O verdadeiro Jesus que se levante, por favor...

Não tenho quaisquer problemas com o facto de Jesus ter tido existência histórica ou não. Os meus problemas com Jesus foram resolvidos aos 15-16 anos, quando me tornei ateu. O chamado Jesus da fé, o filho de uma virgem e de Deus que fez milagres, foi crucificado e ressuscitou – não é de todo real. É uma fantasia religiosa.
As únicas hipóteses viáveis, face à inexistência de vestígios históricos, são 1) Jesus ter sido um curandeiro ou profeta quase completamente desconhecido sobre o qual se construiu todo este fantástico edifício mítico que é o cristianismo; ou então 2) trata-se de um personagem divino tão imaginário como outro deus qualquer, ao qual se inventou, a dado momento, uma vinda à terra salvadora.

Mas o puzzle de investigação histórica sobre Jesus é um caso que há anos me interessa muito. Investigadores históricos têm vindo a morder nas sacrossantas escrituras (não confundir com os adeptos de teorias loucas, que também os há), uma dentadinha de cada vez, desde há séculos. Isso é verdade para o Novo Testamento, mas também para a Bíblia judaica. Hoje sabe-se que Abraão e Moisés eram personagens lendários, que o famoso Êxodo do Egito nunca aconteceu e mesmo o esplendor de Salomão está sob grave ameaça do ceticismo, pois caso tenha existido foi certamente um obscuro reino tribal1. A história de Maomé e da escrita do Corão começou muito mais tarde a ser investigada, mas não perde pela demora. Recentemente, foi descoberto um exemplar do Corão que o carbono 14 diz ser anterior a Maomé… Estranho.

David Fitzgerald é formado em História e um dos grandes divulgadores da teoria de Jesus mito, meu amigo no Facebook há anos, e sigo a sua atividade com muito interesse. Traduzi este artigo, publicado no blogue "What Would JT Do", de JT Eberhard, porque é um resumo muito bom do estado da teoria do Jesus Mito neste momento.


O verdadeiro Jesus que se levante, por favor...

David Fizgerald
David Fitzgerald
Autor: David Fitzgerald2. (convidado)

O Cristianismo teve um bom e longo curso. Mas estamos muito além do ponto em que é razoável ser agnóstico sobre o chamado “Jesus da Fé”. É ridículo fingir que a falta de comprovação histórica dos espetaculares eventos evangélicos, mais as próprias contradições fundamentais do Novo Testamento, não são um problema fatal para Jesus, o divino Filho de Deus.

Por exemplo:

  • Se Jesus foi mesmo considerado culpado de blasfémia pelo Sinédrio, porque não foi simplesmente apedrejado até à morte, como a lei judaica exigia (Mishnah Sanhedrin 6:4 h & i)? Porque é que o relato do julgamento original de Jesus está tão cheio de outros detalhes a-históricos e erros flagrantes que nunca poderiam de todo acontecer como são narrados? Como pode cada Evangelho continuar a sobrecarregar a história original com sucessivas camadas adicionais de detalhes mutuamente incompatíveis?
  • Por que é que Séneca, o Jovem, regista toda a espécie de fenómenos naturais incomuns nos sete livros de sua Quaestiones Naturales, incluindo eclipses e terramotos, mas não menciona a Estrela de Belém, nem o par de tremores de terra na Judeia, suficientemente fortes para partir penedos, nem a escuridão sobrenatural que cobria "toda a terra" durante horas – um evento que ele teria testemunhado em primeira mão?
  • Por que é que os Evangelhos não conseguem pôr-se de acordo em tantos aspetos fundamentais da vida e ministério de Jesus, tais como o seu relacionamento com João Batista – e por que era o culto de João Batista um rival do cristianismo, pelo menos até o início do segundo século?
  • Quem eram os discípulos de Jesus, e porque se desentendem os Evangelhos sobre quem eram? Porque é que os discípulos desaparecem tão rapidamente depois dos Evangelhos, para só reaparecerem séculos mais tarde, quando as igrejas começam a rivalizar na promoção de lendas que os mostram muito ocupados a fundar comunidades cristãs? Se alguns foram martirizados pela sua fé, como os cristãos frequentemente insistem, porque não temos detalhes de qualquer das mortes dos discípulos no Novo Testamento?
  • Origen
    Origen Adamantius (184-253)
    gravura de 1584
    Quando o seu cético oponente romano Celsus pede a Origen, um dos primeiros "pais da igreja", que indique os milagres realizados por Jesus, porque é que Origen apenas responde fracamente que a vida de Jesus foi mesmo cheia de impressionantes e milagrosos eventos "mas que outra fonte podemos usar senão as narrativas do Evangelho?" ("Contra Celsum", 2,33)
  • Porque é que os Evangelhos não conseguem concordar sobre aspetos fundamentais da vida e ministério de Jesus? Por exemplo, se nasceu durante o reinado do rei Herodes, o Grande, ou mais de uma década depois, durante o mandato do governador romano Quirino? Ou porque foi preso? Ou em que dia morreu? Ou se reapareceu ressuscitado por apenas um dia, ou cerca de uma semana, ou durante quarenta dias? Ou onde e quando apareceu ressuscitado, e a quem?
  • Porque é que existem tantos anacronismos, erros básicos e mal-entendidos sobre o judaísmo do primeiro século na Judeia? Porque é que os Evangelhos foram todos escritos em grego, não em aramaico? Porque é que os cristãos insistem que se trata de testemunhos oculares quando não têm nenhuma pretensão de o ser, ou mesmo de ser lidos como se fossem, ou se todos contêm indicações de que foram escritos gerações depois?
  • Porque é que Paulo de Tarso – e todos os outros escritores cristãos da primeira geração do cristianismo – mantêm silêncio sobre quaisquer detalhes da vida de Jesus? Porque é que eles exibem tanta ignorância sobre os ensinamentos e milagres de Jesus?
  • Apesar de se vangloriarem frequentemente no Novo Testamento de que o cristianismo se espalhava como fogo, atraindo novos convertidos aos milhares a cada novo milagre ou sermão inspirado, porque é que o cristianismo continua a ser um culto obscuro de igrejas locais nas franjas da sociedade romana por mais de três séculos?
  • Porque é que não há uma única referência histórica a Jesus em todo o século primeiro, descontando um par de trechos obviamente interpolados nos trabalhos de Flávio Josefo?

