Em verdade vos digo
Em verdade vos digo: é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um papa ser justo.
Em verdade vos digo: é mais fácil centenas, milhares de crianças serem maltratadas, espancadas, insultadas e violadas;
É mais fácil esconder os violadores, transferi-los para junto de mais crianças, deixá-los morrer de velhos;
É mais fácil mentir, insultar de novo em adulto, com o epíteto de mentiroso, quem já foi espancado e violado em criança;
É mais fácil gastar o dinheiro do peditório para tentar calar a boca aos injustiçados;
É mais fácil taxar de inimigos todos os que não calam a injustiça;
Tudo isso é mais fácil do que um papa confessar o seu crime.
Em verdade vos digo: Joseph Ratzinger é presumível culpado de um crime horrível.
Não falo da sua responsabilidade de chefe da Igreja Católica pelos crimes cometidos pelos seus colaboradores. Essa responsabilidade existe e é grave. Muitos ministros laicos têm-se demitido por muito menos.
Não falo da responsabilidade moral da sua organização, sempre pronta a arvorar-se em guia ético da urbe e do mundo, mas que neste caso se comportou de forma contumaz, escondendo os culpados da justiça e calando anos a fio as vozes das vítimas. Essa responsabilidade existe e é grave.
Não. Além dessas responsabilidades, esse homem, Joseph Ratzinger, é presumivelmente culpado por ter, com as suas próprias mãos, executado a operação de cobertura, silenciamento, desinformação, evasão dos padres pedófilos e obstrução à justiça.
É presumivelmente culpado de cumplicidade.
Numa carta a todos os bispos do mundo em 2001, quando ainda não era papa mas dirigia a Congregação da Doutrina da Fé (moderno nome da Santa Inquisição), Joseph Ratzinger ordena-lhes que não denunciem à polícia os violadores, mas que os reportem directamente a ele.
Manda que esses assuntos sejam tratados de forma secreta. Manda ainda que os bispos silenciem as vítimas, sob ameaça de excomunhão. Só isto é de uma crueldade extraordinária para com as vítimas.
O cardeal de Boston, Bernard Law, teve de demitir-se por ter protegido um violador em série, por ter pago secretamente às vítimas para se calarem, por ter ameaçado com a excomunhão quem se queixasse. O cardeal foi um homem obediente. “Apenas cumpri ordens”, poderia ter dito, mas não disse, porque era um sicário fiel e as ordens eram secretas.
Por ter sido um sicário fiel, Bernard Law foi recompensado com um prestigiado cargo no Vaticano.
Em verdade vos digo: Joseph Ratzinger foi quem deu essas ordens. Acima dele, só havia Karol Vojtyla, mas esse já morreu. Quem herdou a sua responsabilidade foi o mesmo Joseph Ratzinger.
Acima dele, mais ninguém. Podem imaginar que existe alguém, mas isso agora não interessa.
Quantos jovens se suicidaram por causa das ordens de Joseph Ratzinger? Não se sabe. Quantos se dedicaram à droga, ao alcoolismo ou simplesmente ao desespero? Não se sabe.
O mais corrupto dos políticos já teria sido obrigado a demitir-se há muito.
Estes escândalos começaram nos Estados Unidos, mas rapidamente progrediram para a Áustria, Austrália, Inglaterra, Irlanda, Bélgica, Holanda, Filipinas, Itália, República Checa, Croácia, Brasil, Argentina, Peru, México, Polónia, Alemanha, agora até o Vaticano. É provável que, nos países mais católicos, os bispos tenham podido abafar os casos durante mais tempo, mas o abuso de crianças nesses países é de certeza maior.
Faltam aqui dois países, não faltam? Espanha e Portugal. Das duas uma, ou os padres portugueses e espanhóis são uns santos, ou há para aqui muita m|e|r|d|a prestes a vir ao de cima…
Eu sei que há. A ordem de Joseph Ratzinger também cá chegou. Provavelmente está a ser fielmente cumprida, neste preciso momento. Senhores passageiros, por favor apertem os narizes…
Em verdade vos digo: Joseph Ratzinger não tem por onde fugir.
Não pode demitir-se. Não há precedente histórico. Teria de consultar o patrão, mas este nunca apareceu na sede, nem se espera que venha a aparecer. Portanto Joseph Ratzinger terá de ficar, um presumível criminoso a dirigir a Igreja Católica Apostólica Romana.
Não é assim tão invulgar. No fim de contas, o seu antecessor partilha da culpa de Ratzinger, tendo sido seu superior. Uns quantos papas antes, temos Pio XII que é considerado cúmplice no extermínio dos judeus italianos. Vão ver à lista de papas. Há épocas em que eram tão vis, corruptos e devassos que se, por acaso, aparecia algum minimamente competente, era logo declarado santo (Gregório VII, 1478-1534).
Mas isso era na Idade Média, quando havia masmorras, tortura, forcas e fogueiras para impor a fé. Estamos no século XXI e em muitos lugares existe essa coisa maravilhosa chamada liberdade, que faz que os papas tenham que portar-se com juizinho, senão os fiéis deixam de o ser.
Em verdade vos digo: Joseph Ratzinger acaba de admitir, passados anos a protegê-los, que os padres pedófilos irlandeses devem ir para a prisão.
Quis talvez proteger a sua pele preferida, atirando os outros às feras para ver se se safa. Ou confia que a beata Irlanda não vai castigá-los a sério.
Mas, pela última vez, em verdade vos digo: Ratzinger meteu-se a si próprio e à sua igreja num belo sarilho.
A procissão ainda vai no adro (sans blague).
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