Trump e a crise do Estado Profundo

Como o regime Trump foi fabricado por uma guerra dentro do Deep State
Uma crise sistémica no Sistema Profundo global levou à radicalização violenta de uma fação do Estado Profundo

Por Nafeez Ahmed

Relatório especial publicado pela INSURGE INTELLIGENCE, um projeto de jornalismo investigativo "crowdfunded" (financiado pelo público) para pessoas e para o planeta. Apoie-nos para continuar cavando onde outros temem ir.


Traduzi este artigo publicado originalmente em medium.com devido à qualidade e premência da sua informação. O conceito de estado profundo usado por Nafeez Ahmed é muito diferente da narrativa entretanto propagandeada pelos adeptos de Trump, de que a sua presidência estaria em conflito com o estado profundo – tido como apenas como agências de espionagem e guerra secreta. O conceito aqui usado inclui todos os interesses oligárquicos, lícitos e ilícitos, nacionais e internacionais, que dirigem, usam e se aproveitam do estado imperial. – Carlos Cabanita

O presidente Donald Trump não está a travar uma uma guerra contra o establishment: está a travar uma guerra para proteger o establishment de si próprio, e de todos nós.

À primeira vista, isto não é óbvio. Entre suas primeiras ações ao assumir o cargo, Trump vetou a Parceria Transpacífica (TPP), o controverso acordo de livre comércio que os críticos acertadamente disseram que levaria a perdas de empregos nos EUA, ao mesmo tempo que daria às corporações transnacionais um poder enorme sobre as políticas estatais nacionais de saúde, educação e outras questões.

Trump pretende ainda abandonar a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) entre a UE e os EUA, a qual iria diluir as principais regulamentações estatais sobre atividades das empresas transnacionais em questões como a segurança alimentar, o ambiente e a banca; e renegociar o NAFTA (acordo de comércio entre o Canadá, os EUA e o México), aumentando potencialmente as tensões com o Canadá.

Trump parece estar em conflito com a maior parte da comunidade de espionagem dos EUA, e está ativamente a tentar reestruturar o governo para minimizar os controlos e equilíbrios, e assim consolidar seu poder executivo.

O estratego-chefe da Casa Branca, Steve Bannon, reestruturou o Conselho de Segurança Nacional, concedendo a si próprio e ao Chefe do Estado-Maior de Trump, Richard "Reince" Priebus, assentos permanentes no Comité de Principais do NSC   abrindo a porta à politização do Conselho de Segurança da Casa Branca.

A Casa Branca de Trump purgou quase todo o pessoal sénior do Departamento de Estado e testou a lealdade do Departamento de Segurança Interna com sua nova ordem de "banimento dos muçulmanos".

Então, o que está a acontecer? Uma abordagem para enquadrar o movimento Trump vem de Jordan Greenhall, que o vê como uma revolta conservadora ("Religião Vermelha") contra o establishment liberal ("Igreja Azul") globalista (o "Estado Profundo"). Greenhall sugere, essencialmente, que Trump lidera um golpe nacionalista contra a globalização neoliberal corporativa usando novas táticas de "espionagem coletiva", para superar e os seus oponentes liberais em esperteza e velocidade.

Mas, na melhor das hipóteses, este é um quadro extremamente parcial.

Na realidade, Trump introduziu algo muito mais perigoso:

O regime de Trump não está a operar fora do Estado Profundo, mas a mobilizar elementos dentro dele para dominá-lo e fortalecê-lo para uma nova missão.

O regime de Trump não está a procurar derrubar o establishment, mas a consolidá-lo contra a perceção da crise de um Sistema Profundo transnacional mais amplo.

O regime Trump não é uma revolta conservadora contra o establishment liberal, mas a criação de um constructo ideológico da crise atual como um campo de batalha conservador-liberal, liderado por uma fação nacionalista particularmente radicalizada e branca de uma elite global.

O ato é não só o produto direto de uma crise sistémica global, mas uma reação míope e mal concebida, preocupada com os sintomas superficiais dessa crise. Infelizmente, aqueles que esperam resistir à reação Trump também não conseguem entender a dinâmica sistémica da crise.

Tudo isso só pode ser compreendido ao olhamos para o quadro geral. Isso significa o seguinte: devemos olhar um pouco mais de perto os indivíduos dentro da Administração de Trump, as redes sociais e institucionais mais amplas que representam e o que emerge da sua interligação no governo; Devemos contextualizar isso contra dois fatores, a escalada da crise sistémica global e o enquadramento ideológico da crise pelo regime Trump (tanto para si como para consumo público); Devemos relacionar isso com o impacto no Sistema Profundo transnacional, e como isso se relaciona com o Estado Profundo dos EUA; E devemos então explorar o que tudo isso significa em termos do escopo de ações que provavelmente serão implementadas pelo regime Trump para perseguir seus objetivos discerníveis.

Esta investigação vai ajudar a estabelecer os fundamentos sobre os quais qualquer pessoa pode construir uma estratégia significativa de resposta que explique a complexidade sistémica total do nosso momento trumpiano.

Portanto, o primeiro passo para diagnosticar nosso momento trumpiano é ver quem o lidera. Vamos começar por olhar para uma secção transversal de algumas das nomeações mais proeminentes de Trump.

1. O regime Trump

Os Monstros do Dinheiro


Se todos os nomeados por Trump forem confirmados, a sua Administração estará entre os governos com mais peso dos negócios e amigos das corporações da história norte-americana.

Cinco das 15 pessoas nomeadas por Trump como secretários de gabinete (equivalente a ministros) não têm experiência no setor público e passaram toda sua carreira no setor corporativo. "Seria mais gente dos negócios sem experiência no setor público do que jamais serviu no gabinete a qualquer momento", conclui o Pew Research Center.

Betsy DeVos foi nomeada para secretária da Educação. É uma bilionária casada com o conglomerado Amway.

Andrew Puzder foi nomeado secretário do Trabalho. É um diretor executivo bilionário da holding de fastfood CKE Restaurants.

O candidato de Trump para secretário do Comércio é o veterano de Wall Street, Wilbur Ross. É um bilionário financeiro que investe em comprar e vender empresas em indústrias com problemas e que fez sua fortuna inicial como gerente de fundos do Grupo Rothschild.

Steven Mnuchin, secretário do Tesouro de Trump, é um ex-sócio do banco de investimento global Goldman Sachs, um gestor de hedge funds e, até sua nomeação, membro do conselho financeiro da holding financeira, CIT Group, membro da Fortune 500. Também é membro da sociedade secreta da Universidade de Yale, Skull and Bones.

Vincent Viola é o candidato de Trump para o secretário do Exército. É um bilionário, ex-presidente da New York Mercantile Exchange (NYMEX) e atual presidente da Virtu Financial, uma empresa de especulação bolsista de alta freqüência.

Linda McMahon é administradora de Pequenas Empresas de Trump. É co-fundadora e ex-diretora executiva da WWE, que neste momento é avaliada em cerca de US$ 1,5 mil milhões, e casada com o bilionário promotor imobiliário da WWE Vincent McMahon.

Gary Cohn é o conselheiro económico principal de Trump e diretor do Conselho Económico Nacional da Casa Branca. Ele acabou de deixar seu cargo anterior de presidente e diretor de operações da Goldman Sachs.

Anthony Scaramucci atuou como conselheiro sénior de Trump no comité executivo da Equipa de Transição presidencial. Anteriormente, foi parceiro co-fundador da empresa global de investimentos SkyBridge Capital. Como Steve Bannon, também começou sua carreira na Goldman Sachs.

Walter "Jay" Clayton é o candidato de Trump à Comissão de Títulos e Bolsa (Securities & Exchange Commission, SEC), o órgão regulador da indústria financeira. No entanto, Clayton é um advogado da Wall Street que trabalhou em acordos para grandes bancos, como a aquisição dos ativos da Lehman Brothers pela Barclays Capital, a venda da Bear Stearns à JP Morgan Chase e o investimento do Tesouro na Goldman Sachs. Na mesma capacidade, ele fez campanha para reduzir as restrições às empresas públicas estrangeiras e defendeu a aplicação frouxa da Foreign Corrupt Practices Act. A sua esposa, Gretchen Butler, trabalha para a Goldman Sachs como consultora de fortunas privadas.

A equipa de monstros do dinheiro de Trump não planeia atuar no interesse dos trabalhadores norte-americanos – eles farão o que melhor sabem: usar o considerável poder do Estado norte-americano para quebrar o máximo possível de restrições regulatórias sobre a finança bancária global, dando atenção especial a privilegiar os bancos e corporações dos EUA.


