Formação 2

Continuação de Formação 1 Termina em Formação 3

Criativo de publicidade, criativo de empresas

Larguei Arquitectura, portanto. Tinha que sustentar a família e comecei a fazer trabalhos de publicidade. Cheguei a ter um período louco com um emprego de revisor de imprensa no Dafundo das 7:30 às 13:30 mais outro de professor de Educação Visual na Azambuja à tarde e publicitário em Odivelas à noite, morando na Parede e sem ter ainda carro.

Nunca fiz qualquer esforço para me dedicar às artes gráficas, pode-se dizer antes que elas vieram ter comigo em várias ocasiões. Na actividade estudantil, estive sempre ligado a tarefas editoriais, umas clandestinas, outras semi. Uma das minhas tarefas políticas, antes do 25 de Abril, foi trabalhar numa tipografia clandestina (não era nada de especial, era apenas uma máquina de escrever e um policopiador num apartamento alugado em Paço de Arcos, mas ter-me-ia dado uns anitos de prisão se fosse descoberto).

A minha actividade política pós-25 de Abril teve sempre uma forte componente editorial. Por outro lado, o meu emprego honesto de revisor de Imprensa pôs-me em contacto com o jornalismo.

Essa formação informal ajudou-me na minha actividade seguinte. Rapidamente o trabalho de publicidade se tornou tão absorvente (e melhor pago) que abandonei a revisão.

Aprendi os ossos do ofício praticando. Estava num pequeno gabinete de criatividade e era o único criativo. Apliquei àquilo a metodologia de projecto de Arquitectura, mais a capacidade de escrever que sempre tive e o jeito para desenhar inato. E li tudo o que pude sobre o assunto, claro.

A empresa teve sucesso. Teve um crescimento explosivo e em breve se transformou numa agência de publicidade de serviço completo. Fui convidado para ser sócio, para evitar que me fosse embora à procura de melhor ordenado.

Durante nove anos fui o director criativo da Grafe, que passou de uma facturação de 30 000 contos (150 000€) para 400 000 contos (2 000 000€) nesse período. Um crescimento de mais de 13 vezes. A empresa fez alguma TV, mas mais de 90% da sua produção era em anúncios para imprensa, outdoors, material impresso e material de ponto de venda. Havia também uma componente importante de relações públicas, através de empresas associadas.

© Carlos Cabanita 2008. Free to copy & publish but must indicate author, modification not allowed.

Este era o circuito gráfico quando comecei a trabalhar
 

Fiz criatividade de publicidade, ilustração, copywriting e muitas outras coisas, mas a coisa mais criativa que fiz teve lugar ao nível da empresa. Nesse período aconteceu a informatização das artes gráficas e da publicidade. O modelo dominante eram as máquinas pesadas de fotocomposição Agfa, então dominantes no mercado, e um esquema informático de estações dedicadas, capazes apenas de produzir tiras de película que eram montadas à mão. Chegava então a revolução PostScript: máquinas de fotocomposição Linotronic, ligadas a estações de trabalho Apple. Estudei as alternativas e achei as possibilidades emergentes do Postscript muito mais interessantes. Perguntei−me então: seria possível fazer criar um sistema com PCs, que custavam menos de um quarto dos Macs?

Tornei-me um pioneiro em duas coisas: na implementação do Postscript como método de fotocomposição, centrado em compositoras Linotronic em vez das limitadas Agfa, e na criação de linhas de produção gráfica baseadas em PCs e nas primeiras versões Windows (o primeiro PageMaker que usei, creio que era a versão 1.0, trazia uma versão runtime do Windows... 1.0!). Na verdade eram redes mistas, porque havia sempre Macs, imbatíveis na gestão de cores. Isso implicava outro pioneirismo em Portugal: a conectividade de redes mistas.

A meio dos anos 80 havia em Portugal bastante resistência a este tipo de soluções. A fotocomposição tradicional apresentava soluções fiáveis e conhecidas. As novas soluções eram um tiro no escuro e uma aventura. Muitas coisas não funcionavam ou pediam paciência de santo para serem configuradas. Os operadores eram profundamente conservadores. Nessa altura imperava o fotocompositor ou teclista, um indivíduo capaz de escrever num teclado a uma velocidade vertiginosa, enquanto discutia futebol ou telenovela. A última coisa que ele ou ela queria era que as teclas deixassem de estar nos lugares habituais. É preciso lembrar também que o hardware dessa altura tinha performances ridículas!

Eu fartava-me de provocar crises. Durante o fim−de−semana instalava na secção de fotocomposição uma nova versão do Windows ou do PageMaker. Na segunda-feira era o fim do mundo, com os protestos dos operadores. Eu fazia assim porque se estivesse à espera do acordo deles, nunca me deixariam mudar nada!