Poderíamos colocar questões espinhosas como estas todo o dia sem nunca se acabarem. É embaraçoso ter que dignificar qualquer um dos óbvios elementos mitológicos dos Evangelhos, e ainda assim a maior parte de 2,1 mil milhões de pessoas parecem não saber quão ridículos são. Não temos sequer de resolver se os milagres podem ocorrer ou não, ou salientar que histórias, ilusões e mentiras são comuns, enquanto os milagres verificadas são poucos ou nenhum – só temos que perguntar: se aconteceram, porque ninguém os observou? Os cristãos são perfeitamente livres de investir a sua fé no Messias que quiserem, mas vai ser preciso mais do que fé cega e audição seletiva para nos convencer que o seu Cristo é mais que um Jesus criado por eles próprios. Mas então, e o verdadeiro Jesus?

Os apologistas adoram papaguear a velha mentira de que "não há historiadores sérios a rejeitar a historicidade de Cristo", mas não conseguem perceber (ou deliberadamente se esquecem de mencionar) que o "Jesus histórico" que a maioria dos historiadores aceita não passa, na melhor das hipóteses, de apenas mais um pregador errante do século primeiro e fundador de uma seita marginal que eventualmente se tornou o cristianismo – por outras palavras, um Jesus que invalida completamente o deles.

Para o activista ateu comum, tudo isto deve ser mais do que suficiente para resolver a questão. Mas na verdade o caso não é assim tão simples e claro. Que se passa com esse "Jesus histórico" no cerne de toda esta acreção lendária? Podemos chegar a saber o que o verdadeiro Jesus de Nazaré realmente disse e fez?

Pregado &ndash dez mitos cristãos que mostram que Jesus não existiu  de todo
Mais de uma década atrás, depois de ler o cómico e brilhante "Ken’s Guide to the Bible" de Ken Smith, fiquei curioso sobre as respostas a perguntas destas. Encurtando (muito) uma história (muito) longa: comecei a pesquisar a evidência histórica de Jesus, um processo de puxar um fio que, para mim, acabou por desfiar toda a camisola. O resultado é o meu livro "Nailed: Ten Christian Myths That Show Jesus Never Existed at All". E quero mesmo afirmar: Estou convencido de que não poderia existir sequer um homem comum por trás do nosso familiar Jesus de Nazaré. Realmente não.

Jesus histórico ou mito

Não existe um Jesus ateu? Podíamos pensar que sim, pela forma veemente como alguns dos meus colegas heréticos o defendem. Há muito que me habituei às acusações habituais: isto são coisas antigas, já desacreditadas por todos os estudiosos respeitáveis. Os críticos caridosos chamam-lhe tão-só uma opinião minoritária; os menos caridosos dizem que não passa de revisionismo histórico sem sentido, pseudoerudição marginal, coisa de lunáticos, o equivalente ateu do criacionismo, etc. Robert Price, como de costume, respondeu da melhor forma a esta gente: "A teoria do Jesus Mito foi desacreditada? Quando é que isso aconteceu? Na verdade, os argumentos do campo miticista nunca foram rebatidos – têm sido ignorados, declarados errados ou irrelevantes; na verdade têm sido só, numa palavra, 'pigarreados'".

Tem graça que comparar a teoria do Jesus Mito com o Criacionismo é ver as coisas de trás para a frente. Veja-se que a Teoria da Evolução começou a desenvolver-se quando a educação superior estava inteiramente submetida à Cristandade. Ao contrário da crença popular, não começou com Darwin, apenas foi a sua contribuição que caiu como uma bomba e representou o evento de extinção massiva, mas as fendas na história oficial do criacionismo vinham-se a acumular muito antes dele. Descobertas em Biologia, Zoologia e outros campos científicos criaram uma pressão crescente sobre os "factos" bíblicos há muito aceites e acarinhados do Dilúvio de Noé, do Jardim do Éden, do Firmamento e quejandos, até que as evidências contrárias atingiram uma tal massa crítica que por fim – por muito que desagradasse ao clero e ao seu rebanho – nenhum académico dotado de honestidade intelectual o podia negar. Então começou a mudança de paradigma.

Não que eu esteja a comparar a teoria do Jesus Mito com um conceito avassalador como a seleção natural, mas considere-se de novo, por um momento, os paralelos. A maioria dos historiadores são historiadores não bíblicos; por isso, quando a questão da historicidade de Jesus surge, é natural que se voltem para a opinião da maioria dos estudiosos da Bíblia. Mas quem é a maioria dos estudiosos bíblicos? A história bíblica sempre foi uma empresa apologética ao serviço do cristianismo; ainda hoje continua a ser talvez o único campo da ciência ainda abertamente dominado por crentes. Então, para começar, quantos deles estão abertos a entreter a ideia de que o senhor e salvador de que dependem para a sua salvação pode nunca ter existido?

É então claro que a opinião da minoria é esta – e provavelmente sempre será, desde que os estudos bíblicos continuem. Como o teólogo Wilhelm Wrede advertiu no século XIX, os factos são, por vezes, os críticos mais radicais. Cada avanço na história da ciência bíblica começou como uma heresia. Na verdade, chegámos ao ponto em que, agora, os historiadores bíblicos seculares são os únicos que realmente descobrem novos avanços neste campo – a maioria está muito ocupada a defender as suas doutrinas e dogmas de novos conhecimentos perigosos.

