Céu e Inferno: uma história da vida depois da morte
Sempre me intrigaram duas noções que coexistem no pensamento cristão, ambas absurdas, mas totalmente incompatíveis, sobre a vida depois da morte.
Primeiro, a profecia de que os mortos hão-de ressuscitar na sua carne física, no dia do Juízo Final, em cenas que os filmes de terror têm ilustrado inúmeras vezes: os cadáveres a surgir das sepulturas nos cemitérios, a carne e os ossos a recomporem-se, de preferência com música sinistra a acompanhar. Essa cena de filme está ancorada em sólida teologia, é declamada mesmo no Credo, a oração aprovada no Concílio de Niceia, em 325, como declaração de princípios comum: “Creio na Ressurreição dos mortos…”
Depois, a noção de que existe uma alma, entidade espiritual e imortal, cuja vida, depois da morte do corpo físico, será recompensada ou punida eternamente por Deus. Tal alma não precisaria de esperar pelo Juízo Final nem dependeria do corpo, comparecendo imediatamente ao julgamento divino e encetando logo o seu estágio eterno de bem-aventurança ou tortura.
Diferentes pedaços das escrituras cristãs e dos escritos dos seus teólogos sustentam uma coisa ou outra, sem que os fiéis se incomodem demasiado com a coerência das suas crenças.
Por isso, achei muito revelador o livro de Bart Ehrman Heaven and Hell: A History of the Afterlife (Céu e Inferno, Uma História da Vida Depois da Morte), que explica, num contexto de investigação da história das ideias, a proveniência destas duas tradições teológicas incompatíveis, mas justapostas.
Bart Ehrman é, provavelmente, o estudioso bíblico mais conhecido hoje. A sua investigação tem revelado a forma como as escrituras religiosas são uma amálgama de acrescentos, censuras, reescritas e reinterpretações, a que acrescem múltiplas traduções negligentes ou de má fé, que acompanham, ao longo dos séculos, a evolução do pensamento das comunidades religiosas.
Há, essencialmente, dois tipos de estudiosos bíblicos: os crentes ou apologéticos, que procuram defender as escrituras de toda a crítica, e os seculares, que aplicam a esses documentos métodos modernos de análise histórica. Para os primeiros, tudo o que consta nesses documentos é verdade, incluindo naturalmente o Dilúvio, os feitos de Jeová, os milagres de Jesus e a sua ressurreição. Os estudiosos seculares da Bíblia não aceitam milagres nem narrativas maravilhosas e encaram a Bíblia como um documento de interesse histórico, do mesmo modo que as narrativas de Homero.
Na sequência do Renascimento, pensadores como Hobbes e Spinoza começaram a usar ferramentas racionais para analisar os textos bíblicos e encontraram inúmeras contradições e inconsistências. Foi notável a escola alemã, já desde o século XVIII, com Rumarius, que pôs em dúvida que sequer tenha existido o personagem histórico Jesus. No século XIX houve uma “busca de Jesus”, com inúmeras biografias que investigavam quem seria tal figura, onde se destaca Albert Schweitzer, que o apresentou como um profeta apocalíptico.
No século XX, o testemunho foi retomado pelas universidades dos EUA, onde o nome mais proeminente é Bart Ehrman, que tem produzido, ao mesmo tempo, estudos científicos e livros para o grande público com grande sucesso. Bart Ehrman acredita que existiu mesmo um Jesus histórico e que muitas das afirmações dos Evangelhos se relacionam com afirmações suas. Uma corrente minoritária, com Earl Doherty e Richard Carrier, põe em dúvida a historicidade do personagem e acredita que se trata de uma divindade à qual foi inventada uma vida na terra. Eu tenho tendência a inclinar-me para esta corrente, se bem que não acredite que haja forma de provar conclusivamente uma ou outra dessas teses.
Mas este trabalho de Bart Ehrman é extremamente interessante, por investigar, precisamente, as tradições religiosas que estiveram na origem das duas ideias incompatíveis hoje vigentes no cristianismo, sobre a vida depois da morte. Trata-se de uma entrevista em áudio, com transcrição que traduzi, de Fresh Air, uma rubrica do site informativo NPR. Os subtítulos são meus.
Céu e inferno 'não são o que Jesus pregou', afirma estudioso de religião
NPR, Fresh Air, 31 de março de 20201, Terry Gross
A versão áudio da entrevista, em inglês, são 41 minutos.
Bart Ehrman diz que as ideias de recompensas e punições eternas não são encontradas no Antigo Testamento ou nos ensinamentos de Jesus. O seu novo livro é “Heaven and Hell: A History of the Afterlife”.
Este é o Fresh Air. Sou Terry Gross. Quando originalmente agendámos a entrevista que vamos ouvir, não percebemos como seria estranhamente oportuna. Vamos encarar os factos – a pandemia tornou a morte presente numa escala com a qual a maioria de nós não está acostumada. As crenças sobre o que acontece após a morte, ou se algo acontece, podem moldar a maneira como lidamos com os nossos medos e ansiedades. No novo livro, “Heaven and Hell: A History of the Afterlife” (Céu e Inferno: Uma História da Vida Depois da Morte), o meu convidado Bart Ehrman escreve sobre de onde vieram as ideias de céu e inferno. Examina a Bíblia Hebraica, o Novo Testamento, bem como escritos da era grega e romana.
