Teoria da Mente
Encontrei menções à Teoria da Mente por acaso, enquanto pesquisava outros assuntos. Mas pareceu-me um grupo de ideias tão fértil que acabei por interessar-me. A Teoria da Mente não é nenhuma teoria. É o estudo de um conjunto de habilidades, aparentemente inatas ou activadas muito cedo na infância, que permitem a cada indivíduo elaborar uma teoria de como funcionam a sua mente e as mentes dos outros, estabelecer analogias e divergências com a sua própria mente e criar estratégias de relacionamento social.
Os estudos da Teoria da Mente estão inseridos na Neurologia Cognitiva e remotamente relacionam-se com o trabalho de Jean Piaget.
Estes estudos têm uma base científica muito séria, quase sempre ancorada em experiências devidamente controladas e em imagética cerebral, com zonas cerebrais precisas referenciadas como locais de processamento das várias instâncias da Teoria da Mente.
Outra Neurologia relacionada, a Neurobiologia Evolucionária, concebe o cérebro humano não como uma tabula rasa mas como o resultado de um processo evolutivo em que a sua configuração resulta de uma sucessão de adaptações vantajosas do ponto de vista da sobrevivência da espécie.
O cérebro humano é uma aposta arriscada. Torna o parto doloroso e perigoso. É um electrodoméstico caríssimo: consome 20% dos recursos do corpo. Não existiria se não fosse essencial à nossa sobrevivência.
Pelo menos desde que o Homo Sapiens existe e provavelmente muito antes, os problemas mais complexos que cada membro da espécie tinha de resolver eram sociais: ocupar um lugar nas complexas relações dentro de cada grupo que lhe permitisse prosperar e reproduzir-se.
Foi neste meio que o cérebro evoluiu e dentro dele as capacidades da Teoria da Mente, com as suas perguntas anedóticas mas mesmo assim essenciais: O que é que tu pensas? O que é que tu pensas que eu penso? O que é que eu penso que tu pensas que eu penso? E por aí fora…
Há zonas do cérebro especializadas em analisar caras e dentro destas outras ainda mais especializadas em analisar as emoções expressas pelos olhos.
Sasha Baron-Cohen, o neurologista irmão do Borat, analisou a capacidade de destrinça de emoções a partir da análise do olhar e contou 212 estados emocionais, só de olhar para os olhos!
Noutras zonas são geridas imagens dessas outras mentes com que nos relacionamos. Jogamos com essas imagens para nos relacionarmos com os outros, ou podemos até imaginar relações que não existem. O que elucida como é difícil relacionarmo-nos com a morte: a outra pessoa morreu mas a imagem dela está viva dentro de nós.
Há muitos processos da Teoria da Mente a ser estudados, incluindo a empatia, o investimento afectivo, a autoridade, etc. Está a ser criada uma imagem do funcionamento cognitivo do cérebro muito mais complexa e, até certo ponto, menos “racional” do que se supunha anteriormente.
A TEORIA DA MENTE E AS CRIANÇAS
As capacidades da Teoria da Mente estão a ser estudadas no quadro da Psicologia do Desenvolvimento, nas crianças. A primeira das capacidades a ser estudada, nas crianças recém-nascidas, é a capacidade de apontar. Quer dizer, dirigir a atenção própria para um determinado objecto e conseguir que outra pessoa também preste atenção a esse objecto. O acto de apontar é extremamente social e bebés com pouco tempo são capazes disso.
Há uma experiência para avaliar uma etapa fundamental no desenvolvimento das capacidades cognitivas da Teoria da Mente, que se dá por volta dos 4-5 anos, a capacidade de atribuir uma falsa crença ao outro. Num pequeno teatro, duas bonecas, a Mimi e a Sissi, digamos, “brincam” com uma bola em frente de uma criança. A Mimi guarda a bola numa caixa azul e vai-se embora. A Sissi vai buscar a bola à caixa azul, brinca um pouco mais com ela e depois guarda-a numa caixa vermelha e vai-se embora. A Mimi volta e pergunta-se à criança: A Mimi vai procurar a bola a qual caixa, à caixa vermelha ou à caixa azul? A criança que atingiu a fase da atribuição de falsas crenças dirá que a Mimi vai procurar a bola à caixa azul porque pensa que ela ainda lá está e não sabe que a Sissi a guardou na caixa vermelha. Uma criança que não atingiu esta fase dirá que a Mimi vai à caixa vermelha porque sabe que a bola está lá.
(É curioso pensar na importância da “comédia de enganos” que elabora sobre este tipo de coisas no teatro)
Tudo isto se passa, é claro, num quadro em que a criança colabora numa fantasia de outras mentes, as bonecas, que sabe não serem autênticas mentes, mas sim uma brincadeira. Isto, por si só, é já bastante sofisticado.
Um teste mais simples da atribuição de crença falsa é o teste dos Smarties. Mostra-se a uma criança uma embalagem de Smarties e pede-se-lhe para adivinhar o que está lá dentro. A criança dirá, evidentemente, que são Smarties. E embalagem é aberta e lá dentro estão lápis. Volta-se a fechar a embalagem e afirma-se que esta vai ser mostrada a outra pessoa. Pede-se à criança para adivinhar o que essa pessoa dirá que contém a caixa. Se ela disser Smarties, terá sido capaz de atribuir uma falsa crença a outrém.
Uma outra experiência demonstra a concepção da mente fora do corpo, em crianças, penso, das mesmas idades. Num espectáculo de fantoches, um crocodilo come um macaco. Pergunta-se às crianças: o macaco agora ainda tem fome? As crianças respondem não. O macaco ainda gosta da mãe dele? As crianças respondem sim. Quer dizer, as crianças sabem que o macaco morreu, mas gostam de pensar que a sua mente persiste.
A TEORIA DA MENTE E OS AUTISTAS
Como era de esperar, os autistas, tanto os profundos como os funcionais, foram investigados e revelaram-se dificuldades no processamento da Teoria da Mente. Nas crianças tendem a observar-se atrasos no aparecimento das diversas capacidades relacionadas. Em termos de imagiologia cerebral, observaram-se zonas activadas mais difusas por comparação com os neurotípicos para as mesmas operações cognitivas, não activação de todo o leque de zonas cerebrais, etc. Investiga-se se poderá haver défices de neurotransmissores, proteínas, vitaminas, hormonas, etc., implicados nessas divergências. Esta procissão, é claro, ainda vai no adro.
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