E mesmo entre os estudiosos bíblicos seculares, é difícil encontrar alguém que não provenha de um fundo religioso. O rabino Jon D. Levensen, um dos estudiosos bíblicos judeus atuais mais proeminentes, nota: "É raro o estudioso neste campo cujo passado não inclua um comprometimento intenso cristão ou judaico" ("The Hebrew Bible: The Old Testament, and Historical Criticism: Jews and Christians in Biblical Studies", Westminster John Knox Press, 1993, p. 30) Além do mais, o erudito religioso Timothy Fitzgerald (nenhuma relação) aponta em "The Ideology of Religious Studies" (Oxford University Press, 2000, p. 6-7) que as suposições teológicas são uma dificuldade generalizada neste campo, não apenas entre crentes praticantes, mas para os ex-religiosos também: "Mesmo no trabalho de estudiosos explicitamente não teológicos, pressupostos teológicos meio disfarçados distorcem de forma persistente o sentido analítico".

Mas pondo de lado o problema da parcialidade, o velho paradigma de estudos de Jesus tem, em si próprio, mostrado fendas preocupantes. Aliás, no seu devastador "The End of Biblical Studies" (Prometheus, 2007), Hector Avalos demonstrou de forma convincente que as brechas são abundantes em todo o campo. Primeiro que tudo, a própria referência ao "Jesus histórico", como se alguma vez houvesse tal coisa claramente definida. Também não é correto pensar que há apenas um.

Quem dizem os homens que eu sou?

Albert Schweitzer, no seu "From Reimarus to Wrede: A History of Research on the Life of Jesus" (1906), já estava a descobrir que todos os especialistas que afirmam ter descoberto o "verdadeiro" Jesus pareciam ter encontrado, em vez disso, um espelho; cada pesquisador achava que Jesus era um espaço reservado para quaisquer valores que ele próprio mais prezava. Mais de um século depois, a situação não melhorou – muito pelo contrário. Dizer que ainda não há um consenso sobre quem era Jesus é um eufemismo. Uma pesquisa rápida (Price apresenta excelentes exemplos no seu "Deconstructing Jesus", Prometheus, 2000, pp 12-17.) mostra que temos uma grande abundância de Jesuses:

Filósofo cínico3. A – Os muitos empréstimos de filosofia grega nos ensinamentos de Jesus fariam sentido se tivesse sido na verdade um cínico errante, um filósofo estoico, ou o seu equivalente na Galileia. Burton L. Mack, John Dominic Crossan, Gerald Downing e outros têm defendido fortemente este ponto de vista, citando a abundância de declarações cínicas com os seus equivalentes nos Evangelhos.

Liberal fariseu – Um pouco como o seu antecessor, o famoso rabino Hilel, o Ancião. No livro "Jesus the Pharisee: A New Look at the Jewishness of Jesus", o historiador Harvey Falk argumenta que praticamente todos os julgamentos de Jesus na Halachá, a lei judaica, encontram paralelo no pensamento farisaico do tempo, assim como no pensamento rabínico posterior.

Hasídico carismático – Da mesma forma, a autoridade nos Manuscritos do Mar Morto e especialista no judaísmo da era do Novo Testamento Géza Vermès, autor de "Jesus the Jew: a Historian’s View of the Gospels", vê Jesus como um dos homens santos galileus errantes e populares, figuras pouco ortodoxas como Hanina Ben-Dosa ou Honi Desenhador de Círculos. Assim como Jesus, eles tinham pouco respeito pelas subtilezas da lei judaica, o que, certamente, irritava o establishment religioso.

Rabino conservador – Por outro lado, Jesus defende a Torá, insistindo "nem um iota ou til da Lei passarão" (Mateus 5: 17-19). Ele usa um xale de oração orlado com tzitzit (Mateus 9: 20-22), observa o sábado e adora em sinagogas, bem como no Templo.

Iconoclasta contestatário – Mas, por outro lado, Jesus muda de posição e desmonta a Torá ponto por ponto (Marcos 7: 18-20, Mateus 5: 21-22, 27-28, 31-32, 33-37, 38. -42, 43-44, etc.) e rejeita o Templo (Mateus 12: 6., 23:16, 13: 1-2, Lucas 21: 5-6).

Mágico / exorcista / curandeiro pela fé – Morton Smith, descobridor (ou, mais provavelmente, falsificador – mas isso é outra história) do Evangelho Secreto de Marcos usa o argumento de que Jesus Cristo era realmente Jesus o Mágico no livro do mesmo nome. Como os operadores de milagres pagãos, Jesus expulsou demónios e curou cegos, surdos e mudos com lama e cuspo, usando as mesmas rezas, encantamentos e técnicas que se ensinavam em muitos manuais populares gregos de magia da época (Marcos 5:41; 7; 33-34).

Zelota violento e revolucionário – Mas talvez Jesus fosse realmente um Messias político a incitar uma revolta contra os romanos, como Teudas ou "o Egípcio", a figura messiânica sem nome que Josefo descreve, ou os dois "ladrões" crucificados com ele (visto que os bandidos rebeldes eram comummente referidos como "ladrões"). Por que outro motivo iriam os romanos crucificá-lo, em vez do Sinédrio judaico apedrejá-lo até à morte por blasfémia? Há evidências que se podem apontar: O Evangelho de Lucas apresenta um discípulo chamado Simão, "o Zelote", e parece sugerir que Jesus tinha outros zelotes na sua comitiva: na Última Ceia, Jesus diz aos seus seguidores para pegarem nos sacos e comprarem uma espada (Lucas 22:36); eles respondem que já têm duas espadas na mão (22:38); quando Jesus está prestes a ser preso perguntam se devem atacar (22:49). Em Marcos 14:47, um dos discípulos ataca mesmo e corta a orelha de um dos homens do sumo sacerdote (a história cresce em detalhes nos outros Evangelhos: Mateus 26: 51-52, Lucas 22: 50-51, João 18:10). Muitos estudiosos capazes, incluindo Robert Eisler, S.G.F. Brandon, Hugh J. Schonfield, Hyam Maccoby, e Robert Eisenman, pensam que é aqui que se pode encontrar o verdadeiro Jesus, e há muitas variantes académicas a discutir a hipótese de Jesus como Che.