Ehrman é um distinto professor de Estudos Religiosos na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e um dos estudiosos mais lidos do Cristianismo e do Novo Testamento dos EUA. Livros seus como "Misquoting Jesus: The Story Behind Who Changed the Bible and Why" (Citando Mal Jesus: A história por trás de quem mudou a Bíblia e porquê) e "How Jesus Became God: The Exaltation of a Jewish Preacher from Galilee" (Como Jesus Se Tornou Deus: A Exaltação de um Pregador Judeu da Galileia) desafiam muitas crenças e sabedoria comum. Quanto às crenças de Ehrman, em criança, era menino de altar na Igreja Episcopal. Aos 15 anos, tornou-se um cristão evangélico fundamentalista renascido. Depois de frequentar o Moody Bible Institute, estudou no Princeton Theological Seminary, que lhe mostrou textos e interpretações que o levaram a uma forma mais liberal de cristianismo. Eventualmente, abandonou completamente a fé.
Bart Ehrman, bem-vindo de volta ao Fresh Air. É um prazer tê-lo de volta. Como vai você e a sua familia?
Bart Ehrman: Estamos todos bem. E obrigado por me ter de volta.
Gross: Então a pandemia está a fazê-lo pensar de forma diferente sobre o seu livro? Está a ver o seu livro de uma forma que não percebeu quando o estava a escrever?
Ehrman: Eu diria, não muito. A minha opinião é que as pessoas sempre se preocuparam com a morte, com o que lhes acontece quando morrem, e foi por isso que comecei a estudar este livro. Mas a pandemia, para mim, simplesmente deixa bem claro porque existem esses problemas para tantas pessoas. A maioria, é claro, está mais preocupada com o processo de morrer agora ou de ficar doente, ou ainda com a parte económica. Mas ainda há a questão da morte; tornou-se simplesmente mais pronunciada.
Bart Ehrman
Gross: É justo dizer que é ateu agora?
Ehrman: É justo dizer (risos). Na verdade, considero-me ateu e agnóstico porque não sei se existe um ser superior no universo, mas não acredito que haja. E então, em termos do que sei, sou um agnóstico. Mas em termos do que acredito, sou ateu.
Gross: Numa época como esta, gostaria de ainda poder acreditar num céu que oferece a vida eterna, num lugar onde estaria unido com os seus entes queridos?
Ehrman: Sim, isso seria absolutamente bom. Não é que eu desejasse acreditar; gostaria que fosse verdade. E como digo no meu livro, onde provavelmente chegaremos, pode ser verdade que vivamos depois de morrer. Mas se o fizermos, será assim algo agradável. Não vai ser algo horrível. Não é que eu desejasse acreditar, é que gostaria que fosse verdade.
Gross: Então, em que é que acredita sobre a morte agora, sobre o que acontece depois de morrer?
Ehrman: Bem, li sobre a morte e pensei sobre a morte e a vida após a morte por muitos, muitos anos e o que o que os filósofos dizem e os teólogos dizem e os estudiosos da Bíblia dizem, o que as pessoas geralmente dizem. E ainda acho que Sócrates é quem provavelmente se exprimiu melhor. Quando estava a ser julgado, sob pena de morte – portanto, era uma sentença de morte que o aguardava – ele conversava com os seus companheiros sobre o que seria a morte, e a sua opinião era que é uma de duas coisas.
Ou continuamos a viver e vemos aqueles que conhecíamos e que não conhecíamos antes, e passamos todo o nosso tempo com eles, o que para ele era um paraíso absoluto, porque nada o encantava mais do que conversar com as pessoas, e agora podia conversar com Homero e com todos os grandes nomes do passado grego. Então isso seria ótimo. E se não fosse isso, ele disse que seria como um sono profundo. Toda gente adora um sono profundo e sem sonhos. Ninguém se preocupa ou fica aborrecido por isso. E essa é a alternativa. E então, ou é um sono profundo ou é um bom resultado, e de qualquer forma vai ser bom. E isso é exatamente o que penso.
Alma, fôlego, respiração entre os judeus
Gross: Uma das teses do seu livro sobre a história do céu é como as visões do céu e do inferno não remontam aos primeiros estágios do cristianismo, e não estão no Velho Testamento ou nos ensinamentos de Jesus. Não estão?
Ehrman: (Risos) Eu sei, exatamente. Essa é a grande surpresa do livro, e é a única coisa que as pessoas provavelmente não esperavam porque, sabe, quando eu estava a crescer, eu simplesmente presumi que sim. Esta é a visão do Cristianismo. Portanto, deve ser isto que Jesus ensinou. Isto é o que o Antigo Testamento ensinava. E, de facto, não está certo. A nossa visão de que morremos e a nossa alma vai para o céu ou para o inferno não se encontra em sítio nenhum do Antigo Testamento, e não é o que Jesus pregou. Tenho que mostrar isso no meu livro, e vou explanar e explicar porque não é absolutamente o caso de Jesus acreditar que e a nossa alma vai para o céu ou para o inferno. Jesus tinha um entendimento completamente diferente do que as pessoas hoje têm.
