A crise do coronavírus pode terminar de uma destas quatro maneiras

Tradução de um artigo em The Guardian, 8 de abril de 2020

Cooperação global, quarentenas intermitentes e rastreio de contactos podem desempenhar um papel na corrida para parar a pandemia

Por Devi Sridhar — catedrático de Saúde Pública Global da Universidade de Edimburgo

Num universo alternativo, um novo vírus emerge na China. O país identifica rapidamente o agente patogénico, fecha suas fronteiras, lança uma campanha sem precedentes para erradicar o vírus e consegue garantir que pouquíssimos casos deixem o país. Os outros países que relatam casos — como a Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura — identificam rapidamente aqueles que estão infetados, rastreiam as pessoas com quem entraram em contato, isolam os portadores do vírus e contêm a sua propagação. Através desta estratégia tripla — teste, rastreio, isolamento — a erradicação é bem-sucedida. A humanidade é salva.

Na realidade, o Sars-CoV-2, o novo coronavírus, escapou das intervenções de saúde pública do governo chinês e espalhou-se pelo mundo. Enquanto outros governos se atrapalhavam mas suas respostas iniciais, o vírus espalhou-se silenciosament pelas comunidades, infetando muitas pessoas, hospitalizando e matando algumas. O vírus é notavelmente perigoso — espalha-se tão facilmente como uma constipação ou gripe, mesmo através de indivíduos que não apresentam sintomas visíveis, e os dados mais recentes mostram que aproximadamente 5% das pessoas infetadas precisarão de hospitalização. Entre elas, 30% serão admitidos nos cuidados intensivos. Estima-se que 0,6-1,4% dos que contraem o vírus morrerão.

A Nova Zelândia fechou as fronteiras, aplicou a quarentena e está a realizar testes na comunidade. [Fotografia: David Mariuz / EP]

O mundo agora tem mais de um milhão de casos confirmados de coronavírus. Os Estados Unidos, que têm mais de 400 mil casos e se aproximam das 13 mil mortes, ultrapassaram a China, onde houve cerca de 82 mil casos e três mil mortes. Metade de todos os casos confirmados estão agora na Europa. Os países de baixa e média riqueza estão só algumas semanas atrasados. Enquanto nações como o Senegal, a Libéria e a Nigéria se mostraram agressivamente prontas para enfrentar este desafio, os seus governos estão limitados pela falta de recursos, assistência médica e capacidade de teste. Outros, como Brasil, Índia e México, parecem estar em estado de negação do que está para vir.

Ainda não sabemos qual a percentagem da população do mundo que já foi exposta ao vírus. Sem um teste de anticorpos confiável que possa identificar se alguém já teve o vírus e é provável que esteja imune, não está claro quantas pessoas são portadoras do vírus, mas não apresentam sintomas. O papel das crianças na transmissão também não é claro; as crianças não são imunes nem parecem ser fortemente afetadas.

E agora? Com base no que aprendi com os modelos publicada e as respostas de outros países ao vírus, há quatro cenários possíveis para como isso pode acabar. Uma é que os governos se reúnam para acordar um plano de erradicação dependente de um diagnóstico rápido e barato no ponto de cuidado de saúde. Todos os países fechariam as suas fronteiras simultaneamente, por um período de tempo acordado, e montariam uma campanha agressiva para identificar os portadores do vírus e impedir a transmissão.

Essa abordagem parece improvável; o vírus espalhou-se agressivamente e alguns países têm sido reticentes em cooperar entre si. Mas poderia tornar-se mais realista por três razões: as terapias antivirais usadas para prevenir ou tratar os sintomas do Covid-19 podem ser más; uma vacina pode levar décadas a ser produzida; e a imunidade pode ser apenas de curto prazo, resultando em múltiplas ondas de infeção, mesmo dentro dos mesmos indivíduos. A Nova Zelândia está atualmente a tentar uma versão desta abordagem; o país fechou as fronteiras, aplicou uma quarentena e está a implementar testes na comunidade para erradicar o vírus.

Um segundo cenário, que parece moderadamente mais provável, é que os primeiros testes com vacinas sejam promissores. Enquanto aguardavam a vacina, os países tentariam atrasar a propagação do vírus nos próximos 12 a 18 meses, através de bloqueios intermitentes. As autoridades de saúde precisariam de antecipar, com três semanas de antecedência, se haveria camas, ventiladores e pessoal suficientes para tratar os infetados. Com base nisto, os governos podem decidir se relaxam ou aumentam as medidas de quarentena.

Mas este cenário está longe de ser o ideal. Os sistemas de saúde ainda estariam sob tensão e os custos económicos e sociais do bloqueio são altos. Os bloqueios repetidos podem levar ao desemprego em massa, a um aumento da pobreza infantil e a uma agitação social generalizada. Nos países mais pobres, mais pessoas poderiam morrer do confinamento do que do próprio vírus: de desnutrição, doenças evitáveis ​​por vacina ou desidratação devido ao acesso limitado à água limpa.

Um terceiro e ainda mais provável cenário é que os países sigam o exemplo da Coreia do Sul enquanto aguardam a vacina: aumento dos testes para identificar todos os portadores do vírus, rastreio das pessoas com quem entraram em contato e colocá-las em quarentena por até três semanas. Isto envolveria planeamento em larga escala, o rápido desenvolvimento de uma aplicação de rastreio de contatos e milhares de voluntários para ajudar na recolha de amostras, processamento de resultados e monitoramento da quarentena. Poderão ser aplicadas medidas de distanciamento físico mais relaxadas para impedir a propagação do vírus e aliviar a pressão nos sistemas de saúde.

Na ausência de uma vacina viável no futuro próximo, um cenário final pode envolver a gestão do Covid-19, tratando os seus sintomas e não a sua causa. Os profissionais de saúde podem administrar terapias antivirais que impeçam os pacientes de se deteriorarem a ponto de precisarem de cuidados intensivos ou que morram ao atingir uma fase crítica. Uma solução ainda melhor seria usar a terapia profilática para impedir o aparecimento do Covid-19, em combinação com testes rápidos de diagnóstico para identificar aqueles que foram infetados. Nos países com recursos, isso poderia ser sustentável — mas para os países mais pobres esta abordagem seria difícil, se não impossível.

Não há uma solução fácil. Os próximos meses envolverão um equilíbrio frágil entre os interesses da saúde pública, da sociedade e da economia, com os governos mais dependentes uns dos outros do que nunca. Enquanto metade da batalha estará no desenvolvimento das ferramentas para tratar o vírus — uma vacina, terapias antivirais e testes rápidos de diagnóstico — a outra metade estará em fabricar doses suficientes, distribuí-las de forma justa e equitativa e garantir que cheguem a indivíduos por todo o mundo.

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