Resistente pacifista não violento – mas, na verdade, Jesus é chamado o Príncipe da Paz por alguma razão; não há nenhum vestígio de tal agitação política quando ele aconselha aos seus seguidores: "Se alguém te ferir na face direita, oferece também a outra" (Mateus 5:39), ou quando convocado por um soldado romano para carregar os seus equipamentos uma milha, "vai com ele duas" (Mateus 5:41).

Profeta apocalíptico – Este é o Jesus que Albert Schweitzer e muitos historiadores posteriores pensaram ser o autêntico: Um pregador feroz e sem medo de que o fim estava próximo e o Reino de Deus vinha aí. Como Paulo de Tarso (e muitos outros apocalípticos judeus do primeiro século), este Jesus não esperava que o mundo lhe sobrevivesse. Bart Ehrman defende de forma bem fundamentada essa figura em "Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium".

Proto-comunista do século I – Jesus foi o primeiro marxista? Milan Machovec e outros esquerdistas têm pensado assim. Temos que admitir que Jesus não tem nada de bom a dizer sobre os porcos capitalistas da sua época (Lucas 6:24, 12:15), pregando repetidamente que não podem servir a Deus e ao dinheiro (Mateus 6:24, Lucas 16:13), que devem vender tudo o que possuem e distribuir o dinheiro aos pobres (Mateus 19:21, Marcos 10:21, Lucas 18:22) e a mais famosa, que é mais fácil conseguir passar um camelo pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no céu (Mateus 19: 24, Marcos 10:25, Lucas 18:25) – e não esquecer que expulsa os cambistas do Templo com um azurrague. Os Atos dos Apóstolos não só retratam os primeiros cristãos a partilhar tudo em comum, como ainda enunciam o credo marxista: "De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo a sua necessidade" (Atos 4: 34-35).

Pioneiro do Feminismo – Ou foi o primeiro feminista masculino? Alguns estudiosos, como Elizabeth Schüssler Fiorenza e Kathleen Corley, apontam atitudes incomuns em relação às mulheres, algumas das quais parecem extremamente progressivas para o primeiro século. Dizem que não só alguns dos seus seguidores mais próximos eram mulheres, mas perdoou a mulher apanhada em adultério e desafiou os costumes sociais sobre o papel das mulheres na sociedade (João 4:27, Lucas 7:37, Mateus 21: 31-32.).

Hedonista mundano – Ou era um porco chauvinista? A assistência critica-o por ser "um glutão e um bêbado" que acompanha com canalha como coletores de impostos e prostitutas (Lucas 5:30; 5: 33-34; 7:34, 37-39, 44-46).

Homem de família – mas então, Jesus torna-se um campeão de bons velhos valores familiares. Ainda mais rigoroso que Moisés, aperta a tarracha da lei do Antigo Testamento mais um furo ao declarar que "quem repudiar a sua mulher e casar com outra comete adultério contra ela, e se ela se divorcia do seu marido e casar com outro, comete adultério" (Marcos 10: 11-12). E também lembra aos seus seguidores que devem honrar pai e mãe e adverte severamente que "quem amaldiçoar pai e mãe, certamente deve morrer" (Mateus 15: 4).

Destruidor de lares – No entanto, para Jesus parece que também é bom criticar a família: "Se alguém vem a mim e ama o seu pai, a sua mãe, a sua mulher, os seus filhos, os seus irmãos e irmãs, e até a si próprio mais do que a mim, não pode ser meu discípulo." (Lucas 14:26). Quando dizem a Jesus que a sua mãe e irmãos vieram vê-lo, Jesus ignora-os e pergunta: "Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?" (Mateus 12: 47-48). "Não pensem que eu vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas uma espada. Porque eu vim para colocar um homem contra seu pai, a filha contra a sua mãe, e a nora contra a sogra." (Mateus 10: 34-35).

Salvador do Mundo – Mas apesar de tudo isso, Jesus ama a todos; ele próprio pregou aos samaritanos (João 4: 39-41; Lucas 17: 11-18) e gentios (Mateus 4: 13-17, 24-25).

Salvador (apenas) de Israel – Bem, ele ama a todos, exceto samaritanos ou gentios. Quando uma mulher cananeia lhe implora que cure a sua filha, ignora-a; depois dos discípulos lhe pedirem para mandá-la embora, primeiro recusa-se, dizendo: "Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mateus 15:24). Quando Jesus envia os seus discípulos, ordena-lhes para não pregar a boa nova nas regiões gentias ou cidades samaritanas (Mateus 10: 5-6).

Reformador social radical – Ainda outros, como John Dominic Crossan e Richard Horsley vêem Jesus como um campeão dos camponeses judeus que sofrem sob o jugo do Império Romano e dos seus cobradores de impostos vorazes; um Jesus um pouco na linha de Gandhi e da sua luta contra o Império Britânico.

O verdadeiro Jesus que se levante, por favor...

Que plausibilidade tem qualquer uma dessas reconstruções? Como observa Price em "Deconstructing Jesus" (p. 15), muitos dos retratos acima são bastante plausíveis, fazem boa leitura de uma série de textos evangélicos, não violam o método histórico aceite, não são impossivelmente anacrónicos, e são o resultado de profundos e sérios estudos. Até certo ponto, todos eles têm seus pontos fortes. Nenhum deles é particularmente rebuscado. Todos tendem a centrar-se em constelações particulares de elementos do Evangelho interpretadas de determinadas formas, e rejeitar outros dados como inautênticos – o que todos os historiadores críticos fazem, independentemente do assunto. Todos apelam a analogias históricas sólidas para a sua nova visão sobre Jesus. Mas, como Bart Ehrman aponta, uma falha fatal assombra a maioria, se não todos eles:

"A ligação entre a mensagem de Jesus e sua morte é crucial, e estudos históricos da vida de Jesus podem ser avaliados pela forma como estabelecem essa ligação. Isso na verdade é uma fraqueza comum em muitos retratos de Jesus histórico: muitas vezes soam completamente plausíveis na sua reconstrução do que Jesus disse e fez, mas não conseguem que a sua morte faça sentido. Se, por exemplo, Jesus é para ser entendido como um rabino judeu que simplesmente ensinou que todos devem amar a Deus e ser bons uns para os outros, porque haviam os romanos de crucificá-lo?" ("Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium", p. 208).

