Olfato, Covid-19 e mais coisas

A anosmia (perda de olfato e de sabor) apareceu ligada à pandemia de Covid-19, mas trouxe curiosidade sobre o nosso olfato. Este artigo na Horizon, site de divulgação científica da União Europeia, intrigou-me, porque descreve comportamentos humanos ligados ao olfato, mas — a não ser que o meu olfato seja terrível (não é excecional, mas funciona) — muitas, senão a maioria, das nossas perceções olfativas são inconscientes. Seria o velho caso das feromonas...

De muito interesse é também a menção de um instrumento online para avaliação do nosso próprio sabor, com a utilização de ingredientes comuns existentes em qualquer casa. Brevemente vou experimentar.

Porque é que o coronavírus ataca o sentido do olfato?

No início, eram apenas relatos anedóticos. Especialistas em ORL (Otorrinolaringologia) de todo o mundo estavam a compartilhar as suas experiências em quadros de mensagens online — todos estavam a ver um pico em pacientes com anosmia, perda de olfato.

O vínculo com o coronavírus foi levado ao conhecimento público por especialistas no Reino Unido no final de março e, desde então, as organizações de saúde foram adicionando gradualmente a anosmia à lista de sintomas do Covid-19. De acordo com um estudo recente, cerca de dois terços das pessoas com Covid-19 sofrem uma súbita perda de cheiro ou sabor.

As pessoas são muito fracas a avaliar o seu próprio olfato e geralmente não fazem ideia da sua importância até o perderem, dizem cientistas.

O professor Noam Sobel, do Instituto de Ciência Weizmann, em Israel e o seu laboratório, são especialistas no nosso sentido do olfato ou olfação.

"Um ex-membro do nosso laboratório, que desde então se mudou para Londres, apanhou o Covid-19 e ficou completamente anósmico. Por isso, recebemos relatórios realmente detalhados do nosso amigo que, diferentemente da maioria das pessoas, era muito, muito bem treinado para descrever a sua experiência olfativa", disse ele.

Isso deu ao laboratório uma descrição confiável, embora anedótica, do papel da anosmia. Nesse caso em particular, a perda total do olfato ocorreu um dia após o aparecimento de outros sintomas. Sobel questionou-se se uma perda mais subtil e gradual do olfato poderia ser um aviso muito necessário do Covid-19. No entanto, o desafio é encontrar uma forma de detetar isso.

“Os seres humanos são notoriamente fracos a relatar o seu próprio olfato. Se eu lhe perguntasse se o seu olfato hoje está um pouco melhor ou pior do que ontem, você não seria capaz de notar mudanças leves", disse ele.

Isso levou o professor Sobel a criar o Smell Tracker, um sistema on-line que usa itens domésticos comuns, como mel, alho e pasta de dentes, para o público testar o seu olfato.

Já 14 mil pessoas o usaram, para ajudar a identificar mudanças no sentido do olfato. O professor Sobel espera que, se se tornar mais amplamente utilizado, também poderá ajudar os formuladores de políticas a rastrear a propagação da doença em diferentes regiões. A popularidade do rastreador na Suécia já permitiu que os pesquisadores identificassem um pico de anosmia por volta de 15 de abril.

Bulbo olfativo

A causa da relação entre a anosmia e o coronavírus ainda é desconhecida, mas a nossa compreensão de como o cheiro funciona está a ajudar a pesquisa.

"Não é que o nariz esteja obstruído por muco — essa seria a explicação mais simples", disse Matthew Grubb, do King's College London, no Reino Unido. Ele é um neurocientista especializado no bulbo olfativo, a primeira região do cérebro responsável pelo processamento do nosso olfato.

Quase todas as nossas células cerebrais são criadas quando nascemos e podem durar a vida inteira. O bulbo olfativo dos mamíferos é quase único pela produção contínua de novos neurónios ao longo da vida adulta. Foi esse comportamento que atraiu o Dr. Grubb para essa área de pesquisa.