Fonte: Earth Island Journal via Chris van Es www.chrisvanes.com

Os Malucos dos Combustíveis Fósseis

A administração de Trump não foi comprada só por Wall Street. Foi comprada pelas indústrias do petróleo, do gás e do carvão.

Rex Tillerson é o secretário de Estado de Trump (ministro dos Negócios Estrangeiros), e ex-presidente e diretor executivo do conglomerado gigante do petróleo e do gás ExxonMobil. Como o maior de todos do mundo, a ExxonMobil é rainha de facto dos interesses dos combustíveis fósseis. Tillerson mantém estreitos laços comerciais com o presidente russo, Vladimir Putin, e chefiou anteriormente a petrolífera conjunta EUA-Rússia Exxon Neftegas.

Tillerson é amigo de Igor Sechin, que chefia a fação de Serviços de Segurança Militar do Kremlin conhecida como Siloviki. A ExxonMobil também teve laços íntimos com a Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes Unidos sob Tillerson. Em qualquer caso, Trump recompensou ricamente Tillerson pelos serviços prestados – 91% dos US$ 1,8 milhões doados a candidatos federais pela PAC da ExxonMobil sob Tillerson para este ciclo eleitoral, foram para os republicanos.

É bem sabido que a ExxonMobil tem financiado o ceticismo sobre o aquecimento global com dezenas de milhões de dólares. O que é menos conhecido é que, nos anos 70, a própria pesquisa científica da ExxonMobil validou completamente a realidade científica da alteração climática. No entanto, os executivos da empresa tomaram uma decisão empresarial interesseira de suprimir essas descobertas e financiar os esforços para desacreditar a ciência climática.

Rick Perry, o ex-governador do Texas, é o secretário de Energia de Trump. Perry é diretor de administração da Energy Transfer Partners LP e da Sunoco Logistics Partners LP, que desenvolveram em conjunto o projeto Dakota Access Pipeline. O diretor executivo da Energy Transfer Partners, Kelcy Warren, doou US$ 5 milhões para uma super-PAC apoiante de Perry. Mais geralmente, suas duas campanhas presidenciais receberam mais de US$ 2,6 milhões da indústria de petróleo e gás.

Scott Pruitt, ex-procurador-geral do Oklahoma, é o novo chefe da Agência de Proteção Ambiental. Pruitt tem um histórico de lançamento de ações judiciais federais para enfraquecer e destruir regulamentações da EPA, não apenas sobre as emissões de carbono, mas em todos os tipos de regras ambientais básicas sobre a poluição do ar e da água. O New York Times relata que ele e outros procuradores-gerais republicanos criaram uma "aliança secreta sem precedentes" com a indústria do petróleo.

O congressista Ryan Zinke é o indicado de Trump para o secretário do Interior. Durante as audiências de confirmação do Senado, recusou-se a admitir a precisão do consenso científico sobre a atividade humana como causa dominante das mudanças climáticas. Zinke apoiou medidas de energia limpa no passado, mas em maio de 2016, patrocinou um projeto de lei para impor um prazo limite à moratória de Obama sobre o leasing de carvão federal. Tem votado rotineiramente contra medidas de proteção ambiental, apoiando o uso de combustíveis fósseis, procurando minimizar o envolvimento público e estadual na gestão de terras públicas, ao mesmo tempo em que se opõe à proteção de espécies ameaçadas de extinção.

A filosofia de Zinke é basicamente drill, baby, drill (perfura, perfura). É por isso que ele recebeu mais de US$ 300 mil em doações de campanha de companhias de petróleo e gás que querem acelerar a perfuração em terras públicas.

Mike Catanzaro é o indicado de Trump para assistente especial para a Energia e o Ambiente. Ele também é um lobista de negação climática da indústria de petróleo e gás, trabalhando para a Koch Industries, a Aliança de Gás Natural (ANGA) da América, a Halliburton, a Noble Energy, a Hess Corporation e muitos outros. No início de sua carreira, foi vice-diretor de política da campanha presidencial Bush-Cheney de 2004.

Os freaks de combustível fóssil querem queimar todo o petróleo, gás e carvão que puderem, a qualquer custo — e estão dispostos a desmantelar quaisquer proteções ambientais no seu caminho.

A Brigada das Operações Secretas


Seria errado assumir que os conflitos de Trump com a comunidade de espionagem dos EUA significam que esteja necessariamente em desacordo com o complexo militar-industrial. Pelo contrário, os seus defensores e assessores estão embebidos em todo o complexo. A secretária de Educação de Trump, DeVos, é irmã de Erik Prince, o notório fundador da empresa de segurança privada caída em desgraça Blackwater, agora conhecida como Academi, que foi denunciada por matar 17 civis iraquianos.

Uma fonte na Equipa de Transição de Trump confirma que Erik Prince aconselhou a equipa de Trump sobre questões de espionagem e segurança. Prince agora dirige outra empresa de segurança, o Frontier Services Group. Ele apoia a proposta de Trump de que os militares dos Estados Unidos tomem o petróleo do Iraque e recomenda a escalada de agentes privados de defesa em todo o Oriente Médio e Norte da África, como na Líbia, para combater os refugiados.

O general "Mad Dog" James Mattis é secretário de Defesa de Trump. Também esteve, até à renúncia devido à sua nomeação política, no Conselho de Administração da General Dynamics, o quinto maior empreiteiro de defesa privado do mundo. Mattis também está no conselho de administração da Theranos, uma empresa de biotecnologia conhecida pela sua tecnologia automatizada questionável de teste de sangue do dedo.

O tenente-general Mike Flynn foi Conselheiro de Segurança Nacional de Trump até renúncia em 13 de fevereiro, devido aos seus laços com a Rússia. Foi chefe da Agência de Inteligência de Defesa do Pentágono (DIA) sob Obama, e um antigo insider de espionagem militar e operações especiais. Anteriormente, foi diretor de espionagem do Comando Conjunto de Operações Especiais; Diretor de Espionagem do Comando Central dos EUA; Comandante do Comando Conjunto de Componentes Funcionais para Inteligência, Vigilância e Reconhecimento; Presidente da Junta de Inteligência Militar; e Diretor Assistente de Inteligência Nacional. Flynn também dirige o Flynn Intel Group, uma empresa de consultoria de espionagem privada.

Flynn acaba de ser co-autor de um livro com Michael Ledeen, The Field of Fight: How We Can Win the Global War Against Radical Islam and its Allies. Ledeen é um consultor de defesa neoconservador e ex-nomeado na Administração Reagan que esteve envolvido no caso Irão-Contras como consultor do então assessor de Segurança Nacional dos EUA, Robert McFarlane. Atualmente é investigador na Fundação para a Defesa das Democracias (FDD), e foi um firme defensor da invasão do Iraque em 2003 (estava diretamente envolvido nas falsificações sobre yellowcake, bolo amarelo de urânio, tentando fabricar uma ameaça de armas de destruição em massa para justificar a guerra). Fez ainda campanhas para intervenções militares na Síria, Irão e outros lados. A agressiva visão de política externa de Ledeen teve influência profunda na formação da estratégia de política externa da Administração Bush.

Vale a pena notar como Ledeen desce tão baixo na sua filosofia política. No seu livro de 2000, Tocqueville on American Character, Ledeen argumenta que, em algumas situações, "a fim de alcançar as realizações mais nobres, o líder pode ter que 'entrar no mal'" (p.90). Que isso é sancionado pelo Deus cristão: "Como é o bem supremo, a defesa do país é uma daquelas situações extremas nas quais um líder é justificado em cometer o mal" (p. 117).

Esse tipo de pensamento levou-o a recomendar a caldeiração do Oriente Médio. Em 2002, ele escreveu em apoio à invasão do Iraque: "Só podemos esperar transformar a região num caldeirão, e o mais rápido possível, por favor. Se alguma vez houve uma região que merecia ricamente ser caldeirada, é o Oriente Médio hoje".

O General John F. Kelly é o Secretário de Trump para a Segurança Interna. É um general aposentado do Corpo dos Marines dos Estados Unidos que serviu anteriormente sob Obama como comandante do Comando Sul dos EUA, responsável pelas operações militares norte-americanas na América Central, América do Sul e Caraíbas. Antes disso Kelly era o comandante geral da Força Múltipla-Oeste no Iraque, e o comandante das Força Navais de Reserva e das Forças Navais do Norte. Kelly também é vice-presidente do Spectrum Group, uma firma de lobby de empresas contratantes de defesa e está no Conselho de Administração de dois outros contratantes privados do Pentágono, Michael Baker International e Sallyport Global.

