Desenvolvimento em África: “Precisamos de rever toda a terminologia”

Elwine Sarr é professor de Economia na Universidade Gaston Berger em Saint-Louis, Senegal. O seu pensamento orienta-se para uma posição pós-pós-colonial. O artigo original está publicado em inglês no blogue iD4D da Agência Francesa para o Desenvolvimento.

A África possui a chave para um futuro que ainda está para ser inventado? Em 2016, o economista e escritor senegalês Felwine Sarr escreveu o ensaio Afrotopia (publicado por Jimsaan / Philippe Rey), que rompe com a escola de pensamento "pós-colonial". Defende uma nova abordagem para o que não seria necessariamente chamado "desenvolvimento", mas sim "bem-estar" ou "viver bem".

O Senegal está destinado a permanecer um país em desenvolvimento?

É verdade, e esse tem sido o caso há 56 anos! Não há palavras para substituir esse termo "desenvolvimento", mesmo quando ele se torna menos relevante, embora isso não signifique muito. Há quem pense que “emergência” seja uma boa alternativa ao termo, mas acaba por ser pior, pois refere-se a um estádio mais baixo de desenvolvimento — a fase de arranque em que se começa a avançar.

Felwine Sarr

Atrasámo-nos a dar um nome a uma realidade que está a acontecer atualmente. Não temos palavras para dar um nome aos nossos próprios projetos sociais. O professor Mamoussé Diagne escreveu um artigo a questionar a maneira como dizemos desenvolvimento em wolof*. No entanto, a expressão não existe na língua nacional do Senegal... Como podem as pessoas ser mobilizadas em torno de uma noção que não encontra eco num certo universo linguístico e mental?

Desenvolvimento é uma palavra portmanteau na qual todas as aspirações virtuosas da humanidade são colocadas. Esse conceito, como surgiu, tornou-se ideológico e pode ser criticado por várias razões: implica que os países em desenvolvimento estão atrasados ​​em relação aos países desenvolvidos e que existe um mimetismo, um caminho já estabelecido, que não é uma panaceia. As aspirações ao bem-estar podem ser universais, mas os povos podem ter respostas diferentes para elas. Desenvolvimento é simplesmente uma forma. Considerar esse objetivo como absoluto é a grande armadilha da qual precisamos de sair.

Porquê?

Porque tudo o que sai dos critérios para medir o desenvolvimento no sentido tradicional não recebe um nome e, portanto, é mascarado. As formas de economia relacional que podem prevalecer em África, com sistemas culturais para alocação e redistribuição de recursos, não existem em termos de estudos e estatísticas.

No Senegal, por exemplo, podem encontrar-se agências Wari em todos os lugares para fazer remessas, o que mostra que a redistribuição funciona dentro da estrutura social, para permitir que membros da família alargada comprem medicamentos ou matriculem crianças na escola. Não incluir essas práticas na maneira como avaliamos a economia é um erro grave, pois a realidade vai além das categorias da economia clássica.

A África deve recuperar a capacidade de nomear os seus próprios projetos. Muitos conceitos em wolof — com a palavra noflay, por exemplo — significam "bem-estar". Na América Latina, a noção de "viver bem" abrange dimensões económicas, sociais e ecológicas. O que é uma vida boa? Nas nossas culturas, existem conceitos suficientes para definir as aspirações de um grupo — pois o bem-estar é ao mesmo tempo cultural, filosófico e moral. É uma questão de avançar em direção ao desenvolvimento humano integral em todas as suas formas.

A dimensão informal das economias africanas é frequentemente negligenciada nos planos de desenvolvimento?

Aqui, novamente, há um problema de terminologia: a economia popular, sob o termo de "setor informal", é definida negativamente em comparação com a economia "formal". É como se o setor informal devesse tornar-se formal. Em vez de examinarmos essa economia pelo que é, estamos constantemente a tomá-la pelo que deveria ter sido.

Então, recomenda uma abordagem diferente sobre o desenvolvimento de África?

Sim, sim, para observar a realidade como ela ocorre, sem prescrever conceitos que nos digam o que deveria ser. Desde a década de 1950, inclusive na Europa, tem sido realizado um trabalho de desconstrução da própria ideia de desenvolvimento — uma crença ocidental — por Cornelius Castoriadis, o sociólogo francês Edgar Morin, bem como pelo Instituto de Pós-Graduação em Estudos Internacionais e Desenvolvimento na Suíça, cujos pesquisadores trabalharam em "pós-desenvolvimento" e "p-desenvolvimento".

