Formação 3

Conclusão de Formação 2

Fim dos milagres

As soluções mistas e de baixo custo como as que desenvolvi, com todos os seus problemas de fiabilidade e de improviso, vieram a mostrar uma outra vantagem decisiva, depois de 1992, em situação de crise económica, com a retracção do investimento publicitário: a firma onde trabalhava pôde adaptar-se à proliferação do desktop publishing caseiro e aceitar sem problemas os documentos que as empresas produziam nos seus escritórios ou os particulares em casa, com versões piratas do CorelDraw ou do PageMaker, ou mesmo no Word, no Excel ou pior que tudo, em PowerPoint. Outro chapéu na minha cabeça: especialista em desencravar trabalhos caseiros!

Durante todos estes anos, a minha besta de carga em design gráfico tem sido o Corel Draw!, em todas as suas versões da 1 à 13 corrente. Posso condiderar-me um perito em CorelDraw! Mas mexo em virtualmente todos os programas de desktop publishing e de escritório. Em que programa mais odeio mexer? No FreeHand, antes da Macromedia, agora da Adobe. Mas mexo, se for preciso! Também nunca gostei muito do Quark Xpress. Actualmente o meu paginador é o InDesign da Adobe.

Em 1992 deixei a Grafe, para fundar uma boutique criativa. Não nos demos mal. Éramos três, um criativo, um comercial e uma arte-finalista e conseguimos facturar 60 000 contos (300 000€) por ano, três anos seguidos. Ao fim de três anos, conflitos pessoais levaram ao fecho da empresa.

Estava esgotado. Ainda tentei voltar a arranjar trabalho como criativo, mas não me senti muito atraído. A criatividade em si não me cansa, o que me destrói é a responsabilidade de pôr uma empresa a facturar com coisas que saem da minha cabeça. E se não saem? E se a idéia que me parece excelente agora não passa de uma idiotice? E se a ideia for boa, mas o meu concorrente tiver uma melhor? Sim, durante esses nove anos na Grafe, além de todas as cabriolas tecnológicas que acabei de descrever, ainda fui o director criativo no sentido estrito; o brainstormer, o criador de estratégias de marketing e comunicação, campanhas, slogans, textos, ilustrador e às vezes produtor, e ainda ajudando os accounts no contacto com os clientes.

Chamo a isto o complexo de Jesus. Imagine Jesus na Galileia, a visitar aldeias com os seus apóstolos e a fazer milagres. Imagine ainda que nesta fase a natureza divina da sua pessoa não era muito clara. Fazia os seus milagres, cada um mais espectacular que o outro, e (imagino eu) atormentava-se: E se de repente, numa aldeia qualquer, o leproso não sara, o cego não vê, o coxo não anda? Que fará esta gente? Apedrejam-me até à morte?

Não tenho nenhuma fantasia de ser Jesus, não é isso. Mas o problema é que a minha profissão era fazer milagres e as expectativas eram muito altas. Os êxitos eram considerados corriqueiros, os fracassos eram dolorosos. A tensão acumulava-se e, no meu caso, manifestava-se por problemas de pele. Noutros criativos era o alcoolismo ou as drogas; em mim era a pele. Além disso, estava a caminhar para o meu segundo divórcio.

Designer gráfico, designer de um processo industrial

Levei um ano a tentar ganhar a vida como pintor, mas não resultou. Então arranjei um emprego como designer gráfico.

A ideia era arranjar um emprego fácil. De facto era fácil, comparado com o que tinha andado a fazer. Mas o escorpião não pode deixar de picar, e em pouco tempo estava envolvido na transformação tecnológica da empresa. Penso que a minha contribuição foi decisiva para a sobrevivência da firma, num cenário de grave crise em que centenas de empresas gráficas de todos os tamanhos fecharam. Esta, pelo contrário, teve um crescimento espectacular.

A minha contribuição centrou-se na implementação de um sistema gráfico avançado através de soluções baratas, flexíveis e eficientes, e também no uso pioneiro da Internet para captura de trabalhos e para a sua produção. Hoje em dia isso é corriqueiro, mas no início parecia que estava a falar da quinta dimensão!

Para além de melhorar muito a produtividade da empresa, o uso da Internet para encomenda, recepção e aprovação dos trabalhos deve ter poupado algumas toneladas de CO2, em viagens que não foram feitas pelos carros da firma. Mas, pelo lado inverso, o ganho de produtividade levou à destruição de mais uns hectares valentes de floresta, convertidos em papel.

Em retrospectiva, chego à conclusão que fiz exactamente o mesmo que já tinha feito por duas vezes, tendo em conta a evolução tecnológica: ajudei a desenvolver uma solução mista de PCs e Macs, recebendo trabalho profissional de agências através dos Macs e trabalho caseiro e de escritório através dos PCs; uso de soluções muito baratas porque baseadas em know-how próprio da empresa e não nas soluções dos vendedores; uso de serviços de criatividade invulgares numa empresa gráfica para fidelizar os clientes; rentabilização desses serviços através da criação de vários canais de produção (impressão offset, impressão digital, grandes formatos, dados variáveis).

Porém, fiz tudo isso num meio em que não há qualquer prémio para o know how e desta vez não tive o benefício de ser sócio da empresa, portanto não ganhei praticamente nada com isso.

Das artes gráficas à Web

Presentemente, estou cada vez menos interessado no mundo das artes gráficas e cada vez mais interessado na Web. A minha autoformação centra-se numa linha independente do emprego. Desde há anos que desenvolvo como hobby todas as tecnologias da Web: HTML, CSS, Flash, mais as novas promessas da Web 2.0, Ajax e XML. Não sei se isto levará a algum proveito financeiro. Tudo o que fiz na Web, com excepção de uma loja online há uns anos, foi gratuito. Mas tudo pode mudar e estou aberto a novas possibilidades.

Depois de tantos anos a propor o uso dos PCs nas artes gráficas, estou agora numa via de transição, cada vez mais interessado no mundo Unix e nas soluções de Open Source.

Fim (artigo anterior: Formação 2)

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