James Woolsey, ex-diretor da CIA e intrépido neoconservador – ex-vice-presidente da contratante da NSA Booz Allen Hamilton, está entre os patrões de Michael Ledeen na Fundação para a Defesa das Democracias – foi um dos primeiros adeptos de Trump e conselheiro sénior na sua equipa de transição. Saiu devido a reservas sobre os planos de Trump de reestruturar a comunidade de espionagem.

O tenente-general Joseph Keith Kellogg é Chefe de Gabinete e Secretário Executivo do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca de Trump – mas substituiu Flynn como Assessor de Segurança Nacional. Kellogg foi o principal oficial de tecnologia da informação dos militares dos EUA durante a invasão do Iraque pelo governo Bush em 2003.
Tornou-se chefe de operações da Autoridade Provisória da Coalizão em Bagdad, o mecanismo para a ocupação norte-americana do Iraque, de novembro de 2003 a março de 2004 – período amplamente reconhecido como particularmente corrupto e inepto.

Entretanto, Kellogg ingressou no conselho de administração do contratante de TI do governo dos Estados Unidos, a GTSI Corp, onde retornou como diretor independente depois de seu período no Iraque de 2004 até 2013 – quando a firma mudou de nome para "UNICOM Government Inc", numa tentativa de se distanciar de revelações anteriores de má conduta.

Kellogg juntou-se mais tarde ao Conselho Consultivo da empresa de defesa Raytheon Trusted Computer Solutions Inc., e ao Conselho Consultivo Estratégico da RedXDefence, um empreiteiro militar dos EUA, de propriedade de Regina Dugan, ex-diretora da Agência de Projetos de Defesa e Pesquisa Avançada do Pentágono (DARPA).

Em 2012, a revista Wired denunciou RedXDefense como criador de tecnologia de deteção de bomba inteiramente incapaz sob um contrato DARPA de vários milhões de dólares, durante o mandato de Dugan. Apesar de suas falhas, a tecnologia foi adquirida amplamente pelos militares dos EUA, e numerosos militares aliados em todo o mundo.


Mike Pompeo é a cereja no topo do bolo. Como diretor da CIA de Trump, este congressista republicano não tem nenhuma experiência óbvia relevante para administrar uma agência de espionagem nacional, exceto talvez por uma coisa: como Jane Mayer escreve em seu livro Dark Money: The Hidden History of Billionaires Behind the Rise of the Radical Right (Doubleday 2015), Pompeo está "tão intimamente entrelaçado com a negação da mudança climática dos irmãos Koch que era conhecido como o congressista de Koch".

Os irmãos Koch, que fizeram sua fortuna investindo em combustíveis fósseis, agora têm uma linha direta para a principal agência de espionagem nacional da América do Norte. Isso é que se pode chamar golpe.

O Ku Klux Klan


O nacionalismo branco virulento é outra característica fundamental do regime de Trump.

Steve Bannon foi presidente fundador de Breitbart News, "a plataforma do alt-right" de acordo com o próprio Bannon. Breitbart é amplamente conhecido por publicar "material racista, sexista, xenófobo e anti-semita". Bannon é também um prolífico produtor cinematográfico e fez ou contribuiu para uma série de filmes xenófobos.

Antes de sua ascensão ao status de magnate dos media, porém, Bannon passou um breve tempo como diretor interino da experiência Biosphere 2, um esforço para criar um ambiente auto-suficiente "fechado" onde um pequeno grupo de pessoas podia sobreviver, de 1993 a 1995. Ao tempo, Bannon pareceu compartilhar e apoiar fortemente as preocupações dos cientistas da Biosphere 2 sobre o perigo da mudança climática provocado por, nas suas próprias palavras, "o resultado dos gases de efeito estufa em seres humanos, plantas e animais". Mais tarde passou por uma reviravolta tipo Exxon, ilustrada pela oposição intensa de Breitbart à ideia de que a queima de combustíveis fósseis pela civilização humana está a intensificr as mudanças climáticas.

Em 2007, Bannon produziu uma proposta para um novo documentário, Destruindo o Grande Satã: A Ascensão do Facismo Islâmico na América, que acusou vários meios de comunicação, "Universidades e a Esquerda", a "Comunidade Judaica Americana", a União Americana de Liberdades Civis (ACLU), a CIA, o FBI, o Departamento de Estado e a Casa Branca como "habilitadores" de uma missão secreta para estabelecer uma "República Islâmica nos Estados Unidos".

Bannon consultou sobre a proposta Steven Emerson do Projeto de Investigação sobre Terrorismo. Em 2015, Emerson foi descrito como um "completo idiota" pelo então primeiro-ministro David Cameron, por alegar falsamente na Fox News que a Grã-Bretanha está cheia de "zonas proibidas" muçulmanas (como toda a cidade de Birmingham), e que Londres está a enlouquecer com polícia religiosa muçulmana a bater e ferir quem que se recuse a vestir-se de acordo com os código de vestuários muçulmanos.

A lista de entrevistados de Bannon para o filme proposto é como um Quem é Quem da extrema-direita mais intolerante. Dois dos nomes mais conhecidos incluíram Walid Phares, que aconselhou Trump em sua equipa de segurança nacional durante a campanha presidencial, e Robert Spencer. Ambos estão ligados ao Centro de Política de Segurança (CSP), um centro de pesquisas de extrema-direita dirigido pelo ex-funcionário da Defesa de Reagan, Frank Gaffney, onde aparecem regularmente como convidados no programa de rádio Secure Freedom do CSP, dirigido pelo mesmo Gaffney. Phares é também um membro sénior da Fundação para a Defesa da Democracia.

O CSP de Frank Gaffney encomendou a sondagem de opinião original enviesada que foi citada por Trump para justificar a sua "proibição muçulmana", quando a anunciou pela primeira vez no final de 2015. Portanto, não é claramente coincidência que Kellyanne Conway, a pesquisadora que realizou essa sondagem enviesada, seja agora conselheira do Presidente.

Gaffney tem assim um grau significativo de influência ideológica sobre o regime de Trump. Este apareceu pelo menos 34 vezes no programa de rádio Breitbart de Bannon. O seu trabalho também foi citado em discursos de Michael Flynn, conselheiro de segurança nacional de Trump entretanto demitido.

De forma alarmante, Gaffney tem conexões perturbadoras com grupos neonazis em toda a Europa, como o Partido Popular Dinamarquês (DPP) e o Vlaams Belang (VB) na Bélgica.

Mas tem simultaneamente laços estreitos com o complexo militar-industrial dos EUA. Em 2013, os registos de impostos da CSP mostraram que tinha recebido financiamento de seis dos maiores construtores aeroespaciais e de defesa dos EUA, a saber, Boeing (US$ 25.000); General Dynamics (US$ 15.000); Lockheed Martin (US$ 15.000); Northrup Grumman (US$ 5.000); Raytheon ($ 20.000); e General Electric (US$ 5.000). O CSP tem uma relação particularmente estreita com a Boeing, a segunda maior empresa de defesa do mundo, que ainda oferece ao grupo de Gaffney um "apoio geral".
Michael Reilly, que foi diretor de Orçamento e Análise de Programas na Boeing desde 2010, foi anteriormente vice-presidente de Operações de Gaffney no CSP.

Esses laços incestuosos com o setor de defesa privado dos EUA constituem uma das principais razões para que 22 oficiais ou conselheiros do CSP de Gaffney tenham obtido nomeações no governo de George W. Bush.

O senador Jeff Sessions é procurador-geral de Trump. O CSP de Gaffney concedeu a Sessions o prémio anual Guardião da Chama em 2015. Sessions já expressou simpatia pelo Ku Klux Klan. Tem estreita associação com organizações anti-imigrantes de extrema-direita fundadas por John Tanton, uma força motriz nos movimentos nacionalistas brancos da América. Em 1993, Tanton declarou: "... para que a sociedade e a cultura euro-americanas persistam, é necessária uma maioria euro-americana, e que seja clara". No entanto, o novo procurador-geral de Trump é conhecido por frequentemente citar os grupos de Tanton, aparecer nas suas conferências de imprensa e até recebeu reconhecimento e contribuições de campanha deles.

A conexão John Tanton abre uma lata de vermes. Kellyanne Conway, conselheira de Trump, também está ligada a Tanton. A sua empresa de pesquisas já tinha sido contratada pela Federação para a Reforma de Imigração Americana (FAIR), de Tanton.

