, apoiada pelos seus adversários externos, de outro internamente, pela política neoliberal do capital financeiro executada pela sua direção política, essencialmente incompatível com os seus princípios democráticos e sociais.

Os compromissos políticos que estão na base da União correspondem a uma fase histórica do pensamento político, ainda marcado pela reflexão sobre o fim da Segunda Guerra Mundial e pela Guerra Fria. A criação de uma sociedade aberta funcionou como defesa contra a penetração do comunismo na Europa. As regalias sociais e liberdades individuais, as instituições de vigilância da corrupção dos estados nacionais, a liberdade de circulação de pessoas e mercadorias serviram também como arma para a criação da união política.

"Quantas divisões tem o papa?" – teria perguntado, em 1935, José Estaline, em conversa com Pierre Laval (citado por Winston Churchill), ridicularizando o poder do Vaticano. A ideia da União Europeia tem esse tipo de poder que não se baseia em soldados, mas nas aspirações dos cidadãos. Com essa ideia, a Europa inteira foi invadida e rendeu-se, sem disparar um tiro, ou quase. A CEE inicial invadiu a Europa por convite! Nem Hitler nem Estaline alguma vez tiveram as divisões suficientes, muito menos a força moral para tal proeza.

Para um cidadão progressista ou de esquerda, qual deverá ser a posição perante a União Europeia?

Alguns dirão que se trata de um projeto capitalista, imperialista e hegemónico, a que a esquerda deve opor-se. Mas opor-se para quê? Para preservar os estados nacionais também capitalistas? Em que é que as massas populares podem beneficiar com o desmantelamento da CE e o regresso ao domínio pelas elites nacionais? Absolutamente nada, creio eu. Se se trata de substituir um domínio capitalista e neoliberal por outro, não me parece que as organizações de esquerda devam gastar esforços e dispender capital político nessa frente. Ainda por cima, estariam a fazer frente comum com a extrema-direita nacionalista e fascista. Nada bom!

A experiência do Brexit também nada augura de bom. O preço da saída de qualquer país seria muito alto para as suas classes populares. Para quê esse sacrifício? Para satisfazer um fantasma ideológico?

Muito mais lógico e proveitoso, na minha opinião, é usar o quadro representativo da União Europeia para defender as aspirações populares e as suas conquistas políticas e sociais.

Gostava de ver os partidos de esquerda coordenarem mais e melhor as lutas por objetivos progressistas no quadro da UE, não só a nível parlamentar, mas também em ativismo político e social. No quadro europeu, é possível e necessário lutar nestes eixos fundamentais:

  • Derrotar a ofensiva nacionalista e fascista e defender as liberdades fundamentais ameaçadas. Essa ofensiva é claramente coordenada internacionalmente e exige uma ação coordenada da esquerda, tanto no plano das liberdades e direitos humanos (defesa dos direitos das mulheres, minorias e LGBT), como das liberdades políticas (combate à deriva autoritária dos estados), e também nas lutas laborais, estudantis, etc.
  • Combater a política neoliberal da direção da UE. Essa política tem tido um efeito destrutivo, comprometendo o capital político da União, desiludindo e levando ao desespero largos setores populares. A chantagem da falta de alternativa à austeridade é cada vez mais rejeitada. Hoje a ideologia neoliberal está inteiramente desacreditada e só sobrevive pela teimosia interessada dos dirigentes. A própria sobrevivência da União depende de se romper esse consenso artificial neoliberal e defender o estado social. Os países sob ataque austeritário pela direção da UE têm que ser defendidos em toda a UE. Mais uma vez, a única maneira de ter sucesso é a coordenação intereuropeia da forças de esquerda, em ações políticas e parlamentares com propostas de medidas económicas e sociais mobilizadoras.
  • Na questão estratégica das alterações climáticas, a União Europeia é um quadro político fundamental. Diminuir a força política da União levará certamente a comprometer as políticas necessárias, tanto a nível da Europa como pela pressão que a Europa exerce sobre o mundo. Deixar a luta contra o aquecimento global nas mãos das elites locais seria desastroso; eliminar a força da liderança internacional nesse sentido seria trágico. Pelo contrário, a esquerda tem que mobilizar-se agressivamente contra os lobbies que procuram, de várias formas, torpedear essa luta. Cada vez mais as estratégias ambientais se tornarão centrais na ação da esquerda, nunca acrescentos programáticos marginais para satisfazer alguns públicos.
  • A coordenação de lutas políticas em toda a Europa é o quadro mais eficaz para a oposição à política imperialista, pela paz e pelos direitos dos povos, em particular as intervenções dos EUA e a assistência a essas intervenções por parte dos países europeus através da NATO; do mesmo modo na oposição às políticas autoritárias das cleptocracias da Rússia e da China.

Não sei se será possível ou desejável uma revolução social, nem sei se um futuro com justiça social poderá considerar-se socialismo. O marxismo, para além de todos os seus outros defeitos, mostrou-se totalmente incapaz de fazer previsões históricas. As profecias marxistas nunca foram melhores que as previsões cegas e na maioria das vezes foram muito piores. No caso dos revolucionários, se pretendem a soberania nacional para tomarem o poder, isso parece-me a pior das vias, a do isolamento e sacrifício do povo do seu país; se for possível, desejável ou necessária uma revolução, possivelmente um quadro paneuropeu será mais favorável ao seu sucesso.

Mas só vale a pena pensar na revolução se outras vias mais pacíficas, democráticas ou consensuais não forem possíveis. Essa é uma experiência a fazer na União Europeia.

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