Paroxismo histérico

Estreou nos EUA (não sei quando será visto cá) o filme Hysteria, uma comédia romântica passada na Inglaterra vitoriana, sobre a invenção do... vibrador!



Greta Christina gostou do filme mas não ficou demasiado entusiasmada.

O que é curioso é que a história, para além de além das liberdades narrativas tomadas pelo filme, é incrível e verdadeira.


No fim do século XIX, a ignorância sobre assuntos sexuais tinha atingido níveis notáveis, em particular entre a gente culta. A canalha, de acordo com várias indicações, continuava a ser lasciva na medida do possível, Os bons homens burgueses eram também lascivos à sua maneira: mesmo visitando pouco e da forma mais desinteressante possível suas esposas, o mínimo necessário para assegurar a prole, exprimiam a sua luxúria recorrendo ao sexo pago. Nas grandes cidades industriais vivia um número inacreditável de prostitutas. As esposas, porém, ficavam com a parte pior do negócio, e queixavam-se.

Não se queixavam abertamente, entenda-se. A sua educação esmerada nunca lho permitiria. Os seus queixumes exprimiam-se de forma indireta: crises de nervos, lágrimas a propósito de tudo e nada, mudanças repentinas de humor, grandes acessos de raiva...

A ciência da altura não sabia reconhecer os sintomas da falta de sexo ou sofria de um bloqueio cultural que impedia a cognição desse conceito. Os psicólogos criaram então outro conceito curioso, o de histeria. Uma coisa de que sofriam as mulheres, talvez por serem tão femininas e frágeis.

Cedo descobriram também os médicos que a histeria se aliviava com uma massagem enérgica na zona púbica da mulher, até que se desse uma crise a que chamaram paroxismo histérico. Depois dessa crise, a mulher ficava mais calma e a histeria ficava aliviada por uns tempos.

Juro que não estou a inventar isto!

Assim se criou um negócio para uma série de médicos que tratavam as mulheres histéricas com enérgicas massagens púbicas, de forma a oferecer-lhes o tal paroxismo histérico.

Nada na literatura da época permite inferir que os médicos estivessem conscientes de que as suas massagens tinham um caráter sexual. Pelo contrário, achavam-nas uma maçada! Apesar de serem atividades lucrativas, os coitados ficavam com os braços cansados.

Mais cansados ainda, possivelmente, porque o jeito não devia ser muito, o que só lhes deixava o recurso à força bruta e à persistência. Pobres pacientes. Que alívio teriam com um pouco de lábios e língua ou mesmo até... mas adiante!

Foi então que um inventor veio em socorro dos médicos exaustos com uma sua maquineta: o vibrador! Além de não cansar, permitia atender mais pacientes, logo ganhar mais dinheiro!

De início o vibrador era uma máquina cara, gigantesca e medonha, uma grande mesa metálica, mas cedo adquiriu o aspeto de uma pequena máquina-ferramenta.

É uma história à volta deste tipo de invenção que narra o filme Hysteria

O vibrador teve grande sucesso no fim do século XIX e princípio do século XX. Dado que não era encarado como um aparelho sexual, era livremente vendido como um instrumento calmante e providenciador de toda a espécie de benefícios de saúde. O famoso catálogo norte-americano de encomenda postal Sears & Roebruck tinha sempre vários em oferta.

Mas Freud e outros, ao investigar a sexualidade humana, no início do século XX, tornaram finalmente esta inocência impossível. O vibrador desapareceu dos catálogos ao domicílio e virtualmente do mercado.

Só nos anos 70 é que o vibrador reapareceu, pela mão de uma feminista, Betty Dodson. Os vibradores eram então usados no couro cabeludo dos homens, para combater a calvície (juro, descobri agora mesmo ao ler o site de Betty Dodson). Betty experimentou no seu clítoris um vibrador que pertencia ao amante e ficou maravilhada. Desde então dedicou-se a promover o instrumento em reuniões de feministas, junto com livros seus sobre a masturbação feminina. Curiosamente, um preconceito importante nessa altura era a relutância em ter sexo com uma máquina.

O marco seguinte na história do vibrador foi possivelmente, em 1999, o episódio de Sexo na Cidade em que o Coelho (uma espécie de Mercedes entre estes aparelhos) foi guest star:





O resultado foi um enorme ganho de popularidade entre camadas anteriormente não atingidas pelo hábito ou pelo gadget. A qual tem crescido de tal modo que os aparelhos deixaram de ser discutidos em sussuros e à sucapa e passam para a posição de um eletrodoméstico como outro qualquer. Num blog que li outro dia uma mulher casada e mãe de uma garota pequena discutia sem problemas o caso da miúda ter encontrado o seu vibrador e ter perguntado o que era.

O comércio, nos EUA, também está a alargar-se para além das sex shops e das entregas discretas por correio. Segundo o USA Today, grandes cadeias como Walgreens, Kroger, Safeway, Target e Walmart (o Continente de lá) já têm alas com estes brinquedos.

Ah, já me esquecia, outra ideia que tem desaparecido é a de que os vibradores são só para mulheres...

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