Gross: Há coisas na Bíblia Hebraica que ainda apoiam a ideia de céu e inferno como as pessoas vieram a entender, coisas que se podem extrair do Antigo Testamento, que podem não mencionar literalmente céu e inferno, mas ainda assim sustentam a visão que surgiu?
Ehrman: Acho que uma das coisas mais difíceis das pessoas entenderem é que os antigos israelitas, depois os judeus e o próprio Jesus e os seus seguidores tinham uma compreensão muito diferente da relação entre o que chamamos corpo e alma. A nossa visão é que temos duas coisas que acontecem nas partes humanas. Temos o nosso corpo, o seu ser físico, e temos a alma, esta parte invisível de nós que vive depois da morte, que se pode separar os dois e que a alma pode existir fora do corpo. Essa não é uma visão sustentada pelos antigos israelitas e depois pelos judeus, e nem sequer é ensinada no Antigo Testamento.
No Antigo Testamento, o que chamaríamos alma é realmente mais parecido com o que chamaríamos respiração. Quando Deus criou Adão, cria-o do barro e, então, sopra vida nele. A vida está na respiração. Quando a respiração deixa o corpo, o corpo já não vive, mas a respiração não existe. Nós concordamos com isso. Quero dizer, quando morremos, paramos de respirar. A nossa respiração não vai para lado nenhum. E esse era o antigo entendimento, o antigo entendimento hebraico da alma, é que ela não ia para lado nenhum porque era simplesmente o que dava vida ao corpo.
E assim, no Antigo Testamento, não há ideia de que a alma vá para um lugar ou outro, porque a alma não existe separada do corpo. A existência é inteiramente corporal. E essa foi a opinião que Jesus então adotou.
Gross: Existem passagens específicas na Bíblia Hebraica que apoiam a noção de uma vida após a morte?
Ehrman: É uma boa pergunta. Geralmente aponta-se para as passagens no Livro dos Salmos que falam sobre o Sheol. É uma palavra mal traduzida. Às vezes, Sheol é traduzido para a palavra inferno, e não é de todo o que se pensa como inferno. Às vezes, fala-se sobre Sheol hoje como um lugar parecido com o Hades grego, um lugar para onde toda a gente vai depois de morrer, e não se trata realmente de seres físicos lá em baixo; são como almas, existem para sempre lá, e não há nada a fazer, são todas iguais. Então Sheol às vezes é retratado assim. A Bíblia fala sobre este lugar Sheol, especialmente na poesia, especialmente nos Salmos. E provavelmente não é um lugar que as pessoas vão, por si só.
Se olharmos mesmo o que os Salmos dizem sobre o Sheol, sempre o equivalem ao túmulo ou à cova. Assim, parece que os antigos israelitas simplesmente pensavam que, quando se morria, o corpo era enterrado nalgum sítio. Era posto numa sepultura, ou numa cova, e isso é que eles chamam Sheol, é o lugar onde os restos mortais estão. Mas não é um lugar onde se continue a existir depois.
Praticamente o único lugar na Bíblia Hebraica onde se encontra um exemplo de alguém que morreu que parece continuar vivo depois é na passagem muito estranha e interessante no livro de 1 Samuel, onde o rei, Saul, está desesperado pelo conselho de alguém sábio, e então ele chama uma necromante, uma mulher, essa mulher de Endor, que chama o seu ex-conselheiro Samuel do túmulo. Ela faz uma espécie de sessão espírita. E Samuel chega e fica mesmo zangado por ela o ter chamado do túmulo, fica zangado com Saul por ter feito isto, e prediz que Saul vai morrer no dia seguinte na batalha, o que acontece.
Nascimento do Apocalipse
E assim geralmente aponta-se para isto como uma instância em que as pessoas ficam vivas depois de mortas. E certo, parece assim que quando se lê simplesmente. Mas se se ler realmente com atenção, não diz lá isso. O que está escrito é que Samuel apareceu, mas não diz onde estava, e não diz se estava vivo nesse tempo. Parece que, antes de ser ressuscitado, estava simplesmente morto, foi trazido de volta à vida temporariamente, e não gostou (risos), então ficou zangado.
Gross: [...] Então você escreve que a partir do século VI AEC, os profetas hebreus começaram a proclamar que a nação tinha sido destruída e seria trazida de novo à vida por Deus. Seria a ressurreição da nação. Mas então, no final da era da Bíblia Hebraica, alguns pensadores judeus passaram a acreditar que a futura ressurreição se aplicaria não apenas à nação, mas também aos indivíduos. Como acontece essa mudança?
Ehrman: Esta é uma mudança realmente importante para a compreensão, tanto da história do judaísmo posterior, como da história do cristianismo e do Jesus histórico. Cerca de 200 antes de Jesus nascer, houve uma mudança no pensamento no antigo Israel que se tornou uma forma de ideologia, um tipo de pensamento religioso que os estudiosos hoje chamam apocalipticismo. Tem a ver com o apocalipse, a revelação de Deus. Essas pessoas começaram a pensar que a razão de haver sofrimento no mundo não é o que os profetas disseram, que o povo peca e Deus está a puni-lo; é porque existem forças do mal no mundo que estão alinhadas contra Deus e o seu povo, que estão a criar sofrimento. Assim temos essas forças demoníacas no mundo que criam miséria para todos.