"Ainda acho isto fascinante. Construir um cérebro a partir do zero já é bastante difícil, com a sua intrincada conectividade entre as células... Mas, então, introduzir lá novas células, podemos imaginar que isso teria o potencial de realmente criar confusão", disse ele.

Ainda não está claro porque é que o bulbo olfativo faz isto. Uma ideia é que ter muitos neurónios jovens permite que o bulbo se adapte mais facilmente às mudanças. O Dr. Grubb está a levar a cabo um projeto chamado Funcoplan, para entender se as novas células respondem de maneira diferente às mudanças no ambiente.

Em março, co-escreveu um trabalho de pesquisa a descrever as possíveis causas de anosmia em pacientes com Covid-19.

"Os neurónios sensoriais (olfativos) (no nariz) são as células que detectam odores e estímulos e enviam esses sinais ao cérebro. Se morrerem, não são perdidos para sempre. Podem regenerar-se, mas isso leva algumas semanas", disse ele.

"O facto de a recuperação (do sentido do olfato) parecer um pouco mais rápida com o Covid-19 começou a fazer as pessoas pensarem que talvez não esteja a infetar os neurónios."

Isso desviou a atenção, dos neurónios, para diferentes tipos de células que podem regenerar-se rapidamente. Em particular, as que são conhecidas como células sustentaculares, que fornecem suporte aos neurónios sensoriais olfativos.

Essas células de suporte podem produzir altos níveis de ACE2, uma proteína que o coronavírus usa para invadir a célula. Em comparação, os neurónios olfativos não têm ACE2, o que significa que passam despercebidos ao vírus.

"Uma ideia é que as células de suporte estão a ficar infetadas e a morrer", diz o Dr. Grubb. "Sem as células de suporte, os neurónios já não podem funcionar. Depois das células de suporte se regenerarem, o que pode acontecer muito rapidamente, os neurónios poderão funcionar de novo e as pessoas poderão cheirar novamente."

Perda

Sobel tem recebido "incontáveis" e-mails de pessoas preocupadas com a perda de olfato. Principalmente, a preocupação vem da possibilidade dele não voltar, embora já tenha voltado, até agora, à grande maioria.

Ele diz que nosso olfato se encaixa no cliché de "não perceber a importância que tem até o perdermos". Uma grande parte do seu trabalho é mostrar a importância do olfato nas interações sociais.

"Temos a opinião de que a quimio-sinalização social é uma grande parte do comportamento social humano", disse ele. Por meio de um projeto chamado SocioSmell, está a investigar essa ideia em diferentes aspetos das interações sociais.

No ano passado, escreveu uma revisão da pesquisa que mostra que é muito provável que as pessoas cheirem as suas mãos subconscientemente após um aperto de mão, potencialmente para cheirar a outra pessoa. Essa descoberta bizarra assume uma importância muito maior durante um período em que os apertos de mão são desencorajados, para impedir a propagação do coronavírus.

"Sabemos que cerca de 25% da transmissão viral ocorre por trazer as próprias mãos ao rosto. Essa foi uma estimativa antes da Covid. Pensando em termos evolutivos, se um comportamento persistir apesar de um custo muito alto, também deve conferir uma vantagem significativa. Deve haver uma razão muito, muito boa para fazermos isso", disse o professor Sobel.

Ele também coletou o que acredita ser a maior coleção de suor do medo do mundo, com mais de mil amostras de odores corporais de paraquedistas debutantes no exército israelita. Com essa coleção exclusiva, conseguiu mostrar que o cheiro do medo reduz o desempenho das pessoas numa tarefa baseada na confiança, enquanto as pessoas com transtorno do espectro do autismo tiveram um desempenho melhor.

"Nos mamíferos, o sistema sensorial subjacente à emoção e à interação social é o olfato. A nossa afirmação nesse quadro geral é que os humanos também são assim", disse o professor Sobel.

"Não é uma afirmação popular, mas a nossa opinião é de que os humanos são animais olfativos — isso aparece em todas as direções para que olhamos".

 

A pesquisa neste artigo foi financiada pelo Conselho Europeu de Pesquisa. Se gostou deste artigo, considere partilhá-lo nas redes sociais.

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