Nessa altura não havia programas de desenho, para além do Illustrator, um exclusivo Mac com um início atribulado, caríssimo, lento e cheio de bugs. O PageMaker só fazia texto simples, sem condensação nem outlines. Alguém me deu um manual de Postscript e eu descobri que tudo era possível, estava na linguagem, mas os aplicativos não implementavam as coisas mais interessantes. Então a primeira linguagem de programação que aprendi foi o Postscript. Escrevia um file de texto com o Postscript, enviava-o para a porta LPT1 da impressora e ficava a ver a luzinha a piscar, que me dizia que o file estava a ser processado. Se a impressora cuspisse uma página impressa, era uma vitória; se a luzinha acabasse, algo correra mal. Toca a voltar ao ficheiro de texto.

A vantagem era que se conseguia criar funções matemáticas e iterações que produziam por vezes curvas muito mais elegantes que com os sistemas interactivos posteriores. Quando apareceu o CorelDraw! (1.0), deixei de programar em Postsctript e acabei por esquecer tudo o que tinha aprendido. Tinha as minhas rotinas guardadas em diskettes de oito polegadas cujos drives desapareceram e acabei por jogá-las fora ou perdi-as.

© Carlos Cabanita 2008. Free to copy & publish but must indicate author, modification not allowed.

Este é o circuito informático gráfico actual (simplificado). Textos, imagens, layouts, pedidos de trabalho ou obras completas são recebidos via Web, flash pens, CDs ou DVDs. Macs e PCs estão integrados numa rede interna, com um servidor para armazenamento dos ficheiros. Depois de design gráfico, preparação ou paginação nas estações de trabalho e revistos/aprovados através de provas digitais, são convertidos no formato Acrobat PDF e processados para várias saídas possíveis: impressão offset via CTP (Computer to Plate), impressão digital, grandes formatos, ou ainda enviados para produção externa. A coerência da cor é assegurada por perfis de cor integrados que comandam automaticamente a afinação das máquinas de impressão. Impressoras de provas, digitais, CTP, plotters de grande formato ou de corte estão na rede, muitas vezes geridas por computadores especializados chamados RIPs (raster image processors) que também tratam da imposição (arrumação das páginas em planos de grande formato).

Outra área onde me tornei pioneiro foi a colaboração com as gráficas. Fomos dos primeiros em Portugal a conseguir produzir páginas inteiras processadas em conjunto numa película pela saída Portscript; até então o normal era haver tiras de texto, títulos e "selecções" (conjuntos de quatro películas de cada cor para as fotos) e tudo era montado manualmente na mesa de luz. As selecções levaram tempo a integrar-se no processo informático, pois eram produzidas em scanners pesados e carísssimos que não tinham qualquer forma de diálogo com as soluções que começavam então a chamar-se desktop publishing. Produziam película e pronto. Além das selecções, muitos materiais existiam em película e era mais fácil integrá-los na montagem. Nessa altura ainda se fazia muita arte final à mão.

A primeira vitória foi conseguir produzir páginas inteiras com texto, títulos e traços, que depois eram levadas para a empresa de pré-impressão, onde estava o scanner, junto com os originais fotográficos para digitalizar. Aí se fazia a integração final, em quatro películas grandes cheias de outras películas coladas com fita, cada uma correspondente a uma cor de impressão. De cada uma dessas películas gravava-se uma chapa de impressão, que era entregue na gráfica. Pouco a pouco as casas de pré-impressão, ou casas de fotolito, foram sendo capazes de colocar os scanners online e produzir as películas inteiras, sem montagem. Então o desafio era fazer chegar as páginas à pré-impressão em suporte digital. Não havia CD-ROMs nem flash pens, muito menos Internet ou banda larga. Apenas diskettes e zips da Iomega.

Outra guerra: os formatos. Antes da revolução Acrobat, a comunicação só se podia fazer, em cima, através de programas que mantivessem o mesmo formato em Macs e PCs, como o PageMaker e o Quark Xpress; em baixo através de Postscript puro ou EPS. Era sempre extremamente pouco fiável. Tornei-me, por necessidade, especialista em formatos, na transição de formato para formato.

Um exemplo curioso desta guerra de formatos. Algures nos anos 80, surge a possibilidade de fazermos o relatório anual da Finantia (acho que na altura ainda não era um banco). Qual o problema? Parece que o eng. Jorge Jardim Gonçalves, o mesmo que mais tarde fundou o BCP (penso que era a mesma pessoa, mas posso estar enganado), era fã do sistema de desktop publishing Ventura. Obrigava toda a gente no escritório a trabalhar com ele e o relatório estava em Ventura. Eu apenas sabia que esse software existia. Falei com o homem ao telefone, e disse que me encarregava do relatório. Arranjei uma diskette do Ventura e instalei-o, para o que tive de abandonar o Windows e trabalhar com uma interface mais antiga chamada Gem. O Ventura era um sistema magnífico, para alguém que conseguisse pensar logicamente. Compreendo que o eng. Jardim Gonçalves gostasse dele. Porém, nunca consegui contagiar ninguém com o meu entusiasmo. As secretárias da Finantia usavam-no, a julgar pelo tom em que falavam, porque o sr. engenheiro assim queria e pronto. E lá fiz o relatório, vários anos seguidos, guardando o programa, ano após ano, para essa eventualidade.

Continua e conlui em Formação 3

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