Mas esses pensadores apocalípticos acabaram por pensar que Deus, em breve, iria destruir estas forças do mal e livrar-se delas por completo, e o mundo voltaria novamente a ser uma utopia. Seria como o paraíso. Seria como o Jardim do Éden mais uma vez. Quem pensava assim afirmava que este Jardim do Éden viria, não só para quem, por acaso, estivesse vivo quando ele chegasse; iria acontecer a todos. Quem estivesse do lado de Deus, ao longo da história, seria ressuscitado pessoalmente dos mortos e seria individualmente trazido para esta nova era, este novo reino que Deus governaria aqui na Terra.
Outros livros de Bart Herman
Gross: Então, tudo isso dependia do Messias vir no fim dos dias, o que alguns profetas judeus previram que aconteceria em breve. Quando Jesus estava vivo, pensava que o fim dos dias chegaria em breve. E, claro, isso não aconteceu.
Ehrman: Sim.
Gross: E você diz que, para os antigos judeus, o facto do Messias não ter vindo, foi um ponto de viragem nas crenças sobre o que acontece após a morte também. Começou a haver uma crença de que a recompensa e a punição seriam logo após a morte, ao contrário de depois da vinda do Messias.
Ehrman: Sim. Isso tornou-se um ponto de vista, um tanto no judaísmo, e muito pronunciado no cristianismo. Depois de Jesus. O próprio Jesus defendeu a visão apocalíptica que eu expus. O seu principal ensinamento é que o Reino de Deus está a chegar. As pessoas hoje, quando leem a frase Reino de Deus, pensam que ele está a falar sobre o céu, o lugar para onde a alma vai quando se morre. Mas Jesus não está a falar sobre o céu, porque não acredita – é um judeu – ele não acredita na separação da alma e do corpo.
Ele não acha que a alma vai continuar a viver no céu. Ele pensa que haverá uma ressurreição dos mortos no fim dos tempos. Deus destruirá as forças do mal. Ele vai ressuscitar os mortos. E aqueles que estiverem do lado de Deus, especialmente aqueles que seguem os ensinamentos de Jesus, entrarão no novo reino aqui na Terra. Serão seres físicos. Estarão em corpos. Vão viver aqui na Terra, e é aqui que estará o paraíso. E então Jesus ensinou que o Reino de Deus, este novo lugar físico, viria em breve, e aqueles que não entrassem no reino seriam aniquilados.
O que acaba por acontecer é que, com o passar do tempo, essa expectativa de que o reino viria em breve começou a ser questionada, porque era para em breve e não veio em breve, e ainda não chegou, e quando vai chegar? E as pessoas começaram a pensar, com certeza que vou ser recompensado, não nalgum reino que virá daqui a alguns milhares de anos, mas serei recompensado por Deus, imediatamente. E assim acabaram por mudar o pensamento, da ideia de que haveria um reino iminente aqui na Terra, para a ideia de que o reino, de facto, está com Deus no céu. Então começaram a pensar que isso aconteceria com a morte, começaram a supor que, de facto, a sua alma continuaria a viver.
Não foi por acidente que isto entrou no cristianismo depois da maioria dos que vieram para a igreja cristã ter crescido em círculos gregos, e não em círculos judaicos, porque nos meios judaicos não há separação entre a alma e o corpo. A alma não existia separadamente. Mas nos meios gregos, desde Platão e antes dele, o contrário era crença absoluta. No pensamento grego, a alma era imortal e viveria para sempre. Então, esses que se converteram ao Cristianismo eram principalmente pensadores gregos, pensavam que havia uma alma que viveria para sempre. Desenvolveram a ideia, então, de que a alma vive para sempre com Deus quando é recompensada.
Paulo de Tarso e a salvação
Gross: Então você dizia que realmente não há uma descrição explícita do céu e do inferno na Bíblia Hebraica, ou mesmo no Novo Testamento, mas que Paulo é importante para entender a história do céu e do inferno. Conte-nos sobre o que Paulo escreveu.
Ehrman: Paulo é muito importante para entender a história do céu e do inferno, da mesma forma como é importante para entender a maioria das coisas sobre o pensamento cristão primitivo. Paulo não foi um seguidor de Jesus durante a vida de Jesus. Não foi um dos discípulos. Converteu-se vários anos após a morte de Jesus. Paulo era judeu. Foi criado como judeu. Não foi criado em Israel; ele era de fora de Israel. Era um judeu que falava grego. Mas também era, como Jesus, um apocalipticista que pensava que no final dos tempos haveria uma ressurreição dos mortos.
Quando se convenceu que Jesus tinha ressuscitado dos mortos, pensou que a ressurreição tinha começado. Então, falou sobre viver nos últimos dias, porque presumiu que todos os outros agora seriam ressuscitados a seguir. Então Paulo pensou que estaria vivo quando o fim chegasse. Para Paulo, Jesus voltaria do céu e traria o reino de Deus aqui na Terra, e as pessoas seriam ressuscitadas dos mortos por uma eternidade gloriosa. Paulo, nas suas primeiras epístolas, afirma esta visão da ressurreição iminente. Vai chegar muito em breve. E esperava estar vivo quando isso acontecesse.
