Bacalhau à Brás... da Marinha!

Sempre que a minha tertúlia gastronómica se reunia, era certo e sabido que os seus membros marinheiros, entre reminiscências sobre o rancho da porca e folclores afins, se punham a elogiar o bacalhau à Brás que se comia na Marinha de Guerra nacional. Que não tinha rival, que só uns poucos eleitos dominavam essa arte e que era o prato preferido de cada vez que um navio, no estrangeiro, tinha que fazer uma refeição de cerimónia para as forças vivas locais.
Há para aí um ano, fartei-me daquilo e disse ao Comte. Agnelo Macedo: Já não vos posso ouvir falar do bacalhau à Brás da Marinha! Enquanto não nos puserem a comer esse prato, não voltem a falar no assunto!
 bacalhau à Brás
Imagem (e receita) no blogue Marinada
As caras que os meus amigos marinheiros fizeram (além do Comte. Macedo, estavam lá os sargentos reformados António Monteiro e o saudoso António Silva) tinham piada. Parecia que eu lhes tinha proposto a missão impossível e que ao mesmo tempo, na minha ignorância,  não fazia ideia da complexidade e dificuldade da tarefa.
Mas, apesar disso, disseram que sim. Fiquei com a ideia que a própria dificuldade da tarefa os tinha interessado.
Passados uns tempos, o comandante fez uma contraproposta: uma massinha de bacalhau. Eu vetei imediatamente. Adoro massa, não importa com quê, mas ou bacalhau à Brás ou nada. Pior, acusei-os de estarem com medo do que diriam os críticos.
O perigo era real. Sendo um prato de culto, decerto os convivas com um passado naval iriam compará-lo com as suas memórias mitificadas e a operação podia não ter um resultado feliz. Senti-me um pouco culpado por estar a pressionar os meus amigos nesse sentido.
Mas o argumento do medo foi decisivo. Um militar não pode aceitar uma acusação dessas sem reagir. O bacalhau iria acontecer, foi assegurado a todos.
Suponho que um dos talentos decisivos para um oficial das Forças Armadas é ser capaz de descobrir soluções criativas para problemas difíceis,  usando o mínimo de recursos. O Macedo finalmente achou a solução: convidou um desses miticos cozinheiros da Marinha a vir fazer o nosso bacalhau e comê-lo connosco, o sargento-mor Chagas.
E assim conseguimos finalmente comer o nosso bacalhau à Brás à moda da Marinha. Estava realmente delicioso, acompanhado com um tinto excelente da D. Ermelinda. Comi quase dois pratos acagulados.
Marinheiros, além do Comte. Macedo, estavam os sargentos Monteiro, Teixeira e Chagas, bem como os civis habituais do nossos grupo, que inclui dois antigos arsenalistas,  o Oliveira e o Gaspar. O pobre do Silva, coitado, é que já não chegou até aqui entre os vivos.
Segundo os nossos amigos militares, o pitéu esteve à altura da tradição.  Entre os civis, houve mesmo quem não fosse grande apreciador de bacalhau à Brás,  mas tenha gostado muito deste. Parabéns ao sargento Chagas!
Mais um sucesso para a nossa tertúlia, e as minhas desculpas aos amigos marinheiros pela pressão psicológica. Foi tudo por uma causa bem apetitosa.
À noite, já nem jantei.

Comentários

  1. Realmente sublime esta narrativa.Peço desculpas ao Cabanita de só agora ter visto este artigo de opinião.Quando se proporcionar lá
    estaremos para repetir a dose

    um abraço
    Macedo

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Comente, mesmo que não concorde. Gosto de palmadas nas costas, mas gosto mais ainda de polémica. Comentários ofensivos ou indiscretos podem vir a ter de ser apagados, mas só em casos extremos.

Mensagens populares deste blogue

Mamã, queremos viver!

Interseccionalidade e Teoria Crítica

São fascistas, sim