Genes e memes
Tendo escrito e ilustrado o texto anterior, comecei-me a preocupar com a defesa das ideias que exprimi.
Não sou cientista nem filósofo e para manter este blog e a minha página pessoal só disponho de umas quantas horas à noite, roubadas ao sono.
Provar ou invalidar a ideia de que a socialização do homem é parecida com a domesticação do cão está fora das minhas capacidades. Seria precisa larga pesquisa em psicologia comparada.
Portanto, o meu texto é uma opinião amadora, baseada numa longa experiência como dono de animais e numa infância com muito contacto com a religião.
Possa quem ler o texto divertir-se tanto a lê-lo como eu a escrevê-lo.
Mas não se trata de uma paródia. Acredito seriamente que o que exponho tem mais que um grão de verdade e explica alguns aspectos do comportamento da nossa espécie, nomeadamente o lugar que a religião ocupa em todas as sociedades humanas.
Um cão não é capaz de sentimento religioso? O animal pensa e exprime um leque bastante variado de emoções. Isso é evidente para quem tenha tido um.
Interessante é o facto do cão pensar e exprimir-se com o corpo. Adivinhar a emoção do animal é facílimo, basta olhar para ele. Mas o cão usa também o seu corpo para comunicar com o dono. Se ele vem ter comigo, pede atenção tocando-me com a pata ou com o focinho e depois vai até à porta, repetindo o acto várias vezes para o caso de eu não ligar à primeira, traduzido em linguagem humana quer dizer: Leva-me à rua!
Acontece o mesmo connosco. No seu livro O Sentimento de Si1, António Damásio indica que todo o corpo participa no acto de pensar, que a matéria prima básica do pensamento são imagens do corpo, que incluem tudo o que sentimos com o corpo e com os sentidos, mais a nossa memória.
Disseram-me sempre que pensávamos por palavras e eu sempre achei estranho porque pareço pensar por imagens, convertendo-as em palavras uma fracção de segundo antes de falar ou de articulá-las no meu monólogo interno. Tinha atingido a dimensão visual das imagens, mas a sua dimensão corporal surpreendeu-me.
Pensei logo na minha cadela. Afinal não somos tão diferentes! Nem poderíamos ser, sendo produtos próximos da evolução.
Portanto a minha cadela adorava-me, venerava-me. Provavelmente essa é a grande razão para as pessoas terem animais de estimação.
É também esta a atitude das pessoas perante os deuses.
O pensamento humano aparece assim como a evolução das capacidades animais, organicamente ligado à nossa fisiologia e também à nossa vida social, pois era com o corpo que se comunicava (e ainda se comunica) antes da linguagem.
Nada bom para a ideia do pensamento puramente racional.
Mas este encontra-se sob ataque de outro ponto de vista. Richard Dawkins, ao formular a sua teoria do Gene Egoísta2, que postulava que os seres vivos eram meros veículos para os genes se reproduzirem e prosperarem, postulou também os memes, unidades de informação (ditos, ideias, anedotas, danças, canções...) que se propagam de pessoa para pessoa, são lembrados ou esquecidos e têm mutações no processo.
Portanto, os memes propagam-se como vírus. Hoje centenas de cientistas e estudiosos investigam as leis da sua propagação, incluindo os que se dedicam ao comportamento da Web.
De um lado pensamos com o corpo, como uns animais; de outro são as nossas ideias que nos colonizam. Nada bom para o pensamento racional.
Mas podemos desenvolver e desenvolvemos memes que controlem a coerência do nosso pensamento, como o método científico, considerado um memeplex.
A racionalidade parece-se com a liberdade. Há tantas constrições na nossa vida que parecemos não ter qualquer liberdade; mas quando a não temos a diferença é evidente. Do mesmo modo, há tantas limitações ao pensamento racional que parece não existir; de tal modo que temos de conhecer o mais possível a sua metodogia e requerimentos para o podermos exercer, nas preciosas poucas ocasiões em que podemos atingi-lo.
AVISO: Você acabou de ser exposto ao metameme, ou seja, o meme sobre os memes... e provavelmente foi infectado por ele.