Numerosos outros funcionários envolvidos na equipa Trump – Lou Barletta, Kris Kobach e Julie Kirchner – têm laços organizacionais diretos com a FAIR de Tanton.


Mas isso liga altos funcionários de Trump a uma triste história de agitação neo-nazi nos EUA. Tanton recebeu grandes somas de dinheiro adiantado para a FAIR do Pioneer Fund, uma organização pró-nazi que financiava a eugenia – a "ciência" desacreditada da "higiene racial". As várias plataformas anti-imigrantes de Tanton receberam dinheiro do Pioneer Fund em 2002. Segundo um estudo da Albany Law Review, o Pioneer Fund teve vínculos diretos com cientistas nazis e seus diretores fundadores eram simpatizantes dos nazis. Um deles viajou para a Alemanha em 1935 para assistir a uma conferência nazi sobre população.

Stephen Miller é consultor sénior de política de Trump. Anteriormente trabalhou como diretor de comunicações para Jeff Sessions, no seu escritório de senador, e elaborou a estratégia para derrotar um projeto de lei de reforma migratória em 2013. Durante seus dias universitários, trabalhou em estreita colaboração com o líder neonazi Richard Spencer, que cunhou o termo alternative-right como uma nova forma de captar um movimento sobre a identidade racial branca.

Miller nega ter trabalhado em estreita colaboração com Spencer quando eles estavam na universidade juntos, como membros da Duke Conservative Union. Segundo Spencer, Miller ajudou-o na angariação de fundos e promoção para um debate no campus sobre a política de imigração em 2007. O evento contou com Peter Brimelow, que dirige o site nacionalista Vdare.com, que publica regularmente artigos de neonazis. O relacionamento de Miller com Spencer nessa altura foi confirmado por correspondência eletrónica entre Spencer e Brimelow.

Talvez seja interessante notar que a inspiração para as simpatias neonazis de Tanton eram, ostensivamente, preocupações ambientais. Num artigo recente ele admite que "o meu interesse inicial em reduzir a imigração foi motivado por uma preocupação de longa data com o meio ambiente"..

De 1971 a 1975, Tanton foi presidente do Comité Nacional de População de uma das mais antigas organizações ambientais da América, o Sierra Club. A sua teoria era que a imigração impulsiona o crescimento populacional insustentável, que então drena os recursos e prejudica o meio ambiente. A crise ambiental, do ponto de vista de Tanton, é um problema populacional – especificamente, um problema de demasiadas pessoas. Em parte, lidar com isso significa reprimir a imigração – isso, ironicamente, numa nação fundada na imigração.

Esta ideologia proto-nazi insidiosa parece agora ter uma influência no funcionamento na Casa Branca através dos delegados ideológicos de Tanton, muitos dos quais estão ligados a Gaffney e aos seus acólitos no regime Trump.


O Gang dos Gurus

A ideologia unificadora que confere coerência a essas redes cruzadas de influência vem de uma variedade de pessoas, mas as seguintes destacam-se em particular.

Michael Anton é uma figura pouco conhecida mas poderosa no governo Trump, agora diretor sénior de comunicações estratégicas no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. Iniciou a sua carreira como redator de discursos e secretário de imprensa para o mayor de Nova York, Rudy Giuliani, antes de se juntar à Casa Branca de Bush em 2001 como assessor de comunicação do Conselho de Segurança Nacional. Em seguida tornou-se redator de discursos para o magnata da media Rupert Murdoch, na News Corp. A seguir mudou-se para o setor financeiro, em primeiro lugar como diretor de comunicações do Citigroup, em seguida, como diretor-gerente da empresa de investimentos BlackRock.

Anton desempenhou um papel importante na tentativa de persuadir e convencer os conservadores, através de vários escritos anónimos em publicações conservadoras e em redes de bastidores, da necessidade de votar Trump para afastar a crise de declínio conservador, no meio das falhas apocalípticas do liberalismo.

Rupert Murdoch tem uma linha direta para a Casa Branca de Trump através de Michael Anton, mas o proprietário da News Corp esforçou-se muito para construir uma relação pessoal. Murdoch e sua esposa Jerry Hall foram hospedados por Trump para jantar num campo de golfe seu na Escócia, em junho de 2016. Mais tarde Murdoch foi visto visitando a Trump Tower em novembro de 2016. Murdoch procura ter influência significativa sobre Trump, que teria solicitado ao proprietário Fox News que recomendasse quem preferia como candidato para presidir à Comissão Federal de Comunicações.

A conexão de Murdoch tem outras ramificações alarmantes. Desde 2010, Murdoch é membro do conselho de administração da Genie Oil & Gas, empresa norte-americana de energia. Ele tinha-se associado a Lord Jacob Rothschild, presidente da Rothschild Investment Trust (RIT) Capital Partners, para comprar uma participação de 5,5% nessa corporação, então com um valor de US$ 11 milhões.

Murdoch e Rothschild servem no conselho consultivo estratégico da Genie. Também nesse conselho estão Larry Summers, ex-diretor do Conselho Econômico Nacional do presidente Obama; o ex-conselheiro sénior de Trump, James Woolsey; Dick Cheney, ex-vice-presidente sob George W. Bush; e Bill Richardson, ex-secretário de Energia sob Clinton e governador do Novo México.

A Genie Oil & Gas tem duas subsidiárias principais. Uma delas, a Afek Oil & Gas, opera em Israel e atualmente está a perfurar nos Montes Golan, que sob o direito internacional são reconhecidos como território sírio. Os Montes Golan foram capturado por Israel à Síria em 1967, e anexados unilateralmente em 1981 com a introdução da lei israelita no território. A outra subsidiária da Genie, a American Shale Oil, é um projeto conjunto com a gigante francesa Total SA, e opera na Formação Green River do Colorado.


Captura de ecrã do site da subsidiária da Genie, em parte propriedade de Rupert Murdoch.

No seu site, a empresa oferece uma declaração extraordinária sobre sua lógica para se concentrar em recursos não convencionais de petróleo e gás:

"O pico da produção mundial de petróleo apresenta aos EUA e para o mundo um enorme desafio. Ações agressivas deve ser levadas a cabo para evitar custos económico, sociais e políticos sem precedentes".

Isso pode bem revelar muito sobre a as perceções da crise dos que influenciam o regime de Trump.

A administração de Trump foi aumentada ainda mais por um homem com laços especialmente extensos ao estado profundo dos EUA: Henry Kissinger.

Desde dezembro de 2016, Kissinger, o notório ex-secretário de Estado acusado de cumplicidade em crimes de guerra pelo falecido Christopher Hitchens – e que já desempenhou papéis de consultoria direta nos governos anteriores de Bush e Obama – tornou-se o guru não oficial da política externa de Trump. Kissinger era um consultor secreto de segurança nacional do presidente Bush, e sob Obama esteve diretamente envolvido na cadeia de comando do Conselho Nacional de Segurança dos EUA.

Agora parece estar intimamente envolvido na evolução das políticas externas de Trump em relação à China e à Rússia. A sua empresa, Kissinger Associates, tem desempenhado durante alguns anos um papel central em facilitar o acesso de numerosas empresas dos EUA a lucrativos investimentos chineses.

O estilo peculiar de Trump de anúncios políticos improvisados ​​e caóticos pode muito bem ter atraído Kissinger, que argumentou que a "imprevisibilidade" é uma marca registrada dos maiores estadistas. Esses líderes agem para lá do tipo de "previsão das catástrofes" oferecido por especialistas estabelecidos que recomendam cautela; em vez disso, entregam-se à "criação perpétua, a uma redefinição constante dos objetivos". Os maiores estadistas são capazes de "manter a perfeição da ordem" e ao mesmo tempo "ter a força de contemplar o caos", onde podem "encontrar material para a criação fresca".

O papel crítico de Kissinger no desenvolvimento da estratégia de Trump para o oriente foi revelado pelo tablóide alemão Bild, que obteve um documento da equipa de transição Trump. O documento confirmou o papel de Kissinger como chave-mestra para criar uma forma de reconstruir as relações com a Rússia. O plano de Kissinger incluiria o levantamento das sanções económicas norte-americanas – aplanando o caminho para uma parceria potencialmente lucrativa entre companhias de petróleo e gás norte-americanas e russas – e reconhecendo a posse da Crimeia pela Rússia.

