As eleições e o inconsciente coletivo

As sondagens não querem dizer nada. No entanto, devo dizer que a vitória da AD me parece muito provável. Os meus amigos do PS realçam o cerco da comunicação social e dos comentadores, hostil ao governo, durante meses, anos, e as manobras da presidência e da justiça partidarizadas.

Para mim, no entanto, há fatores mais profundos que me intrigam há muitos anos. Os eleitorados flutuam de forma muito profunda e, na minha opinião, largamente inconsciente ou até irracional. Que causas, se há algumas, não sei. Mas creio que o povo decidiu tornar-se menos solidário, mais racista, mais machista, mais xenofóbico, mais grunho. Ser reaça passou a estar na moda. Mais tarde volta, é tipo pêndulo. E não faço a mais pequena ideia da razão disto. Desconfio que ninguém sabe. Se eu soubesse, ganhava muito dinheiro.

Os analistas políticos fazem sempre análises brilhantes, mas só servem, com sorte, para a semana que vem. Muitas vezes, nem isso. São pura propaganda. As análises mais brilhantes são, evidentemente, sobre coisas que já aconteceram. Capacidade de previsão, zero.

Assembleia

Inconsciente coletivo?

Será uma manifestação política do tal inconsciente coletivo de Jung?

É possível que haja think tanks muito especializados e muito discretos que fazem este tipo de análises, a partir de coisas aparentemente de todo desconexas, com os índices de vendas de certos produtos de consumo, o uso de calmantes ou a popularidade de certas séries do Netflix. Atingido um dado nível de conservadorismo, podem bem avisar os atores relevantes: Hop! Está na hora de fazer cair o governo! A maré está favorável.

Aquando da vitória do Bolsonaro no Brasil, houve analistas que notaram que se devia precisamente ao sucesso das políticas do Lula e da Dilma. Camadas da população deixaram de se sentir na pobreza e começaram a achar-se classe média e menos solidárias com os pobres. É muito provável que isto seja verdade e se aplique em Portugal. Sendo assim, constitui um limite automático às políticas progressistas. O próprio sucesso das políticas progressivas levaria então à eleição de governos que tentam pô-las em causa.

Eu tenho tendência a dar menos importância a movimentações nas TVs e quejandos. Acredito mais em movimentos profundos, telúricos.

Se o público não estivesse a jeito, a barragem de comentadores de direita e o viés informativo não teriam sucesso. No fim de contas, grandes movimentações sociais se deram contra bloqueios informativos muito mais cerrados. O público ouve o que quer ouvir.

Eu vejo com espanto gente que se declara a favor dos direitos reprodutivos, contra a homofobia, e a favor do feminismo, mas se entusiasma com o politicamente incorreto e com o anti-woke. Que falta de consciência! Ou ver VIPs gays do audiovisual a apoiar a AD. É moda ser contra o politicamente correto, ser anti-woke, enfim, é moda ser reaça.

Participação política e camadas jovens

Há uma questão de fundo, que é relevante para o perigo que correm todas as democracias ocidentais e também é relevante para a análise da ditadura russa. Foi notado pelo filósofo político do YouTube Vlad Vexler, entre outros: é o apoliticismo, mas esse é um fator dominante há muito. Tem havido indicações de uma inversão nessa tendência, com os millenials e os gen-Z a interessarem-se pela política. Mas têm que sentir-se ameaçados primeiro.

A politização dos mais novos tem-se feito sentir muito nos EUA e tem criado muitas surpresas eleitorais, com vitórias inesperadas dos democratas. Mas isso passa-se como resposta às ameaças dos radicais religiosos fascistas de Trump, que confrontam diretamente as aspirações das camadas jovens, especialmente nos domínios da precaridade e das liberdades reprodutivas.

Os analistas políticos nos EUA contavam que os millenials e os gen-Z virassem à direita à medida que iam envelhecendo e se tornassem mais conservadores. É uma tendência muito confiável – até agora. Mas descobriram que os millenials (os gen-Z ainda não tiveram tempo) se esqueceram de virar à direita, precisamente porque o sistema não lhes tem dado oportunidades económicas.

Provavelmente por isso, os dirigentes da AD em Portugal tiveram o cuidado de esconder esse tipo de políticas do eleitorado, sabendo que são contraproducentes (em especial o acréscimo da precariedade, dificultar o acesso à educação e à saúde e a reversão das liberdades reprodutivas e sexuais). Mas, uma vez obtidos os votos, essas políticas certamente voltarão à baila, porque são reivindicações fundamentais de partes da coligação eleitoral.

Mas, na verdade, em Portugal as camadas mais jovens ainda não sentiram essas liberdades ameaçadas e (provavelmente) vão manter-se apolíticas por mais algum tempo.

Vamos a ver

Mas, como disse, as sondagens não querem dizer nada. Estão cada vez menos fiáveis. Pode ser que, afinal, o PS vença no domingo. Também pode haver uma avalancha da AD e do Chaga. Ninguém sabe.

Eu, por mim, preferia que se prolongassem estes oito anos de PS, em que pouco aconteceu, para além do país deixar de estar falido, algumas melhorias nos ordenados e leis humanistas que favorecem a igualdade ‒ e crises ameaçadoras como os incêndios florestais (eu lembro-me) e a pandemia terem sido resolvidas a contento, sem nos deitarem abaixo. Estão a ver? Não aconteceu nada de especial. Mas, na minha opinião, deixaram de acontecer coisas muito más.

Preferia que se mantivesse este governo banal, ronceiro, capaz de oferecer um bocadinho de progresso económico e algumas medidas humanistas, sem exagero, claro. Nada de especial, ninguém espera (nem deseja) nenhuma revolução. Mas brigadas de demolição reacionárias não, obrigado.

Vou cruzar os dedos.

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