Ehrman acrescenta que para a maioria das teorias, as conexões propostas entre a vida de Jesus e sua morte são por vezes bastante instáveis e pouco convincentes. Mas para ser justo, o problema pode ser mais profundo do que reconstruções pobres. Afinal, a fonte original para todos eles, os Evangelhos, também não conseguem fazer uma ligação credível entre vida e morte de Jesus – e discordam entre si sobre o que levou à sua morte.

E, incidentalmente, a lista acima não é a última palavra sobre Jesuses revisionistas; existem ainda mais "Jesuses Históricos" razoavelmente plausíveis a considerar antes de finalmente chegar a todas as teorias irremediavelmente lunáticas sobre Jesus que ganham mofo lá no fundo do barril. Mas essa multiplicidade de possibilidades convincentes é precisamente o problema: as diversas reconstruções eruditas de Jesus anulam-se mutuamente. Cada uma soa bem até ouvirmos a próxima. Price deixa isso muito claro:

"O que uma reconstrução de Jesus deixa de lado, a próxima assume e faz disso a sua pedra angular. Jesus usa demasiados chapéus nos Evangelhos – exorcista, curandeiro, rei, profeta, sábio, rabino, semideus, e assim por diante. O Jesus Cristo do Novo Testamento é uma figura composta... O Jesus histórico (se houve um) poderia muito bem ter sido um rei messiânico, ou um fariseu progressista ou um xamã galileu, ou um mago, ou um sábio helenístico. Mas ele não consegue ter sido todos eles ao mesmo tempo". "Deconstructing Jesus" (p. 15-16).

John Dominic Crossan, do The Jesus Seminar, deu-se conta deste mesmo problema e, francamente, queixou-se de que a multiplicidade de reconstruções históricas de Jesus se transformou num circo. No seu "The Historical Jesus: The Life of a Mediterranean Jewish Peasant" (New York, HarperSanFrancisco, 1992), ele diz sem rodeios:

"Mas essa diversidade impressionante é um embaraço académico. É impossível evitar a suspeita de que a pesquisa histórica de Jesus é um lugar muito seguro para fazer teologia e chamar-lhe história, fazer autobiografia e chamar-lhe biografia". (p. xxviii)

O resultado de tudo isso é simplesmente que todas as reconstruções seculares do "Jesus Histórico" se mantêm especulativas. Ninguém pode afirmar ter dominado o mercado. E há uma boa razão para isso – as nossas fontes históricas problemáticas sobre Jesus.

O que podemos saber? Fontes para Jesus

Apesar de séculos de estudos históricos sobre uma figura com milénios de idade, não temos sido capazes de chegar a um único facto verificável sobre Jesus. Nenhum. E como poderíamos? As nossas únicas fontes estão longe de ser dignas de confiança. Quais são as fontes? Como espero ter deixado muito claro em "Nailed", embora muitas pessoas assumam que havia imensas testemunhas históricas contemporâneas que mencionaram Jesus (e essa suposição é tanto encorajada como alardeada pelos apologistas) a verdade é que existem exatamente – nenhuma. Bart Ehrman examina com detalhe a profundidade do problema:

"Que tipo de coisas é que os autores pagãos da época de Jesus têm a dizer sobre ele? Nada. Por mais estranho que possa parecer, não há nenhuma menção de Jesus por qualquer de seus contemporâneos pagãos. Não há registos de nascimento, nem transcrições de julgamento, nem atestados de óbito; não há manifestação de interesse, nem calúnias iradas, nem referências fortuitas – nada. Na verdade, se ampliarmos o nosso campo de interesse aos anos após a sua morte – mesmo que incluam todo o primeiro século da Era Comum – não há sequer uma referência solitária a Jesus entre as fontes não-cristãs e não-judaicas de qualquer tipo. Gostaria de salientar que temos um grande número de documentos provenientes desse tempo – escritos de poetas, filósofos, historiadores, cientistas e funcionários do governo, por exemplo, para não mencionar a grande coleção de inscrições sobreviventes em pedra, cartas privadas e documentos legais em papiro. Em nenhum desta vasta gama de escritos sobreviventes é o nome de Jesus sequer mencionado". (Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium, p. 56-57).

Em quase todos os critérios de verificação histórica disponíveis, Jesus não possui evidências de todo, e mesmo as poucas que existem, as evidências dos Evangelhos não são o melhor, mas o pior tipo de evidência – uma mão cheia de testemunhos em segunda mão, tendenciosos, acríticos, não-eruditos, desconhecidos.

(Aliás, Richard Carrier tem feito isso bem claro, tanto em "Sense and Goodness Without God", em Milagres e Método Histórico (pp. 227 e ss), e cap. 7 de "Not the Impossible Faith")

Como se constata, mesmo no Novo Testamento, as nossas fontes resumem-se apenas aos Evangelhos. Uma pesquisa de informações biográficas nas cartas de Paulo de Tarso revela uma figura mitológica, e as epístolas forjadas em nome dos apóstolos também não contêm detalhes sobre a vida do seu Senhor; mesmo o autor que se faz passar por Pedro só consegue espiolhar profecias do Antigo Testamento para o seu "testemunho ocular"!

Claro que há muito mais Evangelhos escritos do que os nossos familiares quatro, mas eles só turvam as águas ainda mais. E, independentemente do número de Evangelhos que podemos optar por aceitar, durante séculos, os estudiosos bíblicos têm concordado que que todos, em última análise, derivam do mesmo original: o livro modestos, anónimo, imperfeito e humilde intitulado O Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus, muito mais tarde renomeado O Evangelho segundo Marcos.

