Formação 1
Continua em Formação 2
Talvez escreva um dia um texto sobre a minha formação (ou falta dela). Ou sobre a deformação da formação profissional, ou mesmo sobre a formação da deformação profissional.
Ou ainda sobre a inefável relação entre formação e educação, entre educação e cultura, entre cultura e sabedoria.
Ou então sobre a relação entre curiosidade e imaginação, formação e formatação permanente.
Mais: talvez me atreva a escrever sobre a relação entre formação da imaginação e resistência à formatação!
Mas para já, falemos dos dados essenciais da minha formação. Formalmente, em termos de canudo, tenho apenas o terceiro ano incompleto de Arquitectura, que nunca exerci. O Instituto de Emprego e Formação Profissional anda a falar em fornecer às pessoas canudos correspondentes à formação adquirida por experiência, ao longo da sua vida profissional. Aí, acho que arranjava um grande canudo...
Estudei Arquitectura, mas...
Devido à minha idade, ainda fui vítima do sistema escolar salazarista, com os seus métodos terríveis de ensino sebenteiro e autoritário. Mas uma coisa vos digo: o sucesso e o aproveitamento escolares eram muitíssimo superiores ao que se consegue actualmente. Não digo que devamos voltar ao antigamente; o que eu digo é que alguma coisa está errada no ensino actual e ainda não se descobriu o que é.
Não me dei mal por lá, até era um dos melhores alunos. As minhas aptidões apontavam para a carreira artística e por isso fui para Arquitectura.
O curso estava a ser muito interessante, mas a minha atenção era cada vez mais puxada para a actividade política (clandestina, nessa altura). Andei ligado ao movimento associativo estudantil e ao marxismo radical. Financiava o curso com um part-time como desenhador de construção civil. Então chegou o 25 de Abril. A revolução tornou-se muito mais absorvente que tudo o resto, além do que me deixou sem emprego, porque o atelier que me empregava fechou.
Nos anos seguintes interrompi a minha formação. Tinha um pequeno part-time como revisor de imprensa e o resto do tempo era dedicado à actividade política. Um curso completo de marxismo pode-se considerar formação?
Por fim deixei a actividade política (e o meu primeiro casamento), em 1979, e voltei a estudar Arquitectura. Correu tudo muito bem, até que estava prestes a passar para o quinto ano, com notas excelentes, quando o curso se desmoronou devido a um problema de procedências. Quero dizer, algumas cadeiras que eu tinha deixado por fazer no 25 de Abril invalidavam todo o curso que eu tinha tirado até então.
Este problema tinha-se posto anos antes para centenas de alunos de outras faculdades e tinha-se achado uma solução. Mas para mim, isolado e atrasado, não havia nenhuma. Tive que ir a correr fazer História da Arte do segundo ano, para ficar com o terceiro incompleto, o que me deu habilitação para ser professor de Educação Visual por uns meses, anos mais tarde.
Ainda tentei continuar a estudar a partir do terceiro ano, mas aquilo não tinha piada nenhuma. Estava a fazer cadeiras que já tinha feito e a escola estava a ser invadida pela versão mais oportunista do pós-modernismo, o taveirismo. Não queria defender o modernismo tradicional (!), não queria aderir ao taveirismo e estava muito mais interessado noutros dois campos decisivos para a minha formação humana: tinha descoberto a noite, primeiro, e a paternidade, depois.
Quando comecei como criativo ainda era quase tudo feito à mão. As maquetas eram pintadas com marcadores e com letras transferíveis, as ilustrações eram criadas com pincel e aerógrafo; os textos eram escritos à mão...
O tempo que passei a estudar Arquitectura não foi perdido. Nunca exerci, mas aquilo é um curso geral de design, muito melhor que os cursos específicos que há por aí. O método de projectar acompanhou-me por toda a vida, quer seja a criar uma campanha de publicidade, uma página Web ou uma empresa.
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