Mas então o tempo arrastou-se, algumas décadas se passaram, e isto não aconteceu. Paulo começou a perceber que, na verdade, poderia morrer antes que isto acontecesse. Assim, nalgumas das suas epístolas posteriores, pondera a possibilidade da morte e questiona-se: Que acontece comigo, então? Se eu for trazido à presença de Cristo na ressurreição, e há um intervalo entre o momento em que morro e... que acontece comigo durante esse intervalo? E ele começou a pensar que, com certeza, vai estar na presença de Cristo durante esse tempo.
E então ele teve a ideia de que teria uma residência temporária com Cristo no Reino de Deus, no céu, até o fim chegar. Isto é o que o Paulo tardio tem a dizer, este é o começo da ideia cristã de céu e inferno, de que se pode existir – mesmo que os restos físicos estejam mortos, pode-se existir na presença de Deus no céu. E assim que Paulo começou a dizer isto, os seus seguidores agarraram-se realmente à ideia, porque a maioria dos conversos de Paulo eram de círculos gregos. Eram gentios. Não eram judeus. Tinham sido criados na ideia de que a sua alma continua viva após a morte, e agora tinham um modelo cristão para aplicá-la. Podiam dizer que, sim, a alma continua viva e, portanto, quando morrermos, as nossas almas subirão para Deus no céu. E com o passar do tempo, isso tornou-se a ênfase, em vez da ideia da ressurreição dos mortos.
Se há céu, há também inferno
Gross: Como é que o inferno entra nisto?
Ehrman: Já que estas pessoas acreditavam que a alma era imortal, que se pode matar o corpo mas não se pode matar a alma, eles pensaram, então a nossa alma irá para o céu para estar com Deus. Mas então deram-se conta, que dizer das pessoas que não estão do lado de Deus? Bem, se estamos a ser recompensados, eles serão punidos. É assim que se começa a desenvolver a ideia de inferno, que é um lugar onde as almas vão para serem punidas – como o oposto de quem vai para o céu para ser recompensado. Ao pensar assim, os cristãos estão simplesmente a pegar em pontos de vista que existiam entre os gregos desde a época de Platão. Platão também tem ideias sobre as almas continuarem a viver, para serem recompensadas ou punidas para sempre. E os cristãos agora, que vinham principalmente de contextos gregos, agarraram-se a essa ideia como uma forma cristã de aplicá-la.
Gross: [...] Você também estudou os Evangelhos Gnósticos, os evangelhos recentemente descobertos que nunca se tornaram parte do cânone. E esses são textos mais místicos. E o mais famoso dos Evangelhos Gnósticos é o de Tomás. Qual era a sua visão do que acontece após a morte?
Ehrman: Os vários grupos de cristãos que às vezes se chamam gnósticos abrangem uma ampla gama de pontos de vista. Existem muitas religiões diferentes que são chamadas gnósticas. Mas uma coisa que a maioria deles tem em comum é a ideia de que o corpo não é o que interessa. O corpo não é nosso amigo e Deus não criou o corpo. O corpo é um desastre cósmico. É por isso que sentimos tanta dor e sofrimento, porque vivemos nestas conchas materiais. E na maioria das religiões gnósticas, a ideia é sair da casca, escapar da concha. Portanto, têm uma grande diferenciação entre alma e corpo, que vem — o gnosticismo, de certa forma, vem — do pensamento grego. Portanto, para eles, não há ressurreição dos mortos.
Os gnósticos discordavam da ideia judaica de que, no final dos tempos, Deus ressuscitaria os mortos fisicamente. Para os gnósticos, a ideia de ser ressuscitado no corpo era repulsiva. Quer dizer que tenho que viver nesta coisa para sempre? Não. A vida real está na alma. Portanto, negaram a ideia da ressurreição do corpo. E o que é interessante é que os gnósticos então afirmaram que Jesus também a negou. Quando se lê os Evangelhos Gnósticos, encontra-se Jesus a denunciar a ideia de que há uma ressurreição do corpo ou de que a vida será vivida eternamente no corpo; é estritamente uma questão da alma.
E a outra coisa interessante é que o que os gnósticos fizeram, ao atribuir as suas ideias a Jesus, é também o que os cristãos ortodoxos fizeram, pondo palavras nos lábios de Jesus que apoiavam as suas ideias de céu e inferno. E assim, nos nossos vários Evangelhos, temos Jesus a dizer todos os tipos de coisas contraditórias, porque diferentes pessoas estão a pôr as suas próprias ideias nos seus lábios.
Não compreender o Apocalipse
Gross: Então, o seu novo livro é sobre a história do céu e do inferno. O seu próximo livro, no qual você está a trabalhar agora, chamar-se-á "Expecting Armageddon" (À Espera do Armagedão). Então, como é que o Livro do Apocalipse contribui para a visão do inferno?