Sem repetir todos os argumentos apresentados em "Nailed" e outros livros, basta dizer que nada disto é uma invenção dos incréus ateus; o consenso de todos os estudiosos bíblicos há muito tempo reconheceu a prioridade de Marcos e que a solução para o famoso "problema sinótico" é que Mateus e Lucas dependeram directamente de Marcos. Cada evangelista depois de Marcos fez suas próprias "correções", adições e mudanças, mas mesmo aquele muito mais tarde funciona como o Evangelho de João (e Pedro, Maria, Judas, e outros) todos foram até certo ponto tirados do Marcos original, não importa quão longe vão em direções próprias diferentes.

A superabundância de Evangelhos é a razão principal para contradições entre eles, mas não a única razão. Mesmo manuscritos exatamente dos mesmos textos evangélicos nem sempre concordam uns com os outros. E todos os manuscritos existentes sofrem de interpolações e alterações de cada período de tempo que possamos examinar e para os primeiros 150 ou 200 anos do cristianismo, há um período de blackout em que não temos absolutamente nenhuma maneira de verificar a confiabilidade de quaisquer manuscritos bíblicos – do segundo século nada sobrevive, exceto um punhado de pequenos pedaços de papiro; do primeiro século, absolutamente nada.

Outro problema sério é o número surpreendente de fabricações a-históricas e erros anacrónicos dos Evangelhos. Mateus está constantemente a corrigir erros de Marcos sobre o judaísmo básico e a vida e a geografia da Palestina. Lucas afirma (1: 1-4) a ser o único Evangelho de muitos que dá a história real; mas isso é uma mentira descarada, visto que plagiou o seu Evangelho de Marcos e talvez Mateus, também (com outros detalhes roubados de historiadores reais como Flávio ​​Josefo, como o especialista josefano Steve Mason e outros historiadores têm pormenorizado). Críticos judeus e pagãos foram apontando buracos nos Evangelhos quase desde o início; os seus argumentos e duras críticas continuam nítidos e relevantes cerca de 2000 anos mais tarde. A "biografia" de Jesus simplesmente não se sustenta sob escrutínio.

Mas foi Marcos sequer, para começar, uma biografia? Marcos diz-nos o que está a fazer desde o início: está a escrever um Evangelho, não uma história ou uma biografia (Marcos 1: 1). E inúmeros historiadores, incluindo Arnold Ehrhardt, Thomas Brodie, Richard Carrier, Randel Helms, Dennis MacDonald, Jennifer Maclean e outros detalharam de que forma todo o Evangelho de Marcos é um tesouro de significado simbólico, em vez de histórico. É alegoria, não história.

Poderia Jesus ter sido um Messias furtivo?

Será possível que, apesar da nossa carência total de documentação fiável, possa ainda assim ter havido um Jesus real soterrado por séculos de acreção lendária? É certamente possível. É plausível? Talvez. É isso que eu penso que aconteceu? Não creio. Como digo no capítulo final de "Nailed", "Pode Jesus Ser Salvo?":

"Chega-se a um ponto em que já não faz sentido dar a Jesus o benefício da dúvida. Mesmo que demos o desconto para acreção lendária, fraude piedosa, o critério do embaraço, disputas doutrinais, erros dos escribas e falhas na tradução, há simplesmente demasiados problemas insolúveis com a posição padrão que assume que tinha que haver mesmo um indivíduo histórico (ou até um composto de diversos pregadores itinerantes) no centro do cristianismo".

Adiante vou mostrar como o Novo Testamento e o cristianismo primitivo seriam diferentes se até mesmo um Jesus meramente humano tivesse sido uma figura histórica real. Um problema que encontro na sugestão de que Jesus era uma figura bastante desconhecida, na verdade, tem a ver com as outras figuras messiânicas que conhecemos neste período. Não havia decerto qualquer escassez de salvadores então; sabemos de um número surpreendente de pretendentes a Messias judaicos do período à volta do primeiro século. Aqui estão alguns deles:

João Batista – João aparece em todos os quatro Evangelhos e mostra deferência a Jesus, mas na verdade temos mais evidências extrabíblicas para João que para Jesus. Josefo menciona João Batista brevemente, e a sua seita aparece no século II numa novela dos Atos Apócrifos, os Reconhecimentos Clementinos (onde debatem contra os seus rivais, os cristãos, argumentando que João Batista, não Jesus, era o Messias). O primeiro capítulo de Lucas parece ter sido tirado inicialmente de escrituras batistas, sendo Jesus e Maria adicionados mais tarde.

Apolónio de Tiana – Flóstrato, o Velho escreveu uma biografia deste filósofo neopitagórico e alegado milagreiro, embora muitos questionam agora se as fontes biográficas anteriores de Filóstrato (ou sua matéria) alguma vez realmente existiram.

"O Egípcio" – Nos Atos, Lucas menciona os nome de três Messias falhados copiados de Josefo. Aliás, os erros de Lucas a descrever estas figuras são uma das razões porque sabemos que ele estava a roubar a Josefo, e não vice-versa. Este, conhecido apenas como "O Egípcio" (possivelmente como uma chapelada a Moisés, em vez da sua nacionalidade real) levou os os seus seguidores até o Monte das Oliveiras para que pudessem vê-lo comandar a queda dos muros de Jerusalém. Por alguma razão, este plano falhou, os romanos chacinaram o seu rebanho, e fugiu.

Judas da Galiléia e Teudas o Mágico – Lucas mostra o famoso rabino Gamaliel a mencionar as revoltas fracassadas destes dois pretendentes messiânicos num discurso pouco depois da morte de Jesus (Atos 5: 34-37); infelizmente para Lucas, a revolta de Teudas só teve lugar mais de uma década depois, sob o reinado de Fadus, procurador de 44 a 46. Para agravar o erro, Lucas também errou invertendo a ordem correta e dizendo que Judas seguiu-se a Teudas, quando de facto Judas veio primeiro, antecedendo Teudas por décadas!

Athronges, o Pastor e Simão de Pereia – A revolta de Judas da Galileia foi uma de várias após a morte de Herodes, o Grande. Athronges, o Pastor e Simão de Pereia são dois outros usurpadores falhados mencionados por Josefo (Simão, um escravo de Herodes, também foi mencionado por Tácito).