Entretanto, o conselho de Kissinger sobre a política da China ainda não é totalmente conhecido. Escrevendo no South China Morning Post, Pepe Escobar argumenta que o registo de Kissinger sugere que Trump irá implementar "uma mistura de 'equilíbrio de poder' e 'dividir para reinar'. Consistirá em seduzir a Rússia para longe de seu parceiro estratégico, a China; manter a China constantemente numa espécie de alerta vermelho; e visar o Estado Islâmico enquanto continuam a perseguir o Irão".

O papel consultivo "não oficial" de Kissinger no regime Trump é solidificado através da influência direta de uma sua acólita de longa data.

KT McFarland, que irá (iria) trabalhar sob Michael Flynn como conselheira nacional de segurança de Trump, foi assessora de Henry Kissinger durante o governo de Nixon no Conselho de Segurança Nacional de 1970 a 1976. Nessa qualidade, ela desempenhou um papel principal no trabalho do notório e originalmente classificado National Security Study Memorandum 200 (NSSM200) de 1974. O documento preconizava que o crescimento populacional nos países mais pobres era a principal ameaça aos interesses de segurança exterior e outros dos EUA, especialmente ao pôr em perigo o acesso dos EUA a "suprimentos minerais".


Fazendo a América odiar novamente

Parece que há temas comuns entre os diferentes agrupamentos que compõem o regime Trump. Entre eles estão experiências e reconhecimento da crise: Rex Tillerson e Steve Bannon, por exemplo, vêm de origens que reconhecem a realidade da crise ecológica planetária.

Os interesses energéticos ligados a Murdoch acreditam numa iminente crise social, económica e política devido ao pico do petróleo.

A maioria dos parceiros de Trump vê como sua tarefa salvar as indústrias de combustíveis fósseis de crises externas a eles, e agora todos ostensivamente tendem a negar a gravidade dos impactos ambientais da indústria.

Todos estão preocupados com os lucros de seus amigos em Wall Street.

Um grande número de associados da equipa Trump tem laços com John Tanton, cujos pontos de vista proto-nazis estão enraizados numa crença inspirada na eugenia de que a crise ambiental é devida a demasiadas pessoas não brancas.

E agora a equipa de segurança nacional de Trump baseia-se nos pontos de vista paralelos da antiga equipa Kissinger de Nixon sobre a ameaça de países pobres superpovoados que minam o acesso dos EUA aos recursos mundiais de alimentos, energia e matérias-primas – para os quais a solução poderia ser "caldeirar" esses países de interesse estratégico.

Essas perceções de crise, no entanto, não estão fundamentadas na consciência sistémica, mas são refratadas através das lentes estreitas do poder egoísta. As crises são relevantes apenas na medida em que representam uma ameaça aos seus interesses. Mas o mais importante é que suas crenças sobre como responder a essas crises acabam sendo refratadas pelo quadro ideológico da polaridade liberal-conservadora.

2. O sistema profundo


Talvez a mais poderosa aquisição deste exame de quem a Administração Trump realmente é, seja que o regime Trump não é externo ao Estado Profundo. Pelo contrário, as pessoas que ocupam cargos superiores na sua Administração, tanto formais quanto de outro modo, são nós-chave que representam camadas inteiras de redes sociais e institucionais dentro e em todo o estado profundo dos Estados Unidos.

Se isso não é imediatamente óbvio, é porque há muitos mal-entendidos sobre o que o Estado Profundo realmente é. O Estado Profundo não é simplesmente "a comunidade de espionagem". Quando se adota uma compreensão mais precisa do Estado Profundo norte-americano e sua incorporação simbiótica num Sistema Profundo transnacional, o papel da facção Trump pode ser devidamente discernido.

Estado secreto, sistema opaco

No seu livro Deep Politics and the Death of JFK (University of California Press, 1996), o professor Peter Dale Scott cunhou o termo "política profunda" para designar o estudo de práticas criminais e extra-legais ligadas ao Estado. Ele definiu um profundo sistema político ou processo como aquele em que órgãos institucionais e não-institucionais, sindicatos criminais, políticos, juízes, media, corporações e funcionários governamentais líderes, recorrem a "tomada de decisão e procedimentos de execução fora e dentro daqueles sancionados pela lei e pela sociedade. O que torna esses procedimentos suplementares 'profundos' é o facto de que são encobertos ou suprimidos, fora da consciência pública, bem como fora dos processos políticos sancionados".

A análise política profunda está, portanto, preocupada em revelar a tendência do Estado para entrar em atividade fora do próprio Estado de direito. Do ponto de vista da ciência política convencional, a aplicação da lei e o submundo criminoso são opostos uns aos outros, os primeiros lutando para ganhar o controle do último. Mas, como observa Scott:

"Uma análise política profunda observa que, na prática, esses esforços de controle levam ao uso de informantes criminais; e esta prática, continuada por um longo período de tempo, transforma informantes em agentes duplos com status dentro da polícia, bem como da mafia. A proteção dos informantes e dos seus crimes encoraja favores, recompensas e, eventualmente, corrupção sistémica. O fenómeno do 'crime organizado' surge: estruturas criminais inteiras que passam a ser toleradas pela polícia por causa de sua utilidade em informar sobre criminosos menores".

Isso pode levar a uma forma de simbiose crime-estado, desfocando os parâmetros de definição de que lado controla o outro. Do lado de fora, isso aparece como o surgimento de uma dimensão profunda invisível às atividades estatais vinculando-a ao crime organizado, quando na realidade o que está acontecendo é que o estado é intrinsecamente poroso: seu lado profundo invisível liga-o a toda a espécie de atores privados, extrajudiciais, que muitas vezes procuram operar fora ou em violação da lei – ou para influenciar ou dobrar a lei para servir seus interesses.

Na sua obra mais recente, The American Deep State, Scott também reconhece neste sentido que o Estado Profundo "não é uma estrutura, mas um sistema, tão difícil de definir, mas também tão real e poderoso como o sistema meteorológico".

Como mostrei no meu artigo publicado na antologia The Dual State (Routledge, 2016), uma das características menos compreendidas da política profunda, então, é que o estado profundo deve inerentemente ser entrosado com um grande variedade de influenciadores não estatais e muitas vezes transnacionais através de corporações, instituições financeiras, bancos e empresas criminosas.

O sistema profundo global do pós-guerra

O papel histórico dos EUA como o principal formador do capitalismo global significa que a globalização do capitalismo permitiu o surgimento e expansão de um Sistema Profundo transnacional dominado pelos EUA – dentro deste Sistema Profundo global, uma elite financeira transnacional dominada pelos EUA tornou-se inerentemente enredada com redes criminosas.

A expansão do capitalismo global desde 1945 não foi um processo automatizado. Pelo contrário, foi um processo profundamente violento liderado principalmente pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Europa Ocidental. Ao longo, a CIA e Wall Street agiram em grande parte lado a lado. A globalização estava ligada diretamente a intervenções militares em mais de 70 nações em desenvolvimento, criadas para criar as condições políticas favoráveis ​​a mercados que seriam abertos à penetração do capital ocidental e, portanto, à dominação dos recursos e mão-de-obra locais. A lógica da política profunda exigia que grande parte dessa violência política criminosa em teatros estrangeiros fosse suprimida da consciência pública, ou então justificada de diferentes maneiras.

Isso foi reconhecido em particular pelos planeadores do Departamento de Estado dos EUA trabalhando em parceria no momento com o Conselho de Relações Exteriores:

"Se os objetivos de guerra são declarados, de modo que pareçam estar preocupados apenas com o imperialismo anglo-americano, oferecerão pouco às pessoas no resto do mundo... Tais objetivos também fortaleceriam os elementos mais reacionários nos Estados Unidos e no Império Britânico. Os interesses de outros povos devem ser salientados, não apenas os da Europa, mas também da Ásia, África e América Latina. Isso teria um efeito de propaganda melhor".

É surpreendente o número de pessoas que morreram no decorrer dessa integração forçada de ex-colónias em toda a Ásia, África, América do Sul e Oriente Médio na órbita de uma emergente economia global dominada pelos EUA e pelo Reino Unido.

No seu livro, Unpeople (2004), o historiador britânico Mark Curtis oferece uma discriminação detalhada do número de mortos de aproximadamente 10 milhões – uma subestimação conservadora, considera ele. O economista norte-americano Dr. JW Smith, na sua Economic Democracy (2005), argumenta que a globalização foi:

"...responsável por matar violentamente 12 a 15 milhões de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial e causado a morte de centenas de milhões a mais, à medida que as suas economias foram destruídas ou a esses países foi negados o direito de se reestruturarem para cuidar de seu povo... esse é o palmarés dos centros de capital imperial do ocidente de 1945 a 1990".

