Que correu mal na libertação africana?
Os movimentos anticoloniais em África não libertaram o povo; eles apenas libertaram o estado.
Assim começa um interessante artigo do queniano Patrick Gathara no Al Jazeera English, a 9 de novembro deste ano. Gathara é um jornalista influente que tem publicado, para além da Al Jazeera, no Washington Post e no Guardian, e que dirige o site independente de notícias queniano The Elephant. É também um cartunista brilhante.
O jornalista reflete sobre o óbito recente de Robert Mugabe, o ditador vitalício do Zimbabué: "Muitos o aclamaram como um 'herói da libertação', que liderou a luta pelo fim do regime branco no Zimbabué, enquanto outros insistiram que a sua transformação num ditador assassino manchou o bem que havia conseguido nos seus primeiros anos".
A resposta à questão não parece fácil, apesar da "deprimente familiaridade pós-colonial do continente" com dirigentes que começam parecidos com o dr. Jekill mas acabam por se transformar no mr. Hyde.
Patrick Gathara
Em toda a África, aqueles que lideraram a luta contra o domínio colonial e os que vieram depois deles tornaram-se tão brutais como os que tinham deposto. Como observou Mmusi Maimane, líder da Aliança Democrática da África do Sul no ano passado, num discurso na capital do Senegal, Dakar, o mesmo padrão repete-se. "Primeiro vem a era do governo colonial — injusta e exploradora. Depois vem a independência, juntamente com um novo governo eleito democraticamente. E depois seguem-se anos, até décadas, de opressão pelas mesmíssimas pessoas que deveriam trazer a liberdade."
Nesse contexto, é necessário examinar as terminologias que empregamos. Que significa exatamente "libertação" quando alguém continua a ser oprimido? Que significa "independência" quando as elites pós-coloniais continuam dependentes dos seus antigos senhores?
O autor considera então o exemplo da indepedência do seu país, o Quénia, sob a liderança de Jomo Kenyatta:
Depois de subir ao poder e transformar o Quénia numa república e ele próprio em presidente em 1964, poucos puderam ver a diferença entre o seu governo e o dos colonos que havia substituído. Hornsby cita um dos contemporâneos de Kenyatta, Masinde Muliro, descrevendo a situação apenas três anos depois: "Hoje temos o governo de um homem negro, e o governo do homem negro administra exatamente os mesmos regulamentos, rigorosamente, como costumava fazer a administração colonial".
Os quenianos estavam livres? Foram libertados? Ou a situação era mais parecida com a descrita por Nelson Mandela, da África do Sul, após o triunfo do seu país sobre o apartheid: "A verdade é que ainda não somos livres; apenas alcançámos a liberdade de sermos livres, o direito de não ser oprimido." É duvidoso, dados os factos da história pós-colonial, se os quenianos, zimbabuanos e outros no continente chegaram a esse ponto. Claramente não garantiram "o direito de não serem oprimidos".
Barack Obama, cartoon de Patrick Gathara
Para Patrick Gathara, não foi decerto o povo que foi libertado. O estado é que foi libertado, não o povo. O que estava em disputa não eram os direitos do povo, mas a oportunidade de dominá-lo. Tratava-se de saber quem iria governar o povo, não como ele seria governado.
Embora muitos acreditassem que a luta contra o colonialismo também deveria acabar com a exploração económica e introduzir justiça social, democracia e respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades civis, os novos senhores frequentemente entrincheiravam-se numa cultura política autoritária e imitavam o estilo de vida dos seus antecessores.
"Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.", escreveu Friedrich Nietzsche no seu livro de 1886, 'Para Além do Bem e do Mal'.
Para o autor, o mal-estar que reina no continente resulta do "fracasso em reformar os sistemas coloniais de opressão herdados incorporados no estado", por mais que as elites locais ansiosas por manter o poder tentem ignorar o problema. "E é improvável que as coisas mudem, a menos que redefinamos a libertação como liberdade real para o povo do continente, em vez de simplesmente ser oprimida e saqueada pelas elites negras".
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