"Um impostor" – Um Messias tipo Moisés, sem nome, que prometeu levar seus seguidores à liberdade se o seguissem para o deserto; mas só conseguiu que fossem abatidos, com ele próprio, por tropas enviadas pelo governador romano Festo.

"Taheb" – Um samaritano sem nome intitulando-se o Messias Samaritano do Taheb ("o Restaurador") levou seus seguidores armados ao sagrado monte Garizim, onde iria mostrar-lhes "vasos sagrados" enterrados ali por Moisés – ou pelo menos, tê-lo-ia feito, se Pilatos e as suas forças não tivessem chegado lá primeiro, matando muitos deles na batalha e dispersando o resto, e executando os líderes, incluindo o "Taheb".

Jónatas, o Tecelão – ainda outro Messias do tipo Moisés que convenceu a multidão a segui-lo para o deserto com promessas de "sinais e aparições," só para chegarem os romanos e matarem a maioria.

Carabas – Filo de Alexandria descreve esse louco que foi forçado a tornar-se um rei farsante por uma multidão de rua de forma estranhamente paralela à troça de Cristo por parte dos guardas romanos nos Evangelhos.

Yeshua ben Ananias / Jesus ben-Ananias – Na "Guerra dos Judeus", Josefo menciona outro louco, este em Jerusalém, que também compartilha algumas semelhanças marcantes com o Jesus que conhecemos; tanto assim que, como Carabas, a sua história pode muito bem ter sido uma inspiração para os escritores do Evangelho. Este "campónio muito comum" um dia torna-se um profeta do fim do mundo e vagueia pelas ruas dia e noite a gritar, até que é espancado pelos moradores irados. As autoridades judaicas levam-no perante o procurador romano, onde é "açoitado até a sua carne ficar pendurado em tiras" antes de ser libertado. Josefo assinala explicitamente várias vezes que ele nada diz em sua própria defesa.

Simão bar-Giora – Ainda outra figura messiânica com semelhanças interessantes com Jesus, o revolucionário Simão foi recebido com ramos e palmas em Jerusalém como libertador e protetor contra outro pretendente a Messias, o zelota João de Giscala, cuja fação tinha ocupado o recinto sagrado. Após esta entrada triunfal, ele começou a purificação do templo, "varrendo os zelotes para fora da cidade". Mas Simão, por fim, rendeu-se aos romanos e, depois de sofrer abusos às mãos dos guardas, foi executado como um suposto rei dos judeus.

Outros Evangelhos, outros Jesuses, outros Cristos

Se a fama de Jesus cresceu de alguma forma até perto perto dos níveis descritos nos Evangelhos (multidões a segui-lo, a fama a espalhar-se por toda a Judeia, Síria, Egito, as dez cidades da Liga da Decápole, etc.) as suas realizações estiveram facilmente a par do melhor destes. Então, porque figuras messiânicas derrotadas como o "Taheb", Jónatas, o Tecelão e o resto conseguem deixar uma pegada histórica mas não Jesus?

Inversamente, se Jesus era tão olvidável que não se comparava em interesse com qualquer um destes (e outros ainda), então como é que inspira uma religião marginal de pequenas igrejas domésticas rivais a aparecer nos cantos mais distantes do Império Romano?

E ainda há outra consideração – que acontece a todos os outros Cristos do primeiro e do segundo século que encontramos nos Evangelhos, cartas de Paulo e outros escritos cristãos primitivos. Como mencionei no "Nailed" (pp. 151-152):

O próprio Paulo de Tarso queixa-se da diversidade entre os crentes iniciais, que incrivelmente tratam Cristo apenas como mais uma figura totémica sectária, alguns dizendo que pertencem a Paulo, a Apolo, ou Cefas – ou a Cristo. Paulo pergunta: "Será que Cristo foi dividido?"(1 Cor. 1: 10-13). Paulo também se insurge repetidamente contra os muitos apóstolos rivais, que "pregam outro Jesus".

Nas suas cartas, Paulo frequentemente se enfurece e vocifera que os seus rivais são enganadores maléficos, com falsos Cristos e falsos Evangelhos tão diferente do seu verdadeiro Cristo e verdadeiro Evangelho, que os acusa de serem agentes de Satanás e chega mesmo a lançar maldições e ameaças sobre eles! (2 Cor. 11: 4, 13-15, 19-20, 22-23; Gal. 1: 6-9; 2: 4)

Outros cristãos primitivos estavam tão preocupado como Paulo. O Didakhê, um manual de práticas e ensinamentos do início da igreja cristã, passa dois capítulos a falar de pregadores errantes e advertindo contra muitos falsos pregadores que são meros "traficantes de Cristos".

A evidência é clara; havia muitos Jesuses e Cristos diferentes a ser pregados no primeiro século (e mesmo no início do segundo século, quando o Didakhê foi escrito). Nenhum Jesus individual teve impacto sobre a história, mas muitos diferentes tiveram impacto sobre a teologia; pelo menos em cultos marginais. A abordagem do "Messias furtivo" para este problema simplesmente não corresponde às evidências.

É um mistério (quer dizer, um Mistério da Fé)

Como Price, e outros antes dele, observaram (e como eu vou argumentar em "Jesus: MYTHing in Action"4. ), Jesus parece ser um efeito, não uma causa, do cristianismo. Paulo e o resto da primeira geração de cristãos vasculharam o Septuagint, a tradução grega das escrituras hebraicas, para criar uma religião de mistério para os judeus, com rituais pagãos, como a Ceia do Senhor, termos gnósticos nas suas cartas, e um deus salvador pessoal para rivalizar com as antigas tradições egípcia, persa, helenística e romana dos seus vizinhos.

