The Room Where It Happened

John Bolton, antigo conselheiro de Segurança Nacional de Trump, depois de romper com ele, acaba de escrever um livro cheio de revelações sobre a Borbulha Laranja.

John Bolton, um conservador superagressivo em política externa, não é exatamente flor que se cheire. Diz-se dele que nunca encontrou uma proposta de guerra de que não gostasse. Enquanto ocupou o cargo na Casa Branca, pressionou incansavelmente a favor da agressão ao Irão. O ponto de rotura com Trump surgiu quando este reteve verbas de ajuda militar à Ucrânia, a braços com a agressão russa no Donbass, procurando pressionar o país a abrir uma investigação ao filho de Joe Biden. John Bolton insurgiu-se, chamando ao caso "um negócio de tráfico de drogas" e a Ruddy Guiliani, o advogado de Trump que tratava do assunto, "uma granada de mão prestes a explodir". Foi daqui que partiu o processo de destituição de Trump. Bolton recusou-se a ser ouvido como testemunha pelo Congresso.

Meses depois de ter saído do governo, Bolton publicou um livro sobre o tempo que lá passou, e que Trump tentou impedir que fosse publicado, com o título The Room Where it Happened. O título brinca com uma canção do musical Hamilton, que estreou no ano passado.

Dada a posição política e institucional de John Bolton, não pode ser considerado uma testemunha especialmente fidedigna, mas as revelações presentes são espantosas e é de crer que, se mentisse sobre elas, ia ver-se em maus lençóis. Seriam espantosas, na verdade, se dissessem respeito a qualquer outro presidente, mas no caso de Trump, ao pé de outros escândalos de que se rodeia, pouco sobem além do habitual.

Vejamos então uma lista das revelações de Bolton, publicada em Vox:

Cena do musical Hamilton, canção "The Room Where it Happens"

Trump pediu a Xi ajuda com suas perspectivas eleitorais

Segundo Bolton, o presidente Trump mencionou as suas perspectivas de reeleição ao presidente chinês Xi Jinping, durante uma reunião a dois à margem da cúpula do Grupo dos 20, no Japão. Xi mencionou os críticos da China nos EUA e, de acordo com Bolton, Trump pensou que o líder chinês se referia aos democratas. Então Trump, aparentemente, pensou que tinha uma oportunidade.

De acordo com o Washington Post:

"Ele então, surpreendentemente, virou a conversa para as próximas eleições presidenciais dos EUA, aludindo à capacidade económica da China de afetar as campanhas eleitorais em curso, implorando a Xi que garantisse a sua vitória", escreve Bolton. “Ele sublinhou a importância dos agricultores e do incremento das compras chinesas de soja e trigo no resultado eleitoral. Eu imprimiria as palavras exatas de Trump, mas o processo de revisão de pré-publicação do governo decidiu o contrário.”

Livro de John Bolton

É claro que Trump já tinha pedido publicamente à China que investigasse os seus rivais políticos quando ele próprio já estava a ser investigado por pressionar para que a Ucrânia fizesse o mesmo, por isso não é tão mau como a outra coisa que supostamente aconteceu nesta reunião.

Trump disse a Xi para ir em frente com o internamento de muçulmanos na China

Segundo o Washington Post, Bolton escreve que, na mesma reunião entre Trump e Xi no G20, o líder chinês defendeu a detenção de um milhão de uigures em campos de concentração.

"Segundo o nosso intérprete", escreveu Bolton, "Trump disse que Xi deveria continuar a construir os campos, o que Trump achava que era exatamente a coisa correta a fazer". A reunião contou com a presença apenas dos dois líderes e dos seus intérpretes; portanto, Bolton relata o que o intérprete lhe disse após a reunião.

Os uigures, uma população muçulmana na província chinesa de Xinjiang, foram forçados a entrar nos chamados "campos de reeducação", caracterizados por relatos de tortura e doutrinação política forçada. Um funcionário do Pentágono descreveu-os como "campos de concentração".

