A última valsa

No Vitória Clube das Quintinhas, o baile se São João é um sucesso relativo. Para um clube que tenta recuperar a dinâmica, o facto de terem comparecido sócios em número apreciável é bom. O grande recinto não estava cheio, mas os corpos gerentes dão-se por satisfeitos. É um passo na direção certa.

Depois das sardinhas que estavam gordas e das febras saborosas, alguns pares evoluem no terreiro, ao som da música pimba de Euclides e Durão, um duo veterano nestas andanças, com órgão dotado de batida sintética e vocalista.

Abriram com “Marina, Marina, Marina”, imaginem. Foi um sucesso nos anos 60, era eu garoto, lembro-me perfeitamente.

No todo, uma noite feliz.

 

Euclides_e_DurãoA minha cabeça é que não estava bem. Recentemente, li algumas análises sobre as perspetivas da nossa querida civilização, no site The Oil Drum, e essas são muito pessimistas. Em resumo, a ideia é que o pico do petróleo, a data a partir da qual os hidrocarbonetos fósseis se tornarão cada vez mais caros e difíceis de extrair, se não sucedeu já, está a acontecer nestes anos próximos. O que levaria a um declínio económico à escala mundial, não é? Não. O que os autores da análise sugerem é muito pior, é uma série de catástrofes financeiras devastadoras à escala mundial. Segundo eles, a nossa economia está configurada para viver em crescimento económico e não pode sobreviver em declínio. Nomeadamente o crédito não funcionaria numa economia em contração. Bloqueado o crédito, não haverá recursos para mudar de base energética. O último petróleo nem será extraído, porque já não teremos meios financeiros para o fazer.

“Aperta aperta com ela”, canta o Euclides.

Ainda por cima, os autores chamam para os ajudar a mais implacável das leis da Física, o Segundo Princípio da Termodinâmica. Sem a sua dose constante de energia barata, a nossa civilização não poderá manter a sua complexidade e decairá inevitavelmente para um nível de complexidade inferior. O que implicaria a morte de incontáveis milhões de pessoas que só a agricultura mecanizada pode sustentar, o fim da globalização, o fim da Internet e de um incontável número de coisas.

“Quem eu quero não me quer, que me quer mandei embora”, canta o vocalista, com os pares a rodopiar alegremente no terreiro.

Normalmente eu torceria o nariz a este tipo de música. Agora estou a imaginar, daqui a alguns anos, pares descalços a dançar um folclore qualquer à luz das fogueiras. De repente este baile perece-me um pico da civilização, qualquer coisa que os vindouros contarão incrédulos, como o Facebook ou a ida à Lua. Parece a última valsa.

“Como é que eu hei-de ir daqui embora”, mais uma letra inesquecível.

Pessoalmente não me queixo. Vivi num dos mais tempos mais privilegiados da História do Mundo. Nasci numa casa sem água nem luz, assistido pelas mulheres da família – e passados 57 anos eis-me aqui a comunicar na Internet. Se morrer amanhã, será como um homem feliz. Mas a ideia de um pico da civilização seguido do retrocesso é praticamente insuportável para mim. E ainda por cima tenho netos…

E se elas querem um abraço ou um beijinho, nós pimba, nós pimba”, cantava  o Euclides.

Mas as previsões são o que são. A realidade é tão incomensuravelmente complexa que escolho não entrar em pânico. De resto, desde que deixei de ser marxista, há mais de trinta anos, que saí do negócio da inevitabilidade histórica. Decerto um dia os historiadores (imaginando que as práticas documentais sofisticadas e o método científico sobrevivem) dirão: tendo em conta estes e aqueles fatores, os desenvolvimentos que se seguiram eram inevitáveis. O problema é que essas análises só se podem fazer quando as coisas são vistas pelo espelho retrovisor.

“Bairro Alto e seus amores, mais o fado, foram um dia dar nas vistas”.

Pois, é isso aí. Enquanto vivemos, vivamos. Vai mais um copo?

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