A coberto desta profunda e transnacional violência política – que permanece obscurecida nos meios de comunicação convencionais e na educação histórica – os EUA e o Reino Unido erigiram uma arquitetura financeira global para servir os interesses das suas mais poderosas instituições corporativas e bancárias, as quais têm uma influência decisiva na classe política.

O poder estatal foi implantado para integrar os recursos, matérias-primas, reservas de energia de combustíveis fósseis e mão-de-obra barata dessas vastas áreas do mundo numa economia global dominada por interesses de elite transnacionais baseados principalmente nos EUA, Reino Unido e Europa Ocidental.

Isso também abriu caminho a novas formas de criminalização do poder do Estado. Isso pode ser ilustrado com um poderoso exemplo da especialista em finanças do terrorismo Loretta Napoleoni, que presidiu ao grupo de financiamento do terrorismo do Clube de Madrid.

Ela relata que a desregulamentação financeira perseguida pelos sucessivos governos dos Estados Unidos abriu caminho para que diferentes grupos armados e terroristas se ligassem uns aos outros e com o crime organizado, gerando uma economia criminosa global avaliada em cerca de US$ 1,5 trilhão (1,5×1012). Esta economia criminosa consiste em "transferências ilegais de capitais, lucros de empresas criminosas, tráfico de drogas, contrabando, negócios jurídicos, etc.", a maioria dos quais é reciclada para as economias ocidentais através do branqueamento de capitais passando pelas principais instituições financeiras: "É um elemento vital do fluxo de caixa dessas economias".

Mas o problema vai mais longe. Como o principal meio de troca desta economia criminosa é o dólar norte-americano, o papel deste último como moeda de reserva mundial cimentou uma situação estrutural em que o poder económico do Tesouro dos Estados Unidos se tornou condicionado pela imunidade económica das redes criminosas transnacionais, que sistematicamente usam dólares norte-americanos para transações criminais: quanto maior o stock de dólares mantidos no exterior, maior será a fonte de receita para o Tesouro dos Estados Unidos.

Esses exemplos ilustram como o Estado Profundo dos EUA opera como regulador principal de um Sistema Profundo global, no qual os fluxos financeiros internacionais aparentemente legítimos se envolveram cada vez mais com o crime organizado transnacional, poderosos interesses corporativos que controlam os combustíveis fósseis e os recursos mundiais de matérias-primas e a privatização do complexo militar-industrial.

A facção do estado profundo atrás de Trump


Trump encaixa-se perfeitamente neste sistema. Entre os seus esboços de ordens executivas há uma que abriria a porta para que as corporações dos EU se envolvam em práticas secretas corruptas e criminosas para comprar minerais do conflito do Congo   que são amplamente utilizados em produtos eletrónicos como smartphones e laptops.

Desta perspetiva mais ampla, é claro que, longe de representar uma força contrária ao Estado Profundo, o regime Trump representa uma rede interligada de jogadores poderosos entre setores que se cruzam fortemente com o Estado Profundo: finanças, energia, espionagem militar, defesa privada, meios de comunicação alt-right nacionalistas e intelectuais da política do Estado Profundo.

De acordo com Scott, isso reflete uma "divisão antiga dentro do Big Money – grosso modo, entre aqueles progressistas da Comissão Trilateral, muitos que florescem a partir das novas tecnologias da Internet global, que desejam que o Estado intervenha mais do que atualmente em problemas como a disparidade de riqueza, a injustiça racial e o aquecimento global, e os conservadores da Fundação Heritage, muitos ligados às finanças e ao petróleo, que querem que ele faça ainda menos"..

Assim, em vez de ser uma revolta nacionalista contra o Estado Profundo globalista corporativo, o regime de Trump representa um golpe nacionalista branco por parte de uma secção descontente dentro do próprio Estado Profundo. Em vez de entrar em conflito com o Estado Profundo, vemos um poderoso nexo militar-corporativo dentro do Estado Profundo norte-americano vir à tona. Trump, neste contexto, é uma ferramenta para reorganizar e reestruturar o Estado Profundo em reação ao que esta fação acredita ser uma crise crescente no Sistema Profundo global.

Em suma, a fação do Estado Profundo que apoia Trump está a embarcar no que considera uma missão única e especial: salvar o Estado Profundo de um declínio causado pelos fracassos das sucessivas Administrações norte-americanas.

No entanto, o que estão realmente a fazer é a acelerar o declínio do Estado Profundo norte-americano e a disrupção do Sistema Profundo global.


Slide da palestra no Instituto Global de Sustentabilidade, Anglia Ruskin University (Ahmed)

3. Crise sistémica

A facção Trump entende corretamente que há uma crise no poder dos EUA, mas não consegue entender a verdadeira natureza da crise no seu contexto sistémico global.

Cada grupo dentro da fação Trump, e as redes sociais e institucionais de elite que eles representam, tem sua própria compreensão estreita da crise, enquadrada dentro dos parâmetros ideológicos de seus próprios interesses especiais e posição de classe.

Cada grupo sofre graves limitações epistemológicas, o que significa que não são apenas incapazes de compreender a natureza sistémica da crise e os seus impactos, mas mantêm visões interesseiras sobre a crise que tendem a projetar as suas inseguranças sobre todos os tipos de Outros.

O problema do crescimento

Por exemplo, o fracasso contínuo em levantar a economia dos EUA numa recuperação significativa é enquadrado pela fação Trump como devido a não colocar "a América em primeiro lugar" nas relações comerciais. O plano de Trump é aumentar o investimento em infra-estrutura para criar empregos em casa e adotar políticas comerciais mais protecionistas para proteger as indústrias e manufaturas norte-americanas.

A realidade imediata aqui é que os monstros do dinheiro de Trump são agudamente cientes que as políticas económicas e financeiras norte-americanas neoliberais convencionais já não estão a dar resultado: sob Obama, por exemplo, o rendimento familiar mediano viu seu primeiro aumento significativo desde a recessão de 2007-8 em 2015, subindo 5,2%. Em termos reais, porém, pouco mudou. A renda familiar média é de US$ 56.516 por ano (€53.249), que quando ajustada pela inflação, é 2,4% menor do que era na passagem do milénio.

Assim, enquanto Obama conseguiu criar mais de um milhão de novos empregos, o poder de compra para as classes trabalhadora e média não aumentou   na verdade até diminuiu. Entretanto, embora a taxa de pobreza tenha caído 1,2% em 2015, a tendência geral desde o crash de 2007 viu o número de norte-americanos pobres aumentar de 38 milhões para 43,1 milhões de pessoas.

Mas esse problema vai além de Obama   é sistémico.

No último século, o valor líquido da energia que podemos extrair da nossa base de recursos de combustíveis fósseis diminuiu inexoravelmente. O conceito científico utilizado para medir esse valor é o Retorno do Investimento Energético (EROI), um cálculo que compara a quantidade de energia extraída de um recurso com a quantidade de energia utilizada para permitir a extração.

Houve um tempo nos EUA, por volta da década de 1930, quando o EROI do petróleo era um monumental 100. Isso tem diminuído constantemente, com alguma flutuação. Em 1970, o EROI do petróleo tinha caído para 30. Somente nas últimas três décadas, o EROI do petróleo dos EUA continuou a despenhar-se em mais de metade, atingindo cerca de 10 ou 11.

Segundo o cientista ambiental professor Charles Hall da Universidade Estadual de Nova York, que criou a medida EROI, o declínio global da energia líquida é a causa mais fundamental do mal-estar económico global. Porque precisamos de energia para produzir e consumir, precisamos de mais energia para aumentar a produção e o consumo, impulsionando o crescimento económico. Mas se estamos recebendo menos energia ao longo do tempo, então simplesmente não podemos aumentar o crescimento económico.

E é por isso que houve uma correlação inequívoca entre o declínio bruto da energia global a longo prazo e um declínio de longo prazo na taxa de crescimento económico global. Há também uma correlação inequívoca entre esse declínio de longo prazo, o aumento da desigualdade global e o aumento da pobreza global.

A auto-denominada fação liberal do Estado Profundo tem-se convencido de que o crescimento capitalista ajudou a reduzir para metade a pobreza global desde a década de 1990, mas há razões para questionar isso. Essa taxa de sucesso é calculada a partir da medida de pobreza do Banco Mundial de US$ 1,25 por dia (€1,17), um nível de pobreza extrema. Mas essa medida de pobreza é muito baixa.