Pequim impôs políticas repressivas aos uigures e têm sido rigorosamente vigiados. Trata-se de uma clara violação dos direitos humanos e de limpeza étnica, que até Trump condenou publicamente.

O livro de Bolton diz que Trump se opôs a impor sanções à China por causa de negociações comerciais, de acordo com o Wall Street Journal. Na quarta-feira, no mesmo dia em que o livro de Bolton foi lançado, Trump assinou a Lei de Política de Direitos Humanos dos Uigures de 2020, de acordo com a Casa Branca.

Trump aprende sobre armas nucleares ...

John Bolton

Segundo Bolton, Trump, aparentemente, ficou surpreso que o Reino Unido — um dos aliados mais próximos dos EUA — tivesse armas nucleares, durante uma reunião com a então primeira-ministra britânica Theresa May, em 2018. "Oh, vocês são uma potência nuclear?" disse Trump, de acordo com Bolton.

O Reino Unido foi o terceiro país a adquirir a bomba nuclear, depois dos EUA e da União Soviética. Realizou o seu primeiro teste bem-sucedido de uma bomba atómica em 1952.

Há bastante tempo, portanto.

... e sobre geografia

Bolton escreve que Trump certa vez perguntou ao então chefe do Estado-Maior, general John Kelly, se a Finlândia fazia parte da Rússia.

Talvez isto seja mais perdoável se se considerar que Bolton também afirma que, numa reunião da Casa Branca em agosto de 2018, Trump “afirmou que a Venezuela era 'realmente parte dos Estados Unidos' e requereu opções militares para invadir o país sul-americano e mantê-lo sob controlo dos EUA.”, escreve o Wall Street Journal.

Aparentemente, Trump também disse que invadir a Venezuela seria "legal", de acordo com o relato do Washington Post sobre o livro de Bolton.

Trump queria retirar-se da OTAN, com uma cena dramática própria para a TV

Bolton afirma que, durante uma cúpula da OTAN em 2018, Trump decidiu que estava farto da aliança histórica e queria sair:

"Vamos sair, e não vamos defender os que não pagaram", dizia uma mensagem que Trump ditou a Bolton.

Bolton tentou impedir Trump de concretizar a ameaça e ficou ainda mais alarmado quando Trump lhe disse: "Você não quer fazer uma coisa histórica?"

Trump teve alguns problemas com a Constituição

Bolton afirma no livro que Trump disse ao chinês Xi que os americanos queriam que ele se livrasse do limite de dois mandatos imposto aos presidentes pela Constituição dos EUA.

Bolton também afirma que Trump, aparentemente furioso com fugas de informação vindas de dentro do seu governo, clamou em 2019 que os jornalistas deveriam ser presos. Bolton diz que Trump disse: “Essa gente devem ser executada. Eles são uns bandidos."

Intrometendo-se na Ucrânia, sim, mas em muitas outras coisas

O livro de Bolton, de acordo com excertos publicados, também confirmou que o ex-conselheiro de Segurança Nacional viu que a ajuda militar à Ucrânia estava ligada às investigações envolvendo Hunter Biden (filho do ex-vice-presidente Joe Biden) e Hillary Clinton. Diz o Times:

Em 20 de agosto, escreve Bolton, Trump "disse que não era a favor de lhes enviar nada até que todo o material de investigação da Rússia relacionado com Clinton e Biden fosse entregue". Bolton escreve que ele, Pompeo e o secretário de Defesa Mark T. Esper tentaram oito a dez vezes conseguir que Trump libertasse a ajuda.

Bolton também afirmou que Trump achava bem intrometer-se na aplicação da lei nos EUA, se isso significasse ajudar o seu amigo, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan. De acordo com o Washington Post:

"Trump então disse a Erdogan que trataria do assunto, explicando que os promotores do Distrito Sul não eram a sua gente, mas sim o gente de Obama, um problema que seria resolvido quando fossem substituídos pela sua gente", escreve Bolton.

Bolton diz que alertou o procurador-geral Bill Barr sobre o comportamento de Trump, numa reunião onde Barr expressou preocupações sobre a "aparência" desse comportamento, de acordo com o Post.

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