Manual do Amigo II

Kate Donavan costumava blogar hospedada no blogue de Ashley Miller nos Freethought Blogs, mas recentemente ganhou a sua própria tribuna nesse portal, Gruntled and Hinged. A sua escrita incide principalmente sobre questões de doença mental, dos direitos e problemas das pessoas afligidas com elas e problemas éticos relacionados com estas questões. Sabe do que fala, sendo ela própria uma resistente de um caso grave de anorexia, em recuperação. Este Manual do Amigo que resolvi traduzir parece-me bastante útil a quem quer que seja que queira ajudar alguém com problemas mentais. Até com pequenas diferenças, serve também para quem quer ajudar alguém simplesmente doente.

Tal como no original dela, o Manual fica dividido em quatro posts:

Manual do Amigo I

Manual do Amigo III

Manual do Amigo IV

(Os links do texto são os mesmos do original e referem-se a artigos em inglês)

Manual do Amigo II

A Parte II do Manual do Amigo é toda sobre como ser um melhor apoio do teu amigo(s/as) com doença mental. Não trata do Que Não Fazer – trata do Que Fazer!


6. Marca limites

Não tens que estar disponível para mim a todas as horas. Como eu talvez tenha mencionado, tu não és o meu psicólogo. Pode
ser que eu esteja muito baralhada e incapaz de apanhar as dicas que me estás a dar sobre o trabalho de casa que precisas de fazer.
Portanto, em vez de te sentires como um capacho, toma conta de ti:

Fogo, parece que precisas mesmo de alguém que te oiça. Neste momento não estou disponível, que tal o Amigo X / psicólogo / centro? Ficas bem esta noite se eu te ligar (diz uma hora específica) amanhã de manhã? Não estou no sítio certo para te ajudar agora, mas quero que te sintas melhor. Quando é que pode ser?”

7. Sê mesmo específico

Então não podes aparecer esta noite? Fixe, porque, sabes, tu não tens que estar disponível todo o tempo (ver o nº 6). Tens é que ser extra-super-específico a explicar porquê.

Desculpa, não posso ficar a falar agora – prometi à Zé que lhe fazia um bolo no forno para as cinco e, já que ela me está a ajudar a escrever o meu CV, é importante que eu não a deixe pendurada.

Eu sei que tínhamos combinado encontrar-nos para um café, mas dei-me
conta que tenho um prazo para o Projecto Objecto ao meio dia de amanhã, o que quer dizer que tenho que mandar uma data de emails e esperar por respostas. Prefiro não me distrair e sair cedo. Que tal arranjarmos uma altura melhor em que eu te possa prestar atenção por inteiro?”

Cancelar ou desaparecer sem aviso ou sem aviso claro pode ser realmente stressante, particularmente se és alguém que eu tradicionalmente procuro quando preciso de apoio. Eu sei que a comunicação clara não é exactamente o status quo na nossa sociedade, mas se te deres ao trabalho de mudar de Tive Que Fazer para uma Verdadeira Explicação, isso pode livrar-me de me afligir imenso com a ideia de que tu odeias estar perto de mim.

8. Lê sobre o assunto

(Vê, o Cumberbacht manda-te fazer a tua pesquisa)

Fazer a tua pesquisa não te torna um perito e não te desculpa dos pontos 1 e 2. Mas isto salva-te de culpar a inveja do pénis ou de dizer qualquer coisa boquiabertamente ignorante como “bem, toda a gente tem depressão, não?”. (Dica: Não). Também me sinto bastante mais confortável com amigos que fazem perguntas pessoais na forma de: “Ouvi dizer a maioria das pessoas experimentam X quando têm a tua desordem. Tu tens isso alguma vez?” O que isso me diz é: “Andei por aí a cuscar porque quero compreender, mas não sou tu, por isso estou a perguntar pela tua experiência subjectiva”. Isto, caros leitores, é verdadeira amizade.

9. Tu não tens que perceber

Honestamente, esta directiva (no link) cobre mais do que a doença mental, mas aplica-se muito muito bem. O link tem uma explicação muito longa (e que vale a pena ler) mas aqui vai a versão curta.

Digamos que eu tenho qualquer coisa que tu achas completamente irracional. Um medo paralisante de unhas dos pés pintadas de púrpura, por exemplo. Não interessa se tu pensas que é o terror mais ridiculamente idiota à face deste planeta. Eu sinto-o. Trata-o seriamente e eu sinto-me melhor – faz disso uma anedota ou trata-o como uma mania (já falo mais disso) e eu sinto-me pior.

Compreender está sobrevalorizado e decidir que tens que mesmo que “perceber” leva a a montes de conversas intrusivas e a explicar o mesmo uma vez e outra e outra. Tens que aceitar que, a não ser que tenhas a mesma desordem com exactamente os mesmos sintomas e os mesmos pânicos, não vais compreender. O melhor que podes fazer é aceitar. Aceitar não é uma acção de segunda classe em relação a compreender. É café e abraços nos dias bons, a voz no outro lado do telefone nos maus. Quando eu sei que tu aceitas o que te digo, digo-te mais. Quando tentas compreender, sinto-me como um insecto debaixo do microscópio.

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