Ehrman: Como sabe, muitas pessoas leem o Apocalipse como uma indicação de que os que se opõem a Deus – os pecadores – serão lançados no lago de fogo para sempre, e ficarão a flutuar no fogo por toda a eternidade. Aprenderam isso em várias passagens do Livro do Apocalipse. Tenho que lidar com isto no meu livro, onde tento mostrar que, de facto, o Livro do Apocalipse não descreve o tormento eterno para os pecadores no lago de fogo. Há vários seres que vão para o lago de fogo, mas não são seres humanos; são o Anticristo, a Besta e o Diabo, são forças sobrenaturais que são atormentadas para sempre.
As pessoas, no Livro do Apocalipse, os seres humanos que não estão do lado de Deus, são realmente destruídas. São varridas. Esta é a visão bastante consistente em todo o Novo Testamento, começando por Jesus. Jesus acreditava que as pessoas seriam destruídas no final dos tempos, seriam aniquiladas. Portanto, a sua punição é que não obteriam o Reino de Deus. Essa também é a visão de Paulo, que as pessoas seriam destruídas quando Jesus voltasse. Não é que vão viver para sempre. E é a visão do Apocalipse. As pessoas não vivem para sempre. Se não forem trazidos para a nova Jerusalém, a cidade de Deus que desce do céu, serão destruídos.
Gross: Portanto, muitas das imagens do inferno vêm do Livro do Apocalipse. É um livro muito explícito, horrível, e pergunto se já pensou porque é tão gráfico.
Ehrman: Sim, eu pensei muito sobre isso. Como você disse, este será o meu próximo livro, sobre como as pessoas interpretaram mal o Apocalipse como uma previsão do que vai acontecer no nosso futuro. E as imagens gráficas do livro realmente contribuíram para todas estas interpretações do Apocalipse. Quando antes eu dizia que Jesus era um apocalipticista, que pensava que o mundo iria acabar, que Deus iria destruir as forças do mal para trazer um reino bom, isso é precisamente o que o autor do Livro do Apocalipse pensa, o livro é uma descrição de como isso vai acontecer.
O livro é sobre a terrível destruição que terá lugar na Terra quando Deus arrasar tudo o que se opõe a ele, antes de trazer um reino bom. E assim todas as imagens de morte e destruição e doença e guerra, no Livro do Apocalipse, são usadas para mostrar que medidas terríveis Deus tem que tomar a fim de destruir as forças do mal que estão completamente infiltradas no mundo humano, antes de trazer um novo mundo. Este, entretanto, não é um livro que descreva o que acontecerá aos indivíduos quando morrerem e forem para o céu ou inferno; é uma descrição do julgamento final de Deus que de alguma forma virá à Terra.
Gross: Você falou sobre como a crença no fim dos tempos levou de forma tortuosa à crença no céu e no inferno. Tenho ouvido muitas piadas ultimamente sobre como isto é o fim dos tempos. Sabe, a Califórnia estava a arder. Temos mudanças climáticas, condições meteorológicas extremas, terremotos e vulcões. E as pessoas temem que o próprio planeta esteja a morrer. Temos, sabe, plásticos no oceano, calotas polares a derreter. E agora temos a pandemia. Estou a questionar se também está a ouvir esse tipo de coisa.
Ainda outros livros de Bart Herman
Ehrman: Sim. Sim, claro. Quer dizer, muitas pessoas não estão a brincar. Levam isto muito a sério. Quero dizer algumas coisas sobre isto. Em primeiro lugar, todas as gerações desde a época de Jesus até hoje tiveram cristãos que insistiram que as profecias estavam a cumprir-se nos seus próprios dias. Sempre houve gente que escolheu um momento preciso em que isto iria acontecer. E há duas coisas que se pode dizer sobre cada uma destas pessoas ao longo da história, que escolheram uma época. Uma é que basearam as suas previsões no Livro do Apocalipse. E em segundo lugar, cada um deles está indiscutivelmente errado (risos). Então isso deve dar que pensar. As coisas que estão a acontecer agora são absolutamente terríveis, como, é claro, foram de 1914 a 1918 e como foram em noutras épocas da história.
O livro que estou a escrever, que agora chamo "Expecting Armageddon", é sobre isso. É sobre como as pessoas usaram indevidamente o Livro do Apocalipse para falar sobre como o fim está a chegar e como parece sempre que vai chegar no nosso próprio tempo. E toda a gente pensa que ele é o pior possível. E, desta vez, podemos acertar. Esse tipo de pensamento, porém, ganhou realmente destaque no final do século 19 e no século 20 e ainda mais em 1945, quando na verdade tínhamos os meios de nos destruir o planeta, o que ainda temos, aliás . As pessoas já não falam sobre armas nucleares, mas provavelmente deviam falar, porque essa é outra forma como tudo isso pode acabar.
Mas agora a conversa é mais sobre mudança climática, como deveria ser. Certamente podemos fazê-lo a nós mesmos desta vez, mas não será uma predição, o cumprir das predições de uma profecia; será por causa da estupidez humana e da recusa em agir frente à crise.
Gross: [...] Então agora enfrentamos uma pandemia. Você poderia, suponho, usar a palavra praga, e a palavra, praga está na Bíblia Hebraica. Quais eram as explicações na Bíblia Hebraica para as pragas?
