EUA – Não são só os jovens progressistas brancos a deixar a religião

Tradução de um artigo de Ryan P. Burge en Five Thirty-Eight, "It’s Not Just Young White Liberals Who Are Leaving Religion"

Apenas 47% dos adultos estadunidenses disseram ser membros de uma igreja, mesquita ou sinagoga, de acordo com uma pesquisa divulgada recentemente e conduzida pela Gallup no ano passado. Foi a primeira vez que a maioria dos estadunidenses disseram que não eram membros de uma igreja, mesquita ou sinagoga desde que a Gallup começou a inquiri-los sobre a sua filiação religiosa, na década de 1930. Na verdade, a descoberta da Gallup foi uma espécie momento charneira no afastamento, há muito estudado, dos estadunidenses da religião organizada.

[Five Thirty-Eight]

O que está a impulsionar essa mudança? Em parte, trata-se de pessoas que, embora ainda se identifiquem com uma tradição religiosa, optam por não ser membros de uma determinada congregação. Apenas 60% dos estadunidenses que se consideram religiosos fazem parte de uma congregação, em comparação com 70% há uma década, de acordo com a Gallup. Mas o fator maior, diz a Gallup, é o aumento repentino de estadunidenses desafiliados da religião – pessoas que são agnósticas, ateias ou simplesmente dizem que não são filiadas numa tradição religiosa. A ascensão deste grupo – às vezes referido como “nenhuns” (nones) porque respondem “nenhuma” quando questionados sobre a sua fé (e, note-se, isso é um jogo de palavras) – não é nova. Mas a pesquisa Gallup faz parte de um corpo crescente de novas pesquisas sobre este bloco (e inclui um livro recente de um de nós, Ryan P. Burge, “The Nones: Where They Came From, Who They Are, and Where they Are Going”).

Vejamos alguns dos novos insights sobre os nenhuns:

Os nenhuns estão a crescer, mas é difícil saber exatamente quantos são

De acordo com quase todas as indicações, os nenhuns representam agora pelo menos um quinto de todos os adultos estadunidenses, rivalizando com católicos e cristãos evangélicos como a maior coorte da nação em termos de fé religiosa (ou falta dela). São o grupo religioso / não religioso de crescimento mais rápido – os nenhuns passaram de 12% dos adultos estadunidenses em 1998 para 16% em 2008, para 24% em 2018, de acordo com dados do General Social Survey. A Gallup estima esse grupo em cerca de 21%. O Pew Research Center diz 26%. O Cooperative Election Study sugere que as suas fileiras são ainda maiores, cerca de 32%.

Porquê a confusão sobre o número exato? Primeiro, não há um método universal pelo qual os pesquisadores perguntem às pessoas sobre as suas crenças religiosas. Por exemplo, o GSS oferece apenas uma opção de resposta para os nenhuns (“sem religião”), enquanto o CCES oferece três (ateu, agnóstico, “nada em particular”). Em segundo lugar, os estadunidenses ainda estão a descobrir exatamente em que medida estão desligados da religião, portanto, mesmo pequenas mudanças na forma como essas perguntas são feitas podem afetar os resultados.

Os nenhuns não são só jovens brancos, altamente educados e progressistas

Em comparação com a população geral dos EUA, os estadunidenses não religiosos são mais jovens e têm mais tendência a ser democratas. Mas o número de estadunidenses não religiosos aumentou, em parte, porque gente de muitos grupos demográficos está a desligar-se da religião – muitos não se encaixam nesse estereótipo jovem e progressista. A idade média dos nenhuns é 43 (portanto, muitos são mais velhos que isso). Cerca de um terço dos nenhuns (32%) são pessoas de cor. Mais de um quarto dos nenhuns votou em Trump em 2020. E cerca de 70% não têm um curso universitário de quatro anos.

O declínio durante a última década na proporção de adultos negros (–11 pontos percentuais) e hispânicos (–10 pontos) que são cristãos é muito semelhante ao declínio entre os adultos brancos (–12 pontos), de acordo com a Pew. O número de graduados universitários que abandonam a fé (–13 pontos) é semelhante aos sem diploma (–11 pontos). O declínio na religião organizada é de facto muito maior entre os democratas (–17 pontos) do que nos republicanos (–7 pontos) e entre os milenares [nascidos de 1981 a 1996] (–16 pontos) em comparação com os baby boomers [nascidos entre 1946 e 1964] (–6 pontos), mas a tendência é muito ampla.

