Agnosticismo ideológico

(Mas vale a pena lutar pelo que é justo!)

Uma das minhas características é meta-pensar, ou seja, pensar no que penso. Sempre que tive uma convicção política (tive e tenho), lá estava um observador cético dentro do meu espírito a perguntar se tal convicção era razoável, se era lúcida ou justa ou se estava simplesmente a pensar o mesmo que o resto do rebanho.

Como já passo um bocado dos sessenta e vejo até alguns cenários das minhas recordações descritos nos livros de História, há pano para mangas para o meu meta-pensador privado exercitar o seu ceticismo. Basta lembrar todas as minhas esperanças que, a dado ponto, se tornaram amargas desilusões – e na fase seguinte as próprias esperanças foram invalidadas, consideradas indesejáveis.


® Reuters

Fazendo o balanço das ideologias que abracei, concluo que não é positivo. Mesmo sendo boa a minha intenção, há qualquer coisa de profético, de religioso, de intransigente na construção ideológica que nos faz, mais tarde ou mais cedo, faltar à verdade e à honestidade, fazer vítimas com a desculpa que são colaterais, cometer talvez crimes usando meios justificados pelos fins.

O problema são os fins. A ideologia dá ao crente (sim, crente) um instrumento para imaginar o futuro. Essa imagem do futuro, essa ilusão de poder sobre o destino da sociedade é a droga que o mantém preso, que o perverte, que o deixa ser manipulado.

Hoje tenho praticamente a certeza que ninguém pode imaginar o futuro. A realidade social e política é tão complexa e caótica e a nossa consciência – tanto a individual como a coletiva – tão volúvel que toda a imagem de um destino histórico é forçosamente uma miragem.

Mas se penso que as ideologias são ilusões, e ilusões perigosas, penso também que uma parte da minha atividade foi correta, historicamente justificada e (quase sempre) positiva: a parte em que lutei por direitos, reivindicações e conquistas para todos, em particular para os oprimidos.

Eu explico: a sociedade sem classes ou o fim da propriedade privada eram possivelmente miragens e a tentativa de levar à prática esses ideais fez mais mal que bem, mas quem por eles lutava, entretanto, lutou pelo sufrágio universal, pelo direito de organização, pela semana de oito horas, férias pagas, licença de parto, direito à saúde, proibição do trabalho infantil, pela igualdade de género, pelo fim da discriminação...

As ilusões que moviam os combatentes da justiça social que conseguiram estas coisas, na maioria, foram abandonadas, mas estes direitos e liberdades ficaram e fazem parte concreta do nosso viver. Não passaram de moda.

Vale a pena, então, continuar a lutar pelo que é justo. A sociedade em que vão viver as próximas gerações vai incorporar o que conquistarmos e será mais justa e feliz por isso.

Como será? Não faço ideia, nem tu leitor, nem o mais presunçoso dos ideólogos.

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