Ehrman: Sim. O Velho Testamento tem uma explicação bastante uniforme e bastante sombria do motivo de haver pragas, epidemias ou pandemias. Em praticamente todos os casos, somos informados de que é porque Deus está a punir o povo. O povo agiu contra a sua vontade, e ele traz este desastre de epidemia sobre ele. Vê-se isto na história de Moisés, no Livro do Êxodo. Encontra-se isto em todos os sítios, nos escritos dos profetas, em Amós e Isaías, etc. Essa era a velha visão de que a razão pela qual o povo de Deus sofre é porque fez qualquer coisa errada e ele deseja que se arrependa.
O pensamento apocalíptico hoje
Eventualmente, os pensadores judeus começaram a raciocinar que não fazia muito sentido, porque havia momentos em que eles estariam a fazer o que Deus lhes dissera para fazer, ou pelo menos estariam a esforçar-se o melhor que sabiam, e mesmo assim sofriam estas pragas. Foi aí que desenvolveram a ideia de que, na verdade, são as forças do mal que estão a causar estes desastres. Estas continuam a ser duas das explicações comuns hoje.
Há pessoas hoje que dizem que o motivo da pandemia é devido a um pecado ou outro. É por causa daquela gente LGBTQ, que se entrega a atividades promíscuas, que Deus está a punir-nos. Ou é por causa de um mal social ou outro que Deus está a punir-nos. Há esse grupo. E também há um grupo que diz que é o Diabo que está a fazer isto, que na verdade, são as forças do mal. Satanás está a trabalhar à sua maneira, e isso é porque estamos no fim dos tempos, e ele tem que ser solto aqui no fim dos tempos, antes que Deus intervenha. Há ambas as explicações. A maioria das pessoas provavelmente não concorda com nenhuma das duas. A maioria das pessoas apenas diz, é uma pandemia, e é melhor prestarmos atenção aos nossos cientistas, o que é, obviamente, a resposta socialmente mais satisfatória para a pergunta.
Gross: Quando tinha 15 anos e se tornou um cristão evangélico fundamentalista, em que teria acreditado sobre a pandemia?
Ehrman: É uma pergunta muito boa. Eu provavelmente teria concordado com a visão de que Deus estava zangado e que tínhamos que nos arrepender para que ele cedesse, ou que era o Diabo a fazer isto, e precisávamos de orar a Deus por misericórdia e para ele intervir em nosso nome.
Gross: Compare então com agora.
Ehrman: Eu respeito os crentes. Não tento converter ninguém. Não tento destruir as opiniões de ninguém. Tento respeitar as opiniões de todos. Acho que às vezes essas visões altamente religiosas podem ser socialmente muito perigosas porque, se se pensa que a causa é sobrenatural, então não se tem muita motivação para encontrar uma solução natural. É muito perigoso recusar as descobertas da ciência por causa das crenças pessoais. E todos nós só esperamos que isto não leve a um desastre ainda maior.
Gross: Pergunto-me: já que deixou de ser fundamentalista quando era adolescente e tinha 20 anos e agora é um ateu agnóstico, como lidou com as mortes ou mortes iminentes, ao longo dos anos, de entes queridos que acreditam e que são cristãos e acreditam no céu e no inferno? Tenho certeza de que você não quer dissuadi-los das suas crenças. Mas não é o que acredita.
Ehrman: Sim.
Gross: Então, como faz a mediação entre as suas crenças e as crenças deles, na forma como fala com eles sobre o que vai acontecer, e como fala consigo próprio?
Ehrman: Quando converso com alguém, especialmente alguém próximo a mim que acredita firmemente no céu e no inferno, não tenho razão para dissuadi-los disso, a menos que eles estejam a usar essa crença para prejudicar alguém ou para defender políticas sociais prejudiciais às pessoas. A minha querida mãe idosa é muito boa cristã e acredita que morrerá, irá para o céu e verá o seu marido. Eu seria louco se fosse dizer, não, mãe, na verdade não vai vê-lo (risos). Claro que não vou, não há razão para quebrar as crenças de alguém, especialmente se elas só lhes dão esperança.
A minha opinião é que todos nós acreditamos em coisas muito estranhas e, na maioria das vezes, não percebemos como são estranhas. Não é que eu acredite só em coisas racionais e todos os outros sejam irracionais. Eu tenho um conjunto diferente de crenças. Mas a minha convicção mais firme é que tudo o que cremos, não deve causar dano ao mundo; deve fazer bem no mundo. E, claro, a crença no céu e no inferno fez muito bem; também fez muito mal. Tem aterrorizado pessoas. Há pessoas que têm terror de morrer porque têm medo, literalmente, de serem atormentadas por triliões de anos, só para começar. E acho que é uma crença prejudicial.
E, portanto, nunca tentarei dissuadir alguém de acreditar no céu, mas certamente tentarei dissuadir as pessoas de acreditar no inferno, porque é simplesmente errado e prejudicial. Isso causa danos psicológicos. E quando as pessoas criam os seus filhos nestas coisas, isso pode deixá-los com uma cicatriz para o resto da vida. Assim, acho que o inferno é algo contra o qual temos de lutar; céu, sou totalmente a favor.
Gross: Acha que acreditar no inferno deixou cicatrizes?