Embora o número de pessoas que vivem em extrema pobreza se tenha de facto reduzido para metade, muitas dessas pessoas ainda são pobres, privadas das suas necessidades básicas. Uma medida mais precisa da pobreza mostra que o número de pobres em todo o mundo aumentou globalmente.

Como a ONG de desenvolvimento sediada em Londres ActionAid mostrou num relatório de 2013, uma medida de pobreza mais realista situa-se entre US$ 5 e US$ 10 (€4,7 e €9,4) por dia. Dados do Banco Mundial mostram que, desde 1990, o número de pessoas que vivem com menos de US$ 10 (€9,4) por dia aumentou em 25% e o número de pessoas que vivem abaixo de US$ 5 (€4,7) por dia aumentou em 10%. Hoje, 4,3 mil milhões de pessoas   quase dois terços da população mundial   vivem com menos de US$ 5 por dia.

Então,na verdade, a pobreza piorou na Era do Progresso. E agora a insustentabilidade dessa equação está a voltar para casa, mesmo nos centros de crescimento global, onde a riqueza é mais concentrada.

A partir de meados de 2016, o PIB da Europa tem estado estagnado há mais de uma década, e os EUA atingiram uma taxa de crescimento do PIB de 1,1%, quase o mesmo que a sua população. Isso significa que os EUA realmente não experimentaram nenhum aumento médio na "riqueza per capita", de acordo com Charles Hall da SUNY.

Para manter essa aparência de crescimento económico, estamos a usar engenhosos mecanismos de endividamento para financiar novas atividades económicas. A expansão da dívida global é agora maior do que os níveis anteriores ao crash de 2007. Estamos a escalar o risco de outra crise financeira nos próximos anos, porque o crescimento morno que conseguimos espremer da economia até agora é baseado em empréstimos de um futuro energeticamente e ambientalmente insustentável.

E esse mecanismo de crescimento por dívida também está a ocorrer dentro da indústria do petróleo, que acumulou dois trilhões de dólares (biliões na Europa, 1012) de dívida que, no contexto da queda crónica do preço do petróleo, significa que a indústria não é suficientemente rentável para gerar os fundos para alguma vez reembolsar a sua dívida.

Polaridades Exclusivas

Tanto as fações pró como anti-Trump do Estado Profundo negam o facto de que esta escalada de crise se deve, fundamentalmente, ao declínio global da energia líquida da base mundial de recursos de combustíveis fósseis.

Num momento de crise sistémica fundamental, o alicerce existente de normas e valores que um grupo normalmente mantém pode ser profundamente abalado. Isso pode levar um grupo a tentar reconstruir um novo conjunto de normas e valores   mas se o grupo não entender a crise sistémica, a nova construção, se diagnosticar a crise incorretamente, pode acabar culpando as questões erradas, levando a culpar os Outros.


Slide da palestra no Instituto Global de Sustentabilidade, Anglia Ruskin University (Ahmed)

A facção Trump acaba por cair nos caminhos estreitos com os quais eles está familiarizada e acredita que, em vez de exigir um caminho diferente, o problema é que não estamos totalmente empenhados em prosseguir o velho caminho. Eles insistem que o problema não é inerente à estrutura da própria indústria de combustíveis fósseis, ou à natureza infestada pela dívida do sistema financeiro global parasitário. O problema é visto simplesmente como uma exploração insuficiente dos combustíveis fósseis dos EUA; Regulamentação excessiva do sistema financeiro; Constantes incentivos económicos para "não norte-americanos"   muçulmanos, imigrantes, latinos, negros   que estão, ou a drenar o sistema financeiro através do crime, drogas e terror, ou simplesmente a sobrecarregá-lo com seus grandes enormes.

Enquanto eles acreditam que o crescimento do business as usual agora deve ser monopolizado pela "primeira América" ​​(e, particularmente, por uma definição branca nacionalista de "América"), os seus detratores liberais agarram-se à crença de que o business as usual, em si próprio trará o crescimento, com um pouco de truques tecnocráticos e filantropia bilionária espalhando os ganhos em todo o mundo.

Ambas as visões do mundo sofrem de sérias falhas ideológicas   mas é o fracasso da última que tem ajudado a radicalizar a primeira.

Olhando para a escrita do conselheiro sénior de Trump Michael Anton lança luz significativa sobre como a crise tem radicalizado a fação Trump numa visão do mundo binária delirante. Para Anton, o principal culpado é a falência moral e ideológica do paradigma liberal, que destruiu a economia e está corroendo os valores norte-americanos; bem como o fracasso do establishment conservador em fazer algo de significativo sobre o assunto. Anton anseia por um grande disruptor que revitalize o conservadorismo em novos fundamentos: no mesmo processo derrubando liberais e antigos conservadores de uma só vez. E assim começou seu caso de amor ideológico com Donald Trump.

O resultado é a visão de Trump de si mesmo como uma espécie de messias norte-americano – mas esta é, é claro, uma grande construção. A fação Trump, seguindo a linha de argumentação de Anton, simplesmente moldou todos os desafios da América através da lente estreita em que vê tudo: o problema é dos liberais; e assim todos os problemas dos EUA podem ser convenientemente atribuídos aos Outros, fixados na combinação fatal da decadência liberal, e da falência conservadora.

Assim, o programa proposto de Trump é visto por seus proponentes como uma guerra tanto aos establishments liberais como para os conservadores responsáveis ​​pela crise. A visão parece bastante simples.

No foro doméstico e economicamente: provocar o arranque do crescimento económico acelerando investimentos maciços nos recursos remanescentes do combustível fóssil dos EUA; usar isso para gerar as receitas que iriam financiar o plano de trilhões de dólares de infra-estrutura; enquanto reorientam os esforços para revitalizar a produção norte-americana; tudo isso criará milhões de novos empregos norte-americanos.

A extensão nas relações exteriores é a parceria com a Rússia para facilitar a cooperação russo-americana em novos projetos de petróleo e gás na região; enfraquecer a parceria Rússia-China para facilitar a pressão norte-americana sobre a China para capitular perante a invasão dos EUA nos recursos inexplorados de petróleo e gás no Mar da China Meridional.

O corolário da "guerra contra o terror" da visão Trump é reverter a crescente influência do Irão no Oriente Médio, que aumentou muito graças à Guerra do Iraque em 2003 e à desestabilização da Síria; reconsolidando assim o poder geopolítico regional dos Estados do Golfo, onde se encontram a maior parte dos recursos remanescentes de petróleo e gás do mundo.

A dimensão doméstica desse corolário da "guerra contra o terror" envolve a repressão do crescente número de "comedores inúteis", as hordas de Outros não-brancos, que são vistos como parasitas que minam a segurança financeira, cultural e nacional dos Estados Unidos. Assim, a muro do México, a "proibição muçulmana", a repressão contra os imigrantes e as ameaças veladas ao movimento Black Lives Matter de que sua atitude "anti-polícia" não será tolerada, tudo se torna explicável como resultado do que acontece quando uma crise sistémica não é entendida pelo que é, mas simplesmente projetada sobre aqueles que são mais afetados por essa mesma crise.

Em todas estas áreas, o tema comum discernível em todas as nomeações-chave do regime Trump é reagir às perceções de crise atribuindo a crise a várias populações, dentro e fora dos Estados Unidos – invariavelmente pintadas como fora de controlo, crescendo rapidamente em número, e assim constituindo uma ameaça inerente à "grandeza" de uma identidade "americana", cada vez mais definida em termos paroquiais e etno-nacionalistas.

Mas isso obviamente não vai resultar. Em vez disso, aumentará a crise.


O declínio global da energia líquida não vai desaparecer com a perfuração cada vez mais rápida. O próprio acto de perfurar mais e mais depressa acabará por acelerar o declínio da energia líquida. O freio geofísico sobre o crescimento económico vai endurecer, não enfraquecer.

E isso significa que Trump será forçado a depender de parcerias público-privadas para arranjar empréstimos de investimento enormes do setor privado para realizar o seu plano de infra-estrutura. Assim, qualquer que seja o tipo de empregos domésticos de baixa remuneração, de tipo sweatshop, que Trump consiga atamancar no curto prazo, os contribuintes norte-americanos serão forçados a pagar a conta por triliões de dólares em reembolso desses empréstimos privados. O plano de Trump irá assim agravar os níveis de dívida já perigosos no sistema financeiro norte-americano e global.

Enquanto isso, as mudanças climáticas vão acelerar-se, enquanto a ordem internacional se torna mais instável, com Trump a lidera uma postura militar mais agressiva no Oriente Médio e no Sul da Ásia, particularmente em relação ao Iraque, ao Irão e à China; e os ataques mais duros às minorias minorias na frente doméstica.

