Auschwitz: o reset
Num blogue chamado Skeptics Vocabulary, onde cheguei à procura do termo dissonância cognitiva, que, embora use frequentemente, é raro lembrar-me como se chama, encontrei um artigo sobre um assunto totalmente diferente, mas fascinante.
O autor, indiano (a página assume-se como parte do movimento céptico da Índia), depois de uma visita a Auschwitz, tece algumas considerações interessantes sobre a forma como tal excesso da barbárie forçou uma reavaliação das ideias da consciência mundial com respeito aos direitos humanos. Diz ele que, mais do que o Renascimento, um tal reset se deveu ao horror dos campos de extremínio nazis. É capaz de ter razão.
Como indiano, não pode também fugir a comparar a atrocidade nazi às atrocidades coloniais.
O autor descreve, em primeiro lugar, a visita:
Auschwitz era como um filme de terror sem áudio. Uma elegante dama ucraniana que falava um inglês impecável acompanhou o percurso com detalhes impressionantes. Levou-nos a um tempo inimaginável a partir do presente. Durante nossa excursão de três horas pelo local, há um silêncio quase completo entre os turistas. Os convidados pareciam surpresos com o visual que se desenrolava. Foi catártico.
A um quilómetro de distância, no campo de Birkenau, vimos uma delegação israelita colocar grinaldas na ferrovia de acesso. A pungência do momento era palpável. (...). A viagem toda foi tão esmagadora que, por quase duas semanas, ficámos cheios das suas memórias (...).
De seguida, o autor (anónimo) pensa sobre o assunto.
O grande reset
Se alguém tem alguma dúvida sobre o evento mais decisivo que criou a modernidade como a vemos hoje, não tenho. É a Segunda Guerra Mundial. E o que documenta a sua brutalidade é Auschwitz.
O genocídio não é novidade na História. Os assírios fizeram-no aos judeus. Os islâmicos fizeram-no aos assírios. Hordas da Ásia Central fizeram-no aos hindus no Hindu Kush. Os muçulmanos otomanos fizeram-no aos arménios na Turquia. Revivalistas brâmanes fizeram-no aos budistas no sul da Índia. Os budistas cingaleses fizeram-no aos tamiles no Srilanka. Mas o que fez o Holocausto nazi mudar o mundo foi que ele foi feito na presença total dos olhos modernos. Documentado com o requinte alemão. Descaradamente.
A Alemanha e o mundo ocidental mudaram com certeza após o genocídio do tipo nazi. Os Estados Unidos e grande parte dos aliados ocidentais evitaram o racismo somente após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial. Madison Grant, o eugenista norte-americano e um influente proponente da teoria das raças de senhores anglo-saxónicas, só perdeu o seu apelo depois da profundidade e amplitude do Holocausto nazi se tornarem evidentes.
Considera-se que as ideias modernas de democracia liberal surgiram após o Iluminismo europeu. Mas, como uma ideia universal, essa afirmação está longe de ser verdade. Eu diria que só surgiu depois da Segunda Guerra Mundial. Até então, a democracia liberal era destinada apenas aos brancos ocidentais. Para Madison Grant, os brancos ocidentais eram o sangue azul da linhagem anglo-saxónica. Uma proporção significativa de norte-americanos e britânicos acreditava nisso. Até os nazis levarem a ideia ao próximo nível.
Os nazis conseguiram em 20 anos o que os colonos britânicos e americanos fizeram em 300 anos. Era a história colonial britânica e norte-americana em fast-torward.
Churchill acabou por tornar-se um democrata liberal só quando os nazis o superaram nas suas crenças racistas. Os nazis queriam uma Índia para sua expansão imperial. Consideravam a Ucrânia e a Rússia o seu quintal e outras raças eslavas como "sub-humanas" e achavam moralmente correto ceifá-las para fornecer um espaço vital aos "super-humanos" alemães, por exemplo através do Plano da Fome.
Não é diferente do pensamentos dos colonos britânicos ou norte-americanos. Não é diferente dos comerciantes de escravos árabes que fizeram fortuna nas costas africanas.
Assim, embora tivéssemos ideias de democracia liberal a partir do século XVII, ela só foi concretizada como uma ideia universal após o Holocausto nazi. Auschwitz é seu grande alerta. Isso mudou o mundo. Para o bem. Mas que preço custou! Seis milhões de mortes em Auschwitz. 20 milhões de mortes de russos em combate. Uma geração inteira perdida na miséria.
Eu chamaria a Auschwitz o local que provou ser a mudança para uma "grande redefinição" que aconteceu no Ocidente desde a Segunda Guerra Mundial. Aprendi com o museu de Auschwitz que um fundo significativo para sua manutenção vem da própria Alemanha. Aprendi também que o museu ministra aulas para professores de toda a Europa sobre as lições do Holocausto e avisos para o futuro. Não tenho dúvida de que este é um monumento que define as sensibilidades modernas do Ocidente. É o evento que "redefine" o Ocidente.(...) Sim, Auschwitz tornou o Ocidente "moderno".
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