O sucesso do cristianismo

É legítimo duvidar de muitos dos benefícios que o cristianismo teria trazido ao mundo.

Reclama, por exemplo, ter proclamado uma moral mais humana, mais solidária. No entanto, nenhuma melhoria se viu, por quase dois mil anos, nem no comportamento do povo em geral, até quando quase todos eram fiéis, nem nas ações dos seus notáveis. Os papas, cardeais e bispos foram, na sua esmagadora maioria, opressores tão cruéis, corruptos e venais como os reis e nobres. Do lado dos protestantes, não se encontra grande melhoria. Martinho Lutero era um antissemita e misógino violento, advogava a forca para castigar os camponeses alemães que se revoltavam contra a miséria. Os seus seguidores imitavam os inimigos católicos na sanha de queimar bruxas.

Demónios

O próprio diabo deixou de meter medo. Agora é mais personagem de histórias de ficção e assunto de piadas.

Só nos últimos séculos se estabeleceu, embora com recaídas, uma moral mais humana, que não proveio da religião, mas da Filosofia Clássica e do Renascimento.

Essa moral, eventualmente, melhorou o cristianismo, mas contra vontade: os cristãos combateram ferozmente as ideias do Renascimento até serem em parte dominados por elas. Agora dizem que essas ideias são deles, que foram eles quem as inventou. Não é isso que a História conta.

Mas há um ponto em que é forçoso reconhecer o sucesso dos cristãos: foi a combater os demónios. Se lermos os Evangelhos, em especial o de Marcos, encontramos Jesus e os discípulos a travar verdadeiras batalhas contra demónios alojados nos espíritos da população. Centenas deles, milhares, a saltitar por todo o lado.1

Quiçá na Idade Média a luta continuou, porque há ainda menção de demónios infiltrados nos espíritos dos crentes. Mas aqui, não se sabe porquê, era necessário queimar ou torturar os hóspedes, coisa a que Jesus e os seus discípulos nunca tiveram que recorrer: bastava-lhes dizer com autoridade: "Vai-te embora!"  E o mafarrico ia.

De qualquer modo, uma coisa é segura: os demónios desapareceram por completo, ou quase. É raríssimo ouvir-se falar de algum e as poucas menções que existem merecem muito pouco crédito. Trata-se, sempre ou quase, de problemas mentais do suposto hóspede.

Talvez sejam uma espécie em vias de extinção, talvez já se tenham extinto.

Nesse caso, é preciso fazer justiça: mesmo que, no geral, o cristianismo não tenha trazido grande benefício, ao menos acabou com os demónios.

A luta épica de Jesus e da Inquisição não foi em vão.

Parabéns!


1 As referências a demónios e exorcismos abundam nos quatro evangelhos (O formato habitual para citar textos bíblicos é Mc 1:10-12, ou seja, Marcos, Capítulo 1, versículos 10 a 12). Excluo referências casuais ao Diabo. Só cito interações diretas com demónios.

No Evangelho de Marcos: Mc 1:23-27; Mc 1:34; Mc 1:39; Mc 3:11; Mc 3:15; Mc 3:22; Mc 5:1-20; Mc 6:7; Mc 6:13; Mc 7:25-30; Mc 9:17-29; Mc 9:38-39; Mc 16:17-18.

No Evangelho de Mateus: Mt 4:1-11; Mt 4:24; Mt 7:22; Mt 8:16; Mt 8:28-33; Mt 8:32-34; Mt 10:1; Mt 10:8; Mt 12:32; Mt 12:24-28; Mt 12:43-45; Mt 15:22-28; Mt 17:14-21.

No Evangelho de Lucas: Lc 4:1-13; Lc 4:33-35; Lc 4:41; Lc 6:18; Lc 7:21; Lc 7:33; Lc 8:2; Lc 8:26-34; Lc 9:1; Lc 9:38-42; Lc 9:49-50; Lc 10:17-20; Lc 11:14-15; Lc 11:24-26; Lc 22:3.

No Evangelho de João: Jo 6:70; Jo 8:48-53; Jo 13:2; Jo 13:26-27.

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