Instituições como o Banco Mundial e o FMI baseiam as suas análises na economia clássica dominante — a ortodoxia do crescimento, por exemplo. Há muito debate entre economistas sobre os custos desse crescimento, o qual não é necessariamente uma panaceia.

A economia é uma ciência dos meios e não dos objetivos: concentra-se no que pode ser feito e não no que deve ser feito. A economia clássica tornou-se dominante, tirânica e saiu do seu espaço inicial. Vai além da justificação para o capitalismo. A título de comparação, os médicos podem clonar genomas, mas não lhes cabe clonar seres humanos! O mesmo vale para a economia: podemos fazer certas coisas, mas devemos fazê-las? Como acumular riqueza, como distribuir a renda, que fazer? É o aspecto cultural que deve ditar as compensações. A economia deve ser colocada em prisão domiciliária!

Porque diz "cultural" e não "político"?

A economia política deve estar ligada à economia social. A política encaixa-se na cultura. Uma economia não pode flutuar sem direção, nem tem apenas o objetivo de produzir. Um exemplo: no mercado Sandaga, em Dakar, num nível simbólico, o regatear significa que a discussão é mais importante que a transação. O preço pode mudar dependendo da maneira como gira a discussão — "O teu nome é Thiam, és meu escravo", pode-se ouvir um negociante dizer. "De onde vens? Ah, eu também tenho família lá... " A ligação está confirmada.

Isso é reconhecido em economia?

Os debates em curso abordam essa área de pesquisa. Alguns pedem que a economia volte a alicerçar-se na cultura. Há autores a trabalhar em psicologia económica ou sociologia. Em África, os bens circulam há séculos, dependendo dos laços familiares e sociais.

Minha mãe, dona de casa, não deve ser classificada como "desempregada" ou "pobre", porque ela tem renda e poupança, simplesmente devido ao fato de pertencer a várias redes: a família, o tontine**, o bairro etc. Ela é identificada entre aqueles que têm menos de 1 dólar por dia porque não possuem comprovativo de pagamento, mas contribui para uma economia inteira que não se enquadra nas categorias clássicas.

E cada vez mais. Esses fluxos são documentados e mostram que o continente africano é um credor líquido, e não um devedor, apesar das aparências. A África, que acreditamos ter recebido uma grande ajuda, está, no entanto, sem descolar...

Se levarmos em conta os lucros repatriados de empresas multinacionais, a evasão fiscal e os fluxos financeiros ilícitos, vemos que o continente está a "afundar-se" em todo o lado. Um pesquisador do Burundi, Léonce Ndukimana, ex-executivo do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), publicou, com um dos seus colegas, James K. Boyce, professor de economia da Universidade de Massachusetts, um livro sobre o assunto: Africa’s Odious Debts: How Foreign Loans and Capital Flight Bled a Continent (As Dívidas Odiosas de África: como os empréstimos externos e a fuga de capitais sangraram um continente). Ele apresenta números absolutamente indecentes sobre os fluxos financeiros ilícitos que deixam o continente: US$ 735 mil milhões (US $944 mil milhões com os juros) entre 1970 e 2008, ou seja, mais do que ajuda ao desenvolvimento durante todo esse período.

Não se trata de negar a pobreza, por exemplo, mas de dizer que as categorias conceptuais são deficientes e não compreendem a realidade na sua complexidade. Podemos questionar como o desemprego é medido nos países africanos. Não ter emprego formal não significa que as pessoas estão inativas! Além disso, ninguém concorda com a taxa de desemprego no Senegal, estimada em 30%. Algumas pessoas pensam que é necessário levar em conta o trabalho independente, outras o setor informal, etc. É por isso que é necessário definir indicadores mais adequados às realidades sociais do continente africano, capazes de levar em conta um bem-estar subjetivo, que também se baseia em dados intangíveis.

Pode ler aqui em português uma entrevista de Elwine Sarr, à volta do conceito de afrotopia.


* O wolof ou jalofe é a língua da etnia wolof, mas a base de utilizadores é maior que a base étnica, sendo hoje a língua franca nas maiores cidades do Senegal e da Gâmbia. Fala-se também no sul da Mauritânia e na Guiné-Bissau. [VOLTAR AO TEXTO]

** Tontine é uma modalidade de investimento para um fundo mútuo. [VOLTAR AO TEXTO]

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