A crescente diversidade dos nenhuns explica muitas das dinâmicas que vemos nos EUA hoje. Por exemplo, ao contrário dos movimentos pelos direitos civis das décadas de 1950 e 1960, o Black Lives Matter não surgiu de igrejas cristãs negras e não é principalmente liderado por pastores negros. Parte da história é que alguns ativistas envolvidos no BLM consideram as igrejas negras demasiado conservadoras, particularmente em termos de não serem suficientemente inclusivas de mulheres e pessoas LGBTQ. Mas outra parte da história é simplesmente que o movimento Black Lives Matter foi iniciado em grande parte por negros com menos de 50 anos. Muitos negros estadunidenses com menos de 50 anos, como os não negros, estão desligados da religião. Cerca de um terço dos milenares negros não estão religiosamente afiliados, em comparação com 11% dos baby boomers negros, de acordo com a Pew.

Os nenhuns têm três coortes distintas.

Os nenhuns podem ser divididos geralmente em três grupos: agnósticos, ateus e um terceiro bloco que é muito maior do que os dois primeiros e resiste a ter um rótulo – o bloco “nada em particular”. De acordo com dados do CCES de 2020, cerca de 6% dos adultos estadunidenses são ateus e 5% são agnósticos, enquanto 21% dos estadunidenses descrevem as suas crenças religiosas como “nada em particular”. Os agnósticos e ateus, em particular, tendem a ser desproporcionalmente homens, brancos, com educação universitária e inclinados para os democratas. Os ateus, em particular, têm visões bastante negativas sobre igrejas e organizações religiosas.

Em contraste, o bloco “nada em particular” é mais diversificado – mais pessoas de cor, mais mulheres, mais republicanos, menos pessoas com diploma universitário. Tendem a não ter opiniões fortemente negativas sobre igrejas e organizações religiosas. Além disso, as pessoas neste grupo “nada em particular”, ao contrário da esmagadora maioria dos ateus e agnósticos, às vezes juntam-se (ou reintegram-se) em denominações religiosas. Cerca de um quarto daqueles que não eram nada em particular juntaram-se a denominações religiosas de 2010 a 2014, enquanto apenas cerca de 13% se tornaram ateus ou agnósticos, de acordo com uma análise de dados do CCES. (A maioria deles permaneceu nada em particular.)

E, novamente, estes números ajudam a explicar algumas coisas que acontecem na cultura e na política dos EUA. O movimento BLM tem-se coordenado com igrejas e pessoas religiosas negras – e essa colaboração é provavelmente facilitada pelo facto de que os negros raramente são ateus ou agnósticos e, portanto, não têm os sentimentos negativos sobre as igrejas e organizações religiosas habituais nas pessoas desses grupos. (Cerca de 12% dos negros não religiosos são ateus ou agnósticos, em comparação com cerca de 39% dos brancos não afiliados a uma religião.)

Os republicanos não afiliados numa religião geralmente não são agnósticos ou ateus – tornando provavelmente mais fácil permanecerem num partido com uma poderosa ala evangélica. Apenas cerca de 20% dos democratas são ateus ou agnósticos – o que significa que se sentem bastante confortáveis com um político abertamente religioso como o presidente Biden como líder de seu partido.

As pessoas estão a deixar as principais igrejas protestantes e o catolicismo em particular

Há mais ou menos tantos evangélicos (22% dos adultos), judeus (2%), protestantes negros (6%) e membros de religiões menores nos Estados Unidos, como o islamismo e o hinduísmo (6%), como havia há uma década atrás, de acordo com dados do GSS. Na verdade, dois grupos em particular é que estão em declínio: os protestantes tradicionais (pensemos em episcopais ou metodistas) e católicos.

Parte desse declínio diz respeito aos jovens – os membros idosos dessas denominações que morrem não estão a ser substituídos por uma coorte mais jovem. Mas agora as pessoas mais velhas estão a mudar cada vez mais de cristãs para não-afiliadas – particularmente as pessoas mais velhas que se inclinam politicamente para a esquerda. Como resultado, o cristianismo tradicional não só está em declínio, mas a tornar-se mais conservador. Entre 2008 e 2018, três das maiores tradições principais (os Metodistas Unidos, os Episcopais e a Igreja Unida de Cristo) tornaram-se mais republicanas.

Os nenhuns não deixam a religião só por causa da direita cristã

Quem deixa o cristianismo frequentemente cita que a política da direita cristã os repugna. Mas algumas das evidências aqui sugerem que provavelmente essa não é a única explicação. Há um afastamento geral dos estadunidenses da religião organizada – pessoas que são religiosas deixaram de se identificar como membros de congregações. Os republicanos estão a tornar-se menos religiosos, mas acham bem votar em candidatos que cortejam a direita cristã. E as pessoas que deixam o cristianismo não são, de resto, habitualmente membros de congregações evangélicas conservadoras.

Então, o que é que está a acontecer mais? Bem, as nações com PIBs per capita razoavelmente altos (como a Alemanha, o Japão e o Reino Unido) tendem a ter níveis bastante baixos de religiosidade. Os EUA há muito são um caso isolado: uma nação de alto rendimento e altamente religiosa. Mas os EUA possivelmente sempre estiveram destinados a tornar-se menos religiosos.

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