Por cada grau em que Trump aumente a agressividade, a verdadeira segurança nacional dos Estados Unidos será rebaixada. E como qualquer bom déspota, os fracassos de Trump tornar-se-ão alimento da sua própria propaganda, para convenientemente culpar a miríade de Outros que, nas pequenas mentes da fação Trump, estão a impedir a América de tornar-se "grande de novo".

4. O futuro


À medida que a crise sistémica global se intensifica, a miríade de redes, forças e fações que compõem o Estado Profundo norte-americano estão-se voltando umas contra as outras: Trump não é a causa, mas o resultado sintomático dessa rutura estrutural dentro do establishment norte-americano. O que isto significa é que derrotar Trump, em si, não vai enfraquecer ou reverter as forças que o seu regime desencadeou.

Por outro lado, embora esta trajetória produza imensos sobressaltos e caos enquanto dure, a base de apoio social para o nosso momento trumpiano está a diminuir.

Estamos a testemunhar a agonia reacionária das forças sociais por trás da fação Trump. Os inquéritos à saída das urnas mostram que apenas 37% dos jovens de 18 a 29 anos votaram em Trump.

No entanto, enquanto mais de 55% votaram em Clinton, um grande número de jovens – aproximadamente um milhão – que poderiam ter votado democrata, simplesmente não saiu para votar. Isso porque, embora possam não gostar de Trump, também não gostaram particularmente de Clinton. Um em cada dez eleitores do milénio foi para um terceiro candidato – embora ainda um número modesto, é três vezes maior do que o número de votos de terceiros da eleição anterior. A esta taxa de crescimento, a mudança milenar para candidatos de terceiros poderia tornar-se fatal para os democratas.

De acordo com o estratega republicano Evan Siegfried, se os milenários tivessem votado em 2016, poderiam ter afastado decisivamente a eleição de Trump. Isso ocorre porque a base de apoio tradicional do partido consiste em grande parte de pessoas brancas de classe média, eleitores rurais e baby boomers.

"Eles estão literalmente a morrer", disse Siegried. "A cada quatro anos, a população branca diminui em dois por cento, e a população branca não educada diminui em quatro por cento".

Siegfried argumenta assim que a vitória de Trump foi ganha tentando assegurar-se de que os milenários e as minorias que era improvável ​​que votassem nele, nem sequer saíssem de casa ara votar.

Mas aqui está o busílis. Enquanto Siegfried admite que a demografia continua a mudar a favor dos democratas no longo prazo, Clinton foi claramente uma candidata profundamente sem inspiração, comprometida completamente pelos seus laços com Wall Street e o Estado Profundo.

Os democratas que olharam para estas dinâmicas demográficas no período até 2016 enganaram-se em acreditar que uma vitória de Clinton era inevitável. Eles estavam errados, obviamente. E enquanto a demografia prova que a base de apoio de Trump nos EUA vai encolher, isso prova que o futuro dos milenares não será apenas cético em relação aos republicanos, mas também aos democratas.

Hoje, a composição do regime de Trump prova que a perda de Clinton não foi uma perda para o Estado Profundo. Pelo contrário, o problema real é que o sistema eleitoral norte-americano reflete uma forma de rotação de regime dentro do próprio Estado Profundo. A ascensão da fação de Trump sinaliza que a escalada da crise sistémica global empurrou a rotina usual da rotação do regime para um ponto de desequilíbrio, onde um ramo do Estado Profundo está agora em guerra com o outro ramo.

Ambos os lados do Estado Profundo dos EUA culpam o outro pelas falhas do sistema, nem desejando admitir a sua própria cumplicidade na condução dos sistemas responsáveis ​​por essas falhas.

Um lado quer responder à crise sistémica, acelerando a participação de mercado do velho paradigma – estendendo a vida do sistema de combustíveis fósseis e desregulando o capital predatório. Embora a maioria seja negadora do clima, alguns até parecem reconhecer os perigos da crise ambiental e da escassez de recursos, mas desejam reforçar o Estado Profundo dos EUA contra a crise como uma resposta nacionalista: a Fortaleza América.

O outro lado tem uma profunda fé de que o progresso tecnológico salvará o dia e permitirá que o business as usual e a economia baseada na extração continuem a crescer indefinidamente – eles acreditam que as inovações tecnológicas impulsionadas pela economia digital permitirão que Wall Street fique com o bolo e o coma também: podemos fazer crescer a economia e enriquecer exponencialmente um número minúsculo de financiadores no Ocidente, e os dividendos irão pingar para baixo, para o resto do povo, com um pouco de truques tecnocráticos, regulação seletiva e generosa filantropia.

Nenhum dos dois lados realmente entende que ambos permanecem presos ao velho e moribundo paradigma neoliberal industrial. Que as estratégias republicanas e democratas convencionais falharam. E que, se continuarem a ignorar a realidade da crise sistémica global e os seus sintomas crescentes, ambos se tornarão cada vez mais abalados e irrelevantes para grandes setores da população norte-americana.

Nesse cenário, a política ficará cada vez mais polarizada, não menos. Os republicanos procurarão fortalecer sua base nacional de apoio nacionalista, enquanto os democratas continuarão a perder credibilidade como uma verdadeira voz crítica devido à sua miopia própria do establishment.

Num cenário alternativo, os agentes em níveis diferentes em ambas as partes, em terceiros, e em toda a sociedade civil começam a ver o nosso momento trumpiano como realmente é.

Percebem que as polaridades conservadora e liberal estão sendo abaladas pela crise sistémica global. Que o Estado Profundo está sendo abalado pela crise sistémica global. E que Trump é apenas um esforço de um ramo do Estado Profundo para evitar a disrupção. E que as falhas do outro ramo do Estado Profundo são precisamente o que habilitou e encorajou essa eventualidade.

Um Plano Aplicado para a Restauração da Democracia

Nesse cenário, as tendências políticas atuais da geração milenar abrem a possibilidade de novos caminhos para a política, seja conservadora ou liberal: reconstruir seus partidos, organizações e paradigmas de acordo com as dinâmicas emergentes de um sistema global em transição para uma nova fase: para além do carbono, para além do crescimento sem fim, para além do consumismo em massa, para além das polaridades banais da esquerda e da direita, branco e negro, nativo e estrangeiro e ao serviço das pessoas e do planeta.


Este relatório especial de INSURGE intelligence foi ativado por crowdfunding: Por favor, apoie o jornalismo independente para a comunidade global por tão pouco como US$ 1 / mês via www.patreon.com/nafeez.

Dr. Nafeez Ahmed é um premiado jornalista investigativo há 15 anos, criador da INSURGE intelligence, um projeto de jornalismo investigativo de interesse público e financiado pelo público.

O seu trabalho foi publicado em The Guardian, VICE, Independent on Sunday, The Independent, The Scotsman, Sydney Morning Herald, The Age, Foreign Policy, The Atlantic, Quartz, The New Statesman, Prospect, Le Monde diplomatique, Raw Story, New Internationalist, Huffington Post UK, Al-Arabiya English, AlterNet, The Ecologist, entre outros lugares.

O trabalho de Nafeez sobre as causas profundas e as operações secretas ligadas ao terrorismo internacional contribuiu oficialmente para a Comissão do 11 de Setembro e para o inquérito ao atentado de Londres de 2005.

Em 2015, Nafeez ganhou o Project Censored Award for Outstanding Investigative Journalism para sua história no Guardian sobre a política energética na crise da Ucrânia. No ano anterior, ganhou um Project Censored Award pelo seu artigo no Guardian sobre crises alimentares e agitação civil induzidas pelo clima. Em 2010, Nafeez ganhou o Prêmio de Ensaio Routledge-GCPS pelo seu trabalho acadêmico sobre a Crise da Civilização, publicado na revista Global Change, Peace and Security. Também ganhou o Premio Napoli em 2003, o prêmio literário italiano mais prestigiado criado por decreto do Presidente da República. Nafeez foi incluído duas vezes na lista "Top 1000" do Evening Standard das pessoas mais influentes em Londres, em 2014 e 2015.

O novo livro de Nafeez, Failing States, Collapsing Systems: BioPhysical Triggers of Political Violence (Springer, 2017) é um estudo científico sobre como o clima, a energia, os alimentos e como as crises económicas estão a causar falências dos estados em todo o mundo. Ele é Pesquisador Visitante no Instituto Global de Sustentabilidade da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Anglia Ruskin (Cambridge, Reino Unido).

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