Escrito gerações mais tarde, todo o Evangelho de Marcos – o Evangelho original no qual todos os restantes foram baseados – é uma grande parábola para esconder o segredo, as verdades sagradas desta fé de mistério, o mistério do Reino de Deus. Marcos mostra Jesus a dar a esta pista ao leitor do seu Evangelho:

"A vós vos é dado saber os mistérios do reino de Deus, mas aos que estão de fora todas estas coisas se dizem por parábolas, para que, vendo, vejam, e não percebam; e, ouvindo, ouçam, e não entendam; para que não se convertam, e lhes sejam perdoados os pecados". (Marcos 4:11-12)

Esse sigilo exclusivo não faz qualquer sentido para um salvador que veio para salvar o mundo inteiro, mas faz todo o sentido se o cristianismo começou como uma fé de mistério. Como os mistérios pagãos, as verdades do mistério do Reino de Deus de Marcos são escondidas atrás de parábolas, só explicadas a iniciados. Marcos não está a relatar a história; ele está a criar uma estrutura para transmitir um mistério sagrado a alguns poucos escolhidos, e ninguém mais.


Robert M. Price, Richard Carrier e David Fitzgerald numa sessão de perguntas e respostas

Jesus desaparecido em combate

Mesmo que tenha havido um Jesus histórico que de alguma forma conseguiu gerar, simultaneamente, toda essa diversidade sem deixar vestígios no registo histórico contemporâneo, a verdade é que, para todos os efeitos práticos, já não há! Nenhuma fonte que temos pode ser confiavelmente ligada a alguém que realmente estava na Terra há dois mil anos. Como Schweitzer e tantos outros já perceberam, qualquer verdadeiro Jesus é irrecuperável, completamente perdido para nós. Price acrescenta:

"O que impede os historiadores de descartar Alexandre, o Grande, César Augusto, Ciro, o Rei Arthur e outros como meros mitos como Paul Bunyan, é que existe algum resíduo. Sabemos, pelo menos, um pouco de informação mundana sobre eles, talvez um pouco, que não faz parte de qualquer ciclo lendário. Ou estão tão imbricados no tecido histórico do tempo que é impossível que a história faça sentido sem eles. Mas passa-se assim com Jesus? Não. Jesus deve ser categorizado com outras figuras fundadoras lendárias, incluindo o Buda, Krishna, e Lao-tzu. Pode ter havido uma figura real, mas simplesmente já não há qualquer forma o confirmar", ("Deconstructing Jesus", pp. 260-261)

Embora não haja de todo maneira de provar que nenhum Jesus "real" alguma vez existiu por trás do que Price apropriadamente chama a cortina de vidro fosco, quanto mais perto se olha, mais difícil é ver. Quando procuramos o que pensamos serem inovações trazidas por Jesus, invariavelmente encontramos as mesmas ideias já vindas de alguma outra fonte. Ele foi um espaço livre para preencher com todos os valores atribuídos a todos os outros deuses salvadores; ensinou todas as coisas que os filósofos gregos e os rabinos judeus ensinavam; realizou os mesmos milagres, curas e ressurreições que os magos pagãos e exorcistas faziam; por outras palavras, Jesus Cristo não era uma pessoa real, mas uma síntese de todas as noções apaixonadas e acarinhadas de que o mundo antigo se lembrou – nobres verdades, gentil sabedoria, fábulas amadas, atitudes antigas, contradições internas, absurdos científicos, atitudes intoleráveis ​​e tudo.

Já passámos o ponto de inflexão: já não é razoável assumir que tinha que ter sido um único indivíduo histórico a começar o cristianismo. Na verdade, como já vimos, a evidência aponta para longe dessa conclusão. O que vemos, em vez disso é um registo histórico completamente desprovido de corroboração dos Evangelhos; um ambiente teológico darwiniano repleto de Jesuses rivais, Cristos, Evangelhos e cultos caseiros concorrentes ao longo da franja religiosa do Império Romano (e mal subsistindo por três séculos); indicações de que a primeira geração do cristianismo começou como uma versão judaica dos cultos de mistério, e que todas as informações contraditórias confusas, "biográficas" para Jesus derivam de uma alegoria deliberada. A figura fundadora única não é apenas desnecessária para explicar tudo isso; é injustificada.


1 Diz Robert M. Price: "O minimalismo sobre o Antigo Testamento fez-nos largar a firme convicção que tínhamos sobre o caráter histórico da velha narrativa israelita. Quem havia de adivinhar que a Jerusalém de David não passava de um mero cruzamento com uma bomba de gasolina? O Templo de Salomão pouco mais que uma capela de casamentos de Las Vegas (ou ainda menos)?" [voltar]

2 David Fitzgerald é o autor do livro aclamado pela crítica "Nailed: Ten Christian Myths That Show Jesus Never Existed at All", eleito para o Top 5 na categoria ateus/agnósticos de 2010 nos Prémios Escolha dos Leitores de AboutAtheism.com dos EUA. O seguimento de "Nailed" é "Jesus: MYTHing in Action", a lançar brevemente.
Pode encontrar David e "Nailed" no Facebook. [voltar]

3 O cinismo era uma filosofia da Grécia antiga para a qual o propósito da vida era viver na virtude, de acordo com a natureza. Não tinha o sentido negativo que adquiriu nos nossos dias (Cinismo na Wikipédia). [voltar]

4 O nome do livro em que David Fitgerald está a trabalhar é um trocadilho: "Jesus, MYTHing in Action" pode ser lido como "Jesus, Missing in Action", significando "Jesus, Desaparecido em Combate". Mas não faz sentido em português, tal como "Nailed" significa pregado (na cruz) mas também descoberto, finalmente compreendido, apanhado. Mas em português esse duplo sentido não existe. [voltar]

Comentários

  1. Deixei esta questão ao David Fitzgerald : Davide eu gostava de ouvir a sua opinião sobre a explicação que o Filosofo Porfirio deu acerca da ressureição de cristo, interpretou a ressurreição dos mortos como sendo o reaparecimento de Matatias e Judas Macabeu: eles haviam se escondido, com vários outros judeus, em cavernas e em buracos nas rochas, e emergiram depois da vitória dos judeus, sendo isto identificado metaforicamente como a ressurreição dos mortos.

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