O Lápis Azul

Trailer do filme O Lápis Azul, de Rafael Antunes


O meu amigo Rafael Antunes, cameraman da SIC, andou a tirar um curso superior de cinema e a sua tese, se se pode chamar tese a um filme completamente profissional, é O Lápis Azul.

Só agora é que pude ver a obra. O tema tem imensas facetas interessantes. A censura brutal, institucionalizada como órgão de estado, como é mostrada no filme, é, digamos, o ponto limite. Mas todos sabemos que há formas mais suaves, menos institucionalizadas, que se praticam hoje. A comunicação social actual e o estado actual não viveriam sem censura. Não a censura do poder nu, ameaçado com prisão e pide, mas a do poder do dinheiro, da progressão na carreira, do sentido da oportunidade ou do oportunismo. Ou aquilo que cortesmente é chamado autocensura.

Na censura suave de hoje, há três tipos de opções. O pior, é o daquele jornalista odioso que faz activamente os recados ao poder. O que faz passar as histórias que interessam na altura certa, que denigre os adversários que lhe mandam denegrir e por aí fora. Esse crime, evidentemente, compensa. Se bem feito, até pode criar-lhe uma aura de bom profissional, porque os colegas não podem denunciar o crime senão em murmúrios muito baixos. A verdade é que, haja o que houver, ele tem a confiança de quem manda.

O segundo tipo procura fazer jornalismo sem fazer ondas. É possível que lhe repugne fazer o tipo de jeitos que o primeiro tipo faz, é possível que tenha fantasias heróicas de fazer bom jornalismo de intervenção, de denunciar os podres da sociedade, a corrupção e coisas que tais, mas sabe que há um preço a pagar por isso. Quase por instinto, sabe o que escrever e como escrever para não levantar ondas. Sabe até onde pode ir. Sabe quando deixar cair um assunto.

O terceiro tipo, bem o terceiro tipo não existe dentro do jornalismo institucional. Refiro-me ao tal jornalismo de intervenção. Nada nos grupos económicos empresariais da comunicação social e nos interesses publicitários dominantes propicia a existência desse tipo de deontologia. A informação cidadã hoje está toda do lado da blogosfera e das redes sociais, ganhando em virulência mas perdendo, evidentemente, em rigor.

Voltando ao Lápis Azul, interessou-me o rigor da reconstituição histórica, dos hábitos, curioso para uma testemunha do tempo como eu. Um indivíduo usar rede no cabelo era antiquado em 74, mas correcto, sem dúvida. Eu, que usava penteado à Beatles, nunca teria pensado nisso. Gostei de ver o penteado da empregada, a chaleira, a torradeira. Produção impecável.

A dimensão humana dos maus faz pensar. Não são apresentados como figuras para odiar gratuitamente mas, essencialmente, pessoas comuns. O personagem principal é sobretudo patético. Um homem só, viúvo recente, que se vê traído pela memória da mulher, que só depois de morta a saudade o faz querer conhecer e que, afinal, gostava da poesia feminista que ele próprio no dia a dia proibia, e, vejam só, até fumava.

O Lápis Azul, um filme para pensar.

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