Ehrman: Sim, de algumas formas. Não creio que tenha ficado com com cicatrizes por muito tempo, mas trabalhei muito, muito contra nisso. Eu tinha medo de ir para o inferno. Acho que, psicologicamente, isso foi muito mau. Isso tornou-me um cristão fundamentalista bastante desagradável, porque pensava que toda a gente iria para o inferno, portanto tinha que convertê-los a todo o custo (risos). Portanto, nem sempre fui uma pessoa de companhia agradável, porque eu estava certo e eles estavam errados e, como eles estavam errados, iam para o inferno.
Mas o principal é que eu acho que, de facto, isso impõe danos emocionais. Quando as pessoas precisam de encontrar uma vida agradável e cheia de esperança e precisam de ser úteis aos noutros, elas precisam de desfrutar a vida. Se tudo o que se espera é pelo que vai acontecer depois de morrer, não se pode realmente aproveitar a vida em plenitude agora, porque isto é apenas um ensaio geral. Assim, não tento dissuadir as pessoas da sua visão do céu, mas acho, na verdade, que é melhor não viver para o que vai acontecer depois de morrer; é melhor viver para o que se pode fazer agora.
O Deus sádico
Gross: [...] Você escreve no seu livro que é difícil conceber Deus como um sádico que torturaria pessoas por toda a eternidade no inferno.
Ehrman: Certo. Portanto, o ponto principal do livro, a forma como se traça a história do céu e do inferno é que, quando se pensava que toda a gente morre e que é o mesmo para todos para sempre, pensaram: bem, isto não é justo. Certamente, se há deuses ou Deus no mundo, tem que haver justiça. Portanto, o sofrimento agora deve ser recompensado mais tarde, e o comportamento perverso de agora deve ser punido mais tarde. E então apareceu a ideia de uma vida após a morte com recompensas e punições.
Mas, eventualmente, no Cristianismo, a ideia foi que, uma vez que a alma é eterna, ela é recompensada eternamente ou é punida eternamente. Mas então as pessoas começaram a pensar: espera, isto é justo? Suponha que eu seja apenas um velho pecador normal e morra aos 40, então talvez tivesse cerca de 25, talvez até 30 anos de não ser a pessoa mais perfeita na Terra. Serei torturado por 30 triliões de anos por esses 30 anos? E esses 30 triliões de anos são apenas o começo? Existe realmente um Deus que vá permitir isso, quanto mais causar isso? Não! (risos).
Eu não posso acreditar que se possa realmente dizer que Deus é justo, misericordioso e amoroso – mesmo que ele acredite no julgamento, não vai torturar-nos por 30 triliões de anos e depois continuar. Isso simplesmente não vai acontecer.
Gross: Intriga-me o que pensa sobre o número de pessoas que estão a contrair Covid-19 e das que estão a morrer, que continua a crescer, ao aproximarmo-nos da Páscoa hebraica e cristã, que são tempos santos nestas religiões.
Ehrman: Vou falar da tradição cristã, que ainda aprecio, embora já não seja cristão. Há aspetos do cristianismo que ressoam comigo, porque estão profundamente enraizados em mim. A história da Páscoa é uma história de esperança, de que a morte não é a palavra final, de que há algo que vem depois da morte. Há esperança em momentos de completo desespero. Pode haver vida após a morte.
Já não entendo isso literalmente, porque não acredito que haja. Estou aberto a isso e espero que haja algo após a morte e, se for, será bom. Mas eu, pessoalmente, acho que, provavelmente, esta vida é tudo o que existe. Mas eu tomo a história da Páscoa como uma metáfora de que, mesmo nas horas mais sombrias, quando parece não haver esperança e parece que é simplesmente o fim de todas as coisas, na verdade há um vislumbre de esperança e de que algo bom pode surgir de algo muito mau. Realmente acredito nisso, e provavelmente sempre acreditarei nisso.
Gross: Então, o que está a fazer para se manter seguro? Você mora na Carolina do Norte. Ensina na Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill. Eu sei que está de licença sabática agora. Estamos a gravar isto na quinta-feira. Neste momento, há algum conselho que você esteja a receber na Carolina do Norte sobre como se comportar?
Ehrman: Bem, o mesmo conselho que todos estão a receber quando ouvem as fontes de notícias certas, que é que é preciso isolarmo-nos. Vai ser um desastre de algum modo, nalgum sítio, nalgum nível, para a economia, mas será um desastre pior se fizermos vida pública, porque podemos estar a espalhar o vírus. Temos que nos isolar. Assim, a minha esposa e eu estamos completamente isolados há uma semana agora, e vamos continuar assim. E é realmente a única maneira de impedir que esta coisa cresça. Vai crescer. Vai ser exponencial. Mas é a única maneira de pará-la.
Gross: Então isso significa que não vai sair de casa?
Ehrman: Só para ir ao quintal. De vez em quando, dou a volta ao quarteirão, se não houver ninguém por perto. Mas fora isso, não. Não usamos os nossos carros. Não vamos sair. Não fazemos mais nada. Vamos absolutamente ficar dentro de casa e no quintal.
Gross: Bem, Bart Ehrman, desejo-lhe boa saúde e muito obrigado por falar connosco.
Ehrman: Bem, obrigado por me receber. Espero que você fique segura também.
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