O arco do PPD
Qual é o centro de Portugal? Não o geométrico, mas o imaginário, o político? Para mim, talvez para toda a gente, é o Arco da Rua Augusta. A porta de Lisboa, o centro do poder.
Exactamente nesse sítio, no lugar mais à vista de todo o País, está escondida uma inscrição. Escondida pela sua enorme notoriedade. A maioria dos portugueses já passou por ali, muitos milhares passam todos os dias.
Olham e não vêem, lêem e não compreendem.
Eu sou um deles.
Vim pela primeira vez a Lisboa adolescente, lá para os anos 60, e li a inscrição:
VIRTVTIBVS MAIORVM
VT SIT OMNIBVS DOCVMENTO. P.P.D.
Virtudes maiores? Documento para todos? O que quer dizer PPD? Não sabia latim, decidi ir descobrir o que queria dizer a inscrição. Uma figura central, de pé, coroa duas figuras sentadas. Aquelas três, então, seriam as virtudes maiores. Mais abaixo conhece-se algumas figuras com trajos de época: Vasco da Gama ou Afonso de Albuquerque… Afonso Henriques com a sua espada enorme, outro guerreiro mais antigo, talvez Viriato. Pombal a presidir à Baixa, só pode ser ele, são estes os que têm as virtudes maiores. De cada lado duas figuras clássicas reclinadas, sem referência histórica. Mais virtudes?
Estranhamente, nunca mais me lembrei de saber o significado da inscrição. Morei sempre em Lisboa ou na Grande Lisboa desde 1971 e, de cada vez que passava no Terreiro do Paço, erguia os olhos para o arco e dizia: Tenho que lembrar-me de ir ver isto. Passaram-se 39 anos.
Quantos como eu passaram lá sem ver anos a fio? E outros que nem sequer levantaram os olhos... Chegou a haver uma piada, no tempo em que Santana Lopes era presidente da Câmara, de que ele tinha lá gravado as iniciais do seu partido.
Só outro dia é que as cadeias de associação livre da navegação na Web me levaram lá. Por causa de uma conversa sobre o relógio do outro lado do arco, fui ver. Eu tenho um óleo do arco visto da Rua Augusta, começado em 1996 e nunca acabado. Então é que me lembrei de ir saber o que nunca tinha sabido.
Na Wikipédia há um esboço de artigo, indicando que o grupo central de estátuas são a Glória coroando o Valor e o Engenho, as tais Virtudes, obra do escultor francês Calmels, radicado em Portugal. Os heróis nacionais são de Vítor Bastos. Arquitecto foi um tal Veríssimo José da Costa, que modificou o arco original de Eugénio dos Santos, começado com o resto da Baixa mas depois demolido, quando Pombal foi expulso por Dona Maria I, no que foi chamado a Viradeira. O arco final só foi terminado em 1873. Ah, e as figuras deitadas são o Douro e o Tejo.
Mas, e as inscrições? Encontrei um site, Epigrafia Latina, de Carlos Alves Lopes, com a tradução:
VIRTVTIBVS MAIORVM (Às virtudes dos maiores)
VT SIT OMNIBVS DOCVMENTO. (Para instrução de todos.)
P.P.D. quer dizer: Pecvnia Pvblica Dedicat (Dedicado, consagrado ou inaugurado com dinheiro público, quer dizer, foi o estado a pagar e não qualquer mecenas)
Será qualquer coisa deste género:
Às Virtudes [como o Génio e o Valor] dos maiores [antepassados],
para que sirva de exemplo para todos,
[construído] dedicado a expensas públicas.
Ou então:
Às Virtudes dos Maiores, para que sirva a todos de ensinamento. Dedicado a expensas públicas.
Pronto, agora já ficaram a saber, para que sirva a todos de ensinamento: vt sit omnibvs docvmento.
(Ou será antes assim: não leiam documentos sentados no autocarro*, porque podem ficar com dores de cabeça? [conselho do] PPD?)
* Omnibus (autocarro) quer dizer precisamente “para todos”, ou seja, (transporte) colectivo.
Quem passa por este blog aprende sempre mais qualquer coisa contigo amigo, demoras-te 39 anos mas não esqueceste,grande abraço
ResponderEliminarAté que enfim que alguém se lembrou disso.Curiosamente já li esta inscrição várias vezes mas a unica certeza era de que não tinha nada a ver com o PPD ,como é óbvio.
ResponderEliminarObrigado pelo esclarecimento Carlos.
Sempre em cima do aconteciemnto.
um abraço
am
Vivendo e aprendendo...obrigada!
ResponderEliminarSempre ouvi dizer que as iniciais PPD significavam Portucalensis Populus Dedicavit oq, traduzido quer dizer:-Dedicado ao Povo de Portugal. Faz mais sentido que dizerem que foi construido com dinheiros públicos
ResponderEliminarNão é uma questão de fazer sentido. Os classicistas como os que conceberam o arco tinham um apego enorme à Antiguidade Clássica e faziam questão que as suas inscrições ficassem conformes com essa epigrafia. Pecvnia Pvblica Dedicat corresponde quase de certeza a uma fórmula antiga romana do tempo da República ou do Império. É por isso que devemos confiar nos estudiosos da epigrafia, que conhecem essas regras e tradições.
ResponderEliminarMuito bem explicado!
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