1 António Damásio, O Sentimento de Si, Europa-América. Nota biográfica aqui. [Voltar ao texto]
2 Richard Dawkins, O Gene Egoísta, Gradiva. Na Wikipédia, em português, um artigo sobre os memes. [Voltar ao texto]
Não sou cientista nem filósofo e para manter este blog e a minha página pessoal só disponho de umas quantas horas à noite, roubadas ao sono.
Provar ou invalidar a ideia de que a socialização do homem é parecida com a domesticação do cão está fora das minhas capacidades. Seria precisa larga pesquisa em psicologia comparada.
Portanto, o meu texto é uma opinião amadora, baseada numa longa experiência como dono de animais e numa infância com muito contacto com a religião.
Possa quem ler o texto divertir-se tanto a lê-lo como eu a escrevê-lo.
Mas não se trata de uma paródia. Acredito seriamente que o que exponho tem mais que um grão de verdade e explica alguns aspectos do comportamento da nossa espécie, nomeadamente o lugar que a religião ocupa em todas as sociedades humanas.
Um cão não é capaz de sentimento religioso? O animal pensa e exprime um leque bastante variado de emoções. Isso é evidente para quem tenha tido um.
Interessante é o facto do cão pensar e exprimir-se com o corpo. Adivinhar a emoção do animal é facílimo, basta olhar para ele. Mas o cão usa também o seu corpo para comunicar com o dono. Se ele vem ter comigo, pede atenção tocando-me com a pata ou com o focinho e depois vai até à porta, repetindo o acto várias vezes para o caso de eu não ligar à primeira, traduzido em linguagem humana quer dizer: Leva-me à rua!
Acontece o mesmo connosco. No seu livro O Sentimento de Si1, António Damásio indica que todo o corpo participa no acto de pensar, que a matéria prima básica do pensamento são imagens do corpo, que incluem tudo o que sentimos com o corpo e com os sentidos, mais a nossa memória.
Disseram-me sempre que pensávamos por palavras e eu sempre achei estranho porque pareço pensar por imagens, convertendo-as em palavras uma fracção de segundo antes de falar ou de articulá-las no meu monólogo interno. Tinha atingido a dimensão visual das imagens, mas a sua dimensão corporal surpreendeu-me.
Pensei logo na minha cadela. Afinal não somos tão diferentes! Nem poderíamos ser, sendo produtos próximos da evolução.
Portanto a minha cadela adorava-me, venerava-me. Provavelmente essa é a grande razão para as pessoas terem animais de estimação.
É também esta a atitude das pessoas perante os deuses.
O pensamento humano aparece assim como a evolução das capacidades animais, organicamente ligado à nossa fisiologia e também à nossa vida social, pois era com o corpo que se comunicava (e ainda se comunica) antes da linguagem.
Nada bom para a ideia do pensamento puramente racional.
Mas este encontra-se sob ataque de outro ponto de vista. Richard Dawkins, ao formular a sua teoria do Gene Egoísta2, que postulava que os seres vivos eram meros veículos para os genes se reproduzirem e prosperarem, postulou também os memes, unidades de informação (ditos, ideias, anedotas, danças, canções...) que se propagam de pessoa para pessoa, são lembrados ou esquecidos e têm mutações no processo.
Portanto, os memes propagam-se como vírus. Hoje centenas de cientistas e estudiosos investigam as leis da sua propagação, incluindo os que se dedicam ao comportamento da Web.
De um lado pensamos com o corpo, como uns animais; de outro são as nossas ideias que nos colonizam. Nada bom para o pensamento racional.
Mas podemos desenvolver e desenvolvemos memes que controlem a coerência do nosso pensamento, como o método científico, considerado um memeplex.
A racionalidade parece-se com a liberdade. Há tantas constrições na nossa vida que parecemos não ter qualquer liberdade; mas quando a não temos a diferença é evidente. Do mesmo modo, há tantas limitações ao pensamento racional que parece não existir; de tal modo que temos de conhecer o mais possível a sua metodogia e requerimentos para o podermos exercer, nas preciosas poucas ocasiões em que podemos atingi-lo.
AVISO: Você acabou de ser exposto ao metameme, ou seja, o meme sobre os memes... e provavelmente foi infectado por ele.
1 António Damásio, O Sentimento de Si, Europa-América. Nota biográfica aqui. [Voltar ao texto]
2 Richard Dawkins, O Gene Egoísta, Gradiva. Na Wikipédia, em português, um artigo sobre os memes. [Voltar ao texto]
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