Estou preocupado com a Europa

Pensamos que a Comunidade Europeia está garantida. É sólida. Os povos que durante dezenas de anos lutaram para construí-la, como os sócios fundadores, aqueles para quem o acesso pareceu em tempos um sonho impossível como nós ou os novos membros da Europa de Leste, parecem finalmente estar contentes e descansados.

Pensar que uma nova grande potência iria emergir do contexto mundial sem oposição não faz sentido. Uma grande potência com níveis de vida invejáveis por todo o mundo, uma grande potência onde onde o respeito pelos direitos do indivíduo atingiu níveis nunca antes sonhados. Uma grande potência tão invejável que não precisa de exércitos para se expandir: basta enviar um convite.

Uma tal coisa incomoda. Nas estratégias de George Bush a animosidade contra a Europa era transparente. Os dirigentes da China não são famosos por falarem muito, mas de certeza que a Europa os incomoda, pois sabem que tarde ou cedo os cidadãos da China, no caminho do desenvolvimento que ambicionam, vão exigir garantias democráticas semelhantes. A Europa ameaça o Islão radical, precisamente através do seu armamento cultural, da sua democracia, das garantias e liberdades dos seus cidadãos. As nossas mulheres elegantes e orgulhosas dão-lhes cabo das cabeças.

A Europa tem aliados também. Um terço da ajuda internacional é europeu. Muitos países subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento têm conseguido usar o carácter relativamente aberto das instituições europeias para conseguir melhores condições económicas. Essa transparência relativa permite também que agendas políticas populares como a luta contra o aquecimento global ou o combate à poluição consigam atravessar às vezes o cinismo interesseiro dos dirigentes nacionais.

A Comunidade Europeia não pode ser atacada frontalmente. É demasiado poderosa e tem uma imagem demasiado boa. A alternativa é muito mais eficaz: provocar a sua desunião. Nos tempos de George Bush, a estratégia foi usar, à volta do ataque ao Iraque, os peões americanos na Europa para a dividir. Os ingleses estão sempre prontos para fazer esse serviço, mas foram ajudados por certos elementos da direita europeia que apostam na subserviência aos americanos, o que resultou na patética cimeira das Lages, com George Bush, José Aznar e Durão Barroso. Ainda se lembram?

Ao longo dos anos, o Reino Unido esteve sempre pronto a fazer estes recados. Quando os ingleses finalmente perceberam que o Império Britânico tinha acabado (e foram os americanos que lhes esfregaram isso na cara da forma mais humilhante, na Crise do Suez), ficaram com o velho problema que sempre os afligiu: impedir que uma potência continental forte lhes corte a autonomia. Como não conseguiram impedir a constituição da CEE, juntaram-se a contragosto. Desde então, foram sempre o parceiro renitente em todos os avanços da União Europeia.

Mas entretanto procuraram outro papel: ser o agente dos Estados Unidos na Europa e contra a Europa. O Reino Unido tem sido assim o centro da resistência anti-europeia no interior da CE, mas tem sido ajudado por outras forças, nomeadamente os novos conservadores e nacionalistas da Europa de Leste, Como Václav Klaus ou o recentemente falecido presidente da Polónia, Lech Kaczynski, que desempenharam um papel preponderante na luta contra o Tratado de Lisboa (ver aqui o papel desempenhado em Portugal pela ala atlantista* do PSD, com exemplo conhecido em José Pacheco Pereira).

Hoje são as questões económicas que estão à frente. O ataque à Grécia e a Portugal não é neutro, não são só números. Lembram-se de Winston Churchill? A barriga mole da Europa, era lá que se devia bater?

A parte perigosa é que neste momento estamos sem líderes. Gente mesquinha e medíocre domina a cena política europeia e da maioria dos países europeus, tanto nas chancelarias como nas oposições. Os povos também parecem ter entrado numa fase de provincianismo conservantista, que acontece intermitentemente nos públicos democráticos. Isso faz com que a União possa sofrer grossas derrotas, não porque as ameaças sejam muito fortes ou perigosas, mas simplesmente por não ter liderança à altura durante a crise.

Estou preocupado. Estou muitíssimo preocupado.


* O atlantismo é é um tema recorrente na política externa portuguesa, já desde os tempos da ditadura: a noção de que os interesses naturais portugueses seriam melhor protegidos enquanto aliado dos interesses americanos que enquanto estado europeu entre muitos; ou então a noção de que Portugal poderia obter melhores resultados na Comunidade se se fizesse